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A Coreia do Norte planeja mesmo chegar à Lua ou foguete é parte de um projeto bélico?

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Imagem: KCNA/AFP

David E. Sanger e William J. Broad

Em Washington (EUA)

27/09/2016 06h00

Kim Jong-Un está a caminho da Lua.

Essa ao menos é a explicação oficial norte-coreana para os testes realizados na semana passada de um motor de foguete que, se for tão poderoso quanto a Coreia do Norte alega, rivalizaria os foguetes comerciais que Jeff Bezos e Elon Musk, da Amazon e Tesla, respectivamente, atualmente usam em suas empresas aeroespaciais para envio de cargas ao espaço.

Mas dentro das agências de inteligência americanas há considerável ceticismo de que a Coreia do Norte realmente pretende plantar uma bandeira na paisagem lunar. As agências estão explorando outras explicações: a de que Kim, o líder norte-coreano, está correndo, enquanto os Estados Unidos estão distraídos com a acalorada eleição presidencial, no desenvolvimento de uma forma para seu crescente arsenal de armas nucleares poder alcançar Nova York e Washington.

E a Coreia do Norte pode não estar trabalhando sozinha. Uma conclusão da inteligência dos Estados Unidos, divulgada discretamente em janeiro, sugere que o desenvolvimento do grande motor da Coreia do Norte, que esta alega produzir 80 toneladas de empuxo, pode ser parte de uma parceria com o Irã. Um anúncio do Departamento do Tesouro de sanções contra autoridades e engenheiros iranianos citou dois que "viajaram para a Coreia do Norte para trabalhar em um motor de foguete de 80 toneladas que está sendo desenvolvido pelo governo norte-coreano".

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MOTOR NOVO - A Coreia do Norte testou um novo motor de foguete espacial que permitirá o lançamento de vários tipos de satélite. O novo teste acontece menos de duas semanas depois de o país ter anunciado êxito em teste com uma ogiva nuclear que pode ser colocada num míssil. Os dois testes podem indicar que o país se aproxima do objetivo de desenvolver um míssil nuclear que possa atingir o território continental dos Estados Unidos
Imagem: KCNA

Hillary Clinton ou Donald Trump dificilmente enfrentarão na condição de presidente uma ameaça tão urgente quanto a dramática escalada dos programas nuclear e de mísseis da Coreia do Norte.

Um motor com 80 toneladas de empuxo teria três vezes mais poder do que o foguete avançado norte-coreano exibido em um campo de teste em abril, apesar de não ser possível verificar as alegações norte-coreanas. Segundo a maioria das estimativas não confidenciais, a Coreia do Norte precisaria de talvez cinco anos para casar seus avanços em mísseis com uma arma pequena e forte o suficiente para sobreviver aos estresses da reentrada na atmosfera em um míssil balístico intercontinental.

Até o momento, os engenheiros de Kim nunca executaram um voo-teste militar capaz de ir além do meio do Pacífico, apesar de em uma declaração na sexta-feira, a Coreia do Norte ter ameaçado atacar Guam, lar dos bombardeiros americanos B-1 que realizaram simulações na semana passada sobre a Península Coreana.

Os elos potenciais com o Irã complicam a questão. O Irã tem ignorado uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aprovado em conjunto com o acordo no ano passado que congela seu programa nuclear, de se abster de testes de mísseis com capacidade nuclear por oito anos.

O governo Obama não pediu sanções, ciente de que seriam vetadas pela Rússia e China, nem disse muito em público sobre os detalhes da cooperação no novo motor de foguete. Há uma longa história de compartilhamento de tecnologia de mísseis, mas não há evidência persuasiva de que os iranianos estiveram envolvidos nos testes de armas nucleares da Coreia do Norte.

A conversa de viagem à Lua pode ser aspirativa, mas não é lunática. Especialistas em foguetes disseram que quatro dos novos motores norte-coreanos, reunidos na base de um veículo espacial, seriam poderosos o bastante para envio de uma carga simples à Lua. Mas a Coreia do Norte precisaria antes dominar muitas outras tecnologias para que até mesmo um veículo não tripulado possa pousar lá.

Em uma entrevista no mês passado para a agência de notícias Associated Press, o diretor do departamento de pesquisa científica da Administração Nacional de Desenvolvimento Aeroespacial da Coreia do Norte, Hyon Kwang Il, disse que uma viagem à Lua é a meta da nação.

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"Apesar dos Estados Unidos e seus aliados tentarem bloquear nosso desenvolvimento espacial, nossos cientistas aeroespaciais conquistarão o espaço e plantarão a bandeira RDPC na Lua", ele disse, usando a abreviação de República Democrática Popular da Coreia.

Sempre um mestre da propaganda, Kim celebrou o teste do foguete na principal emissora de televisão norte-coreana, que o exibiu em uma camisa branca em um dia ensolarado no campo de testes norte-coreano, posicionado na base do motor gigante. A transmissão, que foi postada no YouTube, mostra o teste do motor.

Seja qual for a meta, o aspecto mais importante do novo motor norte-coreano é o fato de seu desenho parecer local, em vez de uma cópia de mísseis soviéticos com décadas de idade. Isso sugere uma crescente habilidade doméstica, o que pode explicar o apelo ao Irã, que autoridades de inteligência especulam poder estar ajudando no financiamento do esforço.

"Não se assemelha a nada visto antes", disse John Schilling, um especialista no programa de mísseis norte-coreano do 38 North, um blog e centro de estudos da Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins, sobre o poderoso novo motor. "É um tanto assustador disporem dessa capacidade, mas um tanto encorajador quererem usá-la para lançamento espacial."

A história mostra que quaisquer avanços em foguetes, independente do propósito alegado, pode auxiliar programas tanto civis quanto militares. "Foi isso o que os Estados Unidos fizeram", disse David Rothkopf, que escreveu duas histórias sobre o Conselho de Segurança Nacional. "Foi o que os russos fizeram. Foi o que os chineses fizeram. Por que não os norte-coreanos?"

Uma possibilidade é a de que a Coreia do Norte esteja tentando reproduzir elementos da "tríade" americana, a criação de um arsenal nuclear que possa ser lançado por aeronaves, silos de mísseis baseados em solo e submarinos. Um recente lançamento de míssil pela Coreia do Norte pareceu partir de um submarino.

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"Temos 400 mísseis em silos", notou Lewis, apesar de haver movimento para eliminação dos silos, por serem velhos e vulneráveis a ataques preventivos.

Os norte-coreanos podem estar pensando: "Por que não ter tudo?" acrescentou Lewis.

David C. Wright, um cientista sênior da União dos Cientistas Preocupados, em Cambridge, Massachusetts, um grupo que monitora a proliferação, argumentou que o avanço norte-coreano pode muito bem acabar aplicado aos mísseis balísticos intercontinentais em silos profundos.

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Ele notou que o alto poder do novo motor norte-coreano é semelhante ao desenvolvido pelos cientistas chineses para o primeiro míssil de longo alcance do país. Ele foi rapidamente considerado confiável o bastante para lançar ogivas entre continentes.

Wright, em uma postagem de blog sobre o avanço norte-coreano, notou que o míssil chinês, conhecido como DF-5 (de Dong Feng, ou Vento Leste), "poderia transportar uma ogiva nuclear para qualquer lugar nos Estados Unidos".

"Quem sabe o que a Coreia do Norte deseja?" disse Wright. "A esta altura, não acho que podemos tirar um míssil balístico intercontinental da mesa."