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EI faz anúncios em português, e EUA orientam Brasil na segurança da Olimpíada

Soldados brasileiros patrulham região da arena onde será disputada o vôlei de praia - Lalo de Almeida/The New York Times)
Soldados brasileiros patrulham região da arena onde será disputada o vôlei de praia Imagem: Lalo de Almeida/The New York Times)

Simon Romero e Michael S. Schmidt

No Rio de Janeiro

02/08/2016 11h16

Preocupado com possíveis ataques terroristas durante a Olimpíada no Rio de Janeiro, o governo brasileiro está trabalhando em estreita colaboração com os serviços policiais e de inteligência dos EUA para identificar ameaças e conter potenciais desastres durante os Jogos Olímpicos.

Apesar de suas famosas batalhas contra o crime violento, o Brasil foi, de modo geral, poupado dos infames atentados terroristas que abalaram o mundo nos últimos anos. As autoridades brasileiras há muito minimizam a vulnerabilidade do país ao extremismo local.

Mas os jihadistas estão propondo distúrbios nos Jogos, dando sequência à onda de assassinatos na Europa, nos EUA e em outros lugares no último ano, que inclui o massacre de 130 pessoas em Paris e ataques de "lobos solitários" inspirados pelo Estado Islâmico. Isto levantou amplos temores sobre os preparativos de segurança no Brasil para os Jogos.

As autoridades americanas vêm treinando unidades antiterrorismo locais para enfrentar ataques químicos e biológicos. Elas ajudam a identificar alvos frágeis como restaurantes, boates e shopping centers que ficam distantes dos locais olímpicos bem guardados. E trabalham há vários meses treinando a polícia e os militares brasileiros em grandes eventos esportivos nos EUA, como o Super Bowl [final do campeonato de futebol americano], em fevereiro.

A cooperação marca um notável reaquecimento nas relações depois da comoção em 2013 sobre a vigilância de líderes políticos brasileiros pela Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA, na sigla em inglês). E a mudança ficou bem nítida no mês passado, quando investigadores brasileiros revelaram que o FBI os ajudou a identificar e rastrear vários dos dez homens presos sob suspeita de planejar ataques para um grupo islamista brasileiro chamado Defensores da Sharia.

Os americanos estão tendo um papel chave para identificar as áreas que precisamos examinar" Rafael Brum Miron, promotor na cidade de Curitiba

"Não sei como o FBI conseguiu essa inteligência, mas afinal foi uma pista muito valiosa", acrescenta Miron.

Os temores de terrorismo são comuns antes de qualquer Olimpíada. Mas a frequência dos ataques recentes em todo o mundo -- e a relativa inexperiência do Brasil em enfrentar o terrorismo -- levou a uma sensação de urgência no Rio.

Há semanas o EI vem traduzindo sua propaganda principal para português e anunciando que precisa de pessoas que falem a língua, no que os analistas temem que seja uma tentativa de recrutar e criar uma rede no Brasil para atacar durante os Jogos.

Os canais da jihad têm aumentado os apelos a ataques. Em 19 de julho, um canal intitulado "Inspire the Believers!" [Inspirem os fiéis] no Telegram, um app de telefone criptografado, aconselhou que "os lobos solitários de qualquer lugar do mundo podem ir para o Brasil agora. Vistos e passagens para o Brasil serão muito fáceis de conseguir in sha Allah".

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O canal passou a oferecer 17 sugestões de ataques relacionados à Olimpíada, mencionando como alvos os visitantes americanos, britânicos, franceses e israelenses. Ele comentou que os atacantes poderiam despejar "veneno ou remédios" em comidas e bebidas, ou usar "drones de brinquedo com pequenos explosivos", segundo o Grupo de Inteligência SITE, que monitora os canais de comunicação jihadistas.

O mesmo canal já sugeriu tirar inspiração do massacre de atletas israelenses em 1972 durante a Olimpíada de Munique.

Tais mensagens vêm no rastro da fundação de um novo grupo no Brasil que afirma ser formado por brasileiros e jura fidelidade ao líder do Estado Islâmico, Abu Bakr al Baghdadi.

Há cerca de um ano e meio, o Birô de Segurança Diplomática do Departamento de Estado dos EUA, que assumiu a liderança na proteção de atletas americanos no exterior, expandiu sua base no Rio para se preparar para os Jogos Olímpicos. Os brasileiros já organizaram grandes eventos esportivos, como a Copa do Mundo de 2014. Mas o que o birô achou um tanto perturbador de início foi que rapidamente identificou vários pontos frágeis na segurança brasileira, segundo autoridades americanas graduadas.

Os brasileiros pareciam ter pouco treinamento para lidar com ataques que envolvem materiais biológicos ou radiológicos. As operações de contraterrorismo brasileiras também pareciam ter um número insuficiente de agentes, enquanto especialistas em segurança afirmaram que a legislação para deter e processar suspeitos de terrorismo é muito branda.

Os EUA ofereceram treinamento aos brasileiros, que foram mais abertos à ajuda americana do que recentes anfitriões olímpicos como a Rússia e a China. Dezenas de autoridades brasileiras e pessoal das forças policiais e militares foram aos EUA. Vários participaram de eventos como o Super Bowl e o torneio Aberto de Golfe para observar como os EUA organizam a segurança em locais de alto risco.

Mas algumas autoridades americanas se preocuparam que o Brasil não estivesse levando a ameaça suficientemente a sério. Evitar assumir posições sobre conflitos estrangeiros, inclusive no Oriente Médio, tem sido um pilar da política externa brasileira. Alguns líderes políticos aqui afirmam que fazê-lo poderia tornar o Brasil um alvo para grupos militantes islâmicos.

Mas a avaliação da vulnerabilidade do Brasil começou a mudar no final do ano passado, segundo autoridades e analistas de segurança americanos e brasileiros, conforme o EI continuou mostrando que poderia efetuar e inspirar ataques em diferentes partes do mundo.

"A natureza mutável dos ataques ao redor do mundo e a percepção de que o Brasil está vulnerável com a proximidade da Olimpíada vêm levando o governo a repensar sua abordagem", disse Marcos Ferreira, um acadêmico na Universidade Federal da Paraíba que é especialista em terrorismo na América do Sul.

Em março, a presidente Dilma Rousseff assinou uma lei antiterrorismo que reforçou a autoridade do governo para deter e prender pessoas suspeitas de planejar ataques. Grupos de direitos humanos criticaram a lei como abrangente demais, mas Rousseff, uma esquerdista que foi presa na juventude por sua participação em um grupo guerrilheiro que resistia à ditadura militar, assinou a lei apesar de temores de que pudesse ser usada para infringir as liberdades civis.

Há uma consciência crescente no Brasil da ameaça do terrorismo, e estamos satisfeitos que o país tenha aprovado uma nova lei de contraterrorismo em março" Liliana Ayalde, embaixadora americana no Brasil

"A legislação abriu novos canais de cooperação entre nossos governos", acrescenta Ayalde.

A aprovação da lei -- juntamente com o maior compartilhamento de informações entre autoridades brasileiras e americanas -- transcorreu aqui em um momento político tumultuado. Rousseff, que hoje enfrenta um julgamento de impeachment, tentava combater adversários que desejavam derrubá-la. Seu vice-presidente, Michel Temer, saiu vitorioso na luta pelo poder. Como presidente interino, hoje ele espera para ver se o Senado afasta definitivamente Rousseff após o julgamento por manipulação do orçamento.

Mas o turbilhão político não pareceu afetar os preparativos contra ameaças relacionadas aos Jogos Olímpicos. Autoridades dos dois países que vinham interagindo disseram que continuam a fazê-lo, apesar das mudanças no alto escalão do governo.

O Brasil também intensificou sua cooperação em segurança com outros países, notadamente a França, que enviou unidades de elite da polícia para treinar seus colegas brasileiros na proteção de aeroportos e sistemas ferroviários. Essa colaboração não passou despercebida pelo EI, cujas recentes publicações em português comentaram que a polícia francesa falhou em evitar ataques em seu próprio país.

Os EUA tentaram manter um perfil discreto em torno de suas operações de contraterrorismo para a Olimpíada, para evitar que fossem vistas como interferências em um país já abalado pelo escândalo de espionagem em que a NSA monitorou seus principais líderes políticos.

Mas a cooperação entre os dois países ficou ainda mais clara no mês passado, quando autoridades brasileiras anunciaram a detenção de dez homens dos Defensores da Sharia. Os suspeitos, todos cidadãos brasileiros, têm perfis semelhantes aos das dezenas que foram presos nos EUA.

Mas as prisões provocam uma discussão sobre se o governo brasileiro exagerou ao deter os homens, que estão em uma prisão de segurança máxima. "Eles podem ser simpatizantes, mas não são terroristas", disse Ahmad al Khatib, 49, um líder muçulmano sunita em São Paulo que fundou um grupo que ensina árabe e ajuda refugiados sírios. Dois dos suspeitos, Antonio Andrade dos Santos e Vitor Barbosa Magalhães, ambos recém-convertidos ao islamismo, trabalhavam na organização de Al Khatib.

"Tenho certeza de que eles nunca tiveram a intenção de praticar terrorismo no Brasil", disse ele.

O ministro da Justiça do Brasil, Alexandre de Moraes, reconheceu publicamente que os suspeitos não fazem parte de uma célula desenvolvida, com um plano sofisticado para atacar um alvo de alto perfil como um avião ou um estádio, descrevendo-os como "amadores".

O juiz federal que supervisiona o caso chegou a questionar se os suspeitos podem ser chamados de terroristas.

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