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Agricultora há 5 anos tem sítio sustentável em São Paulo

A agricultora Valéria, no sítio Boa Nova, em Parelheiros, zona sul de São Paulo - Leonardo Soares/UOL
A agricultora Valéria, no sítio Boa Nova, em Parelheiros, zona sul de São Paulo Imagem: Leonardo Soares/UOL

Fernando Cymbaluk

Do UOL, em São Paulo

21/07/2014 06h00

Na casa de Valéria Maria Macoratti, 46, e Vânia Maria Ferreira dos Santos, 49, na Chácara Santo Amaro, bairro do distrito de Parelheiros, em São Paulo, não tem rede de água e esgoto. Mas isso não preocupa as moradoras. A água elas conseguem de um poço caipira e da chuva, armazenada em uma cisterna. E os resíduos da casa não são despejados no solo, escorrendo até encontrar um córrego. A água de pias, ralos e dos vasos sanitários é tratada dentro da propriedade, em dois sistemas de filtragem biológica.

A casa de Valéria e Vânia é ecológica. Mesmo sem saneamento básico, não polui o meio ambiente. Valéria contou com a ajuda técnica da Prefeitura de São Paulo e da Embrapa para criar os sistemas de preservação.  Mas a motivação para cuidar do entorno em que vive há sete anos parte todo dela. E a vontade de proteger ela não deixa guardada em casa. Leva para o trabalho que mantém há apenas cinco anos: a agricultura.

Valéria trabalhava em uma escola de educação infantil no Grajaú, quando se mudou junto com Vânia, sua companheira, para a chácara localizada na zona rural de São Paulo. O interesse pelo trabalho na terra foi despertado pela nova vizinhança, repleta de pequenos agricultores. Valéria comprava dos vizinhos verdura e hortaliça para levar para amigos.

Um dos vendedores, Daniel Petrino dos Santos, 35, tornou-se um amigo mais próximo. Valéria queria convencê-lo a parar de usar adubos e defensivos sintéticos na plantação. Depois de muita insistência, foi Daniel que, em 2009, intimou a cliente a realizar um curso de agricultura orgânica, oferecido por projeto da Prefeitura de São Paulo, e ajudar na roça.

Valéria se animou, fez mais cursos, criou sua própria horta em casa, até que a parceria entre os vizinhos se firmou pra valer. Ela começou a vender as hortaliças do seu pomar e deixou o emprego na escolinha.

A São Paulo entre a cidade e o campo

“Eu não nasci na agricultura”, diz Valéria. É nascida, isso sim, no extremo leste de São Paulo, em Guaianases. Foi morar na zona sul, na região do Grajaú, já adulta. Na infância na zona leste, quando tinha sete anos, ganhou um pé de ipê na inauguração do Parque do Carmo, que plantou na calçada de casa. A muda virou uma bela árvore, que um foi cortada. “Falavam que fazia muita sujeira”, diz.

Foi um pé de ipê que definiu a ida de Valéria para a vida no campo. Quando estava à procura de uma chácara na região rural de Parelheiros, ela visitou um terreno que tinha um ipê amarelo bem no centro. Resolveu na hora que era aquele em que iria morar. Mas o impulso inicial para a mudança de bairro foi dado pela cidade de São Paulo.

“Depois que minha mão faleceu, eu arrumei um cachorro. E de um cachorro eu arrumei dois, três... eu sempre falei para minha mãe que eu não ia envelhecer em São Paulo. Eu não tinha vontade de ficar, por causa da cidade mesmo, do ritmo”, afirma.

Assim, numa área rural dentro da cidade de 11 milhões de habitantes, a agricultora vive uma simbiose entre o urbano e a vida no campo. No pequeno terreno onde está o pé de ipê, Valéria cuida dos 62 cachorros que possui, todos resgatados das ruas da capital paulista.

Ela também possui dois jumentos, achados abandonados nas ruas do Grajaú. Possui um cotidiano campestre. Acorda cedo, dá comida para os cachorros, os jumentos, as galinhas, cuida da horta de casa, e vai para a plantação no sítio Boa Nova, a cerca de quinze minutos de carro de sua casa, por uma estrada de terra.

“Não pego trânsito, não pego farol, não tem faixa de pedestre. Às vezes você vê uma cobra atravessando a rua”, diz. No final do dia, alimenta os animais novamente. E deita na cama desfalecida de cansaço, mas sem queixas sobre a rotina. “O meu melhor dia é quando passo o dia inteiro aqui [na plantação]. Saio daqui, pego meu carro, vejo um por do sol lindo, e vou pra minha casa”.

E São Paulo? “Também é importante na minha vida. É a cidade em que eu nasci. Eu consegui unir o útil ao agradável. Morar em São Paulo é útil, não é agradável. Pra mim se tornou agradável porque eu moro na cidade e não moro na cidade. Tudo que eu preciso, no monstro de São Paulo, tem ali. Mas onde eu moro eu tenho paz, silêncio, natureza. Eu digo que São Paulo é um mal necessário”.

Depósito de lixo vira polo de educação ambiental

No final de 2013, o agricultor Daniel, que acabou virando amigo de Valéria, abriu espaço no terreno arrendado em que planta frutas e hortaliças. Valéria deu o nome: sítio Boa Nova. Na parte dele, tudo convencional. Na organizada pelos dois juntos, agricultura orgânica. E a preservação buscada por Valéria começou a ser semeada no campo.

“Quando vim pra cá, encontrei o lugar extremamente abandonado. Eles não sabiam o que fazer com o lixo, traziam entulho de obra, madeira, pneu velho, e queimavam tudo aqui. Aí eu disse, ‘parou!’. A primeira coisa foi limpar tudo”, conta a agricultora.

Nada partiu de grande investimento. Apenas cerca de R$ 800,00 para arrumar um barracão. E muita improvisação reciclando tudo o que antes era lixo. O pneu virou canteiro de flores, janelas de madeira velhas viraram acento e encosto de cadeiras, um tronco parcialmente queimado virou banco.

“Coloquei flor, fiz um jardim. E ainda tem muita coisa para transformar”, diz. Bem equipado, o sítio ganhou um fogão à lenha e um banheiro seco.

O novo passo que a agricultora quer dar é levar a ideia da proteção do meio ambiente para quem nem sabe que existe uma área rural, cheia de mata nativa e com plantação orgânica, dentro da cidade de São Paulo.

“E eu quero transformar isso aqui num paraíso de educação ambiental. A minha casa já é um lugar que as pessoas vão e gostam de conhecer, ver como é um saneamento básico alternativo. E aqui, você trabalha com agricultura”.

Trabalho feito em conjunto

Momentos de altos e baixos vieram na caminhada.A produção orgânica no sítio Boa Nova começou em janeiro de 2014. Por enquanto, Valéria e Daniel vendem para restaurantes e para grupos de compra coletiva. Há clientes em vista. Duas excursões à horta já foram realizadas. E outras atividades estão nos planos, como uma parceria com Sesc Interlagos. “Eles podem orientar como receber as pessoas, o que servir, como fazer um cardápio, um atendimento e um pós-atendimento”, diz.

Mesmo com dificuldades, como um mês sem plantio por causa de um trator quebrado, a parceria já tem apresentado retorno financeiro. Conseguem pagar o aluguel do terreno, somando com a renda do plantio convencional de Daniel, e o INSS dos dois. “No mês passado, deu pra tirar líquido, para mim e paro Daniel, quase R$ 1.000 cada um. Só do orgânico. Com o mínimo de produção conseguimos isso. Imagine se plantarmos 20, 30 variedades, fizermos educação ambiental, se vier um monte de gente visitar a gente?”.

Tudo isso, com a ajuda do consumidor. Eles visitam os agricultores, participam de reuniões, dão conselhos e orientações.

Preservando uma profissão

Na parceria entre Valéria e Daniel não nasceu apenas uma oportunidade de negócio. E o espírito de preservação não se limitou ao meio ambiente. Tocou em pessoas.

“Se eu conseguir fazer com que isso aqui aconteça, ajudando pelo menos o Daniel, um monte de agricultores vêm atrás”, diz Valéria.  Ela também busca mostrar para as crianças da região com quem tem contato a importância do trabalho no campo.

“Carlinho, filho do Daniel, ajuda muito o pai. Estuda na escola pública da região, Hermínio Sacchetta. Procuro despertar isso nele, o orgulho de ser agricultor. Outro dia ele estava triste, porque os garotos falaram que ele era burro, porque trabalhava com o pai, que é agricultor, ‘pé de poeira’, ‘pé de barro’. Existe esse tipo de bullyng”, completa.