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Ilhas Marshall, no Pacífico, lutam contra a elevação implacável do mar

Vista aérea de Ejit, uma das Ilhas Marshall - Josh Haner/The New York Times
Vista aérea de Ejit, uma das Ilhas Marshall Imagem: Josh Haner/The New York Times

Coral Davenport

Em Ebeye, Ilhas Marshall

02/12/2015 22h40

Linder Anej caminhava pela maré baixa para transportar entulho de construção até a costa e reconstruir o quebra-mar improvisado em frente ao seu lar. A barreira temporária não é capaz de conter o mar que regularmente inunda os barracos e ruas enlameadas com água salgada e esgoto, mas todo dia, exceto aos domingos, Anej se junta a um grupo de homens e meninos para trazer o entulho de volta ao local.

"É loucura, eu sei", disse Anej, 30, que vive com sua família de 13, que inclui seus pais, irmãos e filhos, em uma casa de quatro cômodos. "Mas é a única opção que temos."

Parado perto de sua casa à beira de uma favela densamente povoada, ele disse, "eu sinto como se vivêssemos debaixo d'água".

Longe dali, nos luxuosos salões de conferência de hotéis em Paris, Londres, Nova York e Washington, Tony A. deBrum, o ministro das Relações Exteriores das Ilhas Marshall, conta as histórias de homens como Anej para transmitir aos mais poderosos autores de políticas o risco enfrentado por seu país insular do Pacífico com a elevação dos mares –e para moldar os termos legais e financeiros do grande acordo das Nações Unidas a respeito da mudança climática que agora está sendo negociado em Paris.

O foco de deBrum está voltado às carteiras do Ocidente –uma indenização pelas "perdas e danos", no jargão dos negociadores, que o poderio industrial dos países ricos causaram ao meio ambiente global.

Muitos outros países cuja altitude do território é muito próxima do nível do mar são ameaçados pela elevação dos mares. Em Bangladesh, cerca de 17% do território poderia ser inundado até 2050, deslocando cerca de 18 milhões de pessoas.

Mas as Ilhas Marshall contam com um trunfo importante: segundo um acordo de 1986, os cerca de 70 mil habitantes do país, devido a seus antigos laços militares com Washington, são livres para emigrar para os Estados Unidos, um passe que se tornará mais atraente à medida que o mar se elevar nas costas das ilhas.

O debate em torno de perdas e danos tem sido intenso porque os termos finais do acordo de Paris poderiam exigir que os países desenvolvidos, acima de todos os Estados Unidos, doem bilhões de dólares a países vulneráveis como as Ilhas Marshall. Importantes republicanos no Congresso já estão se preparando para uma briga, que dizem ser em prol do contribuinte americano.

"Nossos eleitores estão preocupados que os compromissos sendo assumidos pelos Estados Unidos fortalecerão economias estrangeiras em detrimento dos trabalhadores americanos", escreveram 37 senadores republicanos no mês passado. "Eles também estão céticos a respeito do envio de bilhões de seus dólares, ganhos arduamente, para autoridades de governo de países em desenvolvimento."

DeBrum permanece inabalável.

"Não faz sentido para nós ir a Paris e voltar com algo que diga: 'Daqui alguns anos, seu país estará sob as águas'", disse deBrum em uma entrevista em sua casa à beira-mar em Majuro, a capital das Ilhas Marshall. "Nós vemos os danos ocorrendo agora. Nós estamos tentando conter o mar."

Chamando atenção

Mas no mundo dos negociadores de alto nível na questão climática, deBrum conseguiu avanços. Ele conseguiu participar das reuniões do Fórum das Grandes Economias, um grupo de 17 potências mundiais convocado pelo secretário de Estado americano, John Kerry, para discussão das políticas de energia antes da cúpula em Paris. Ele é amplamente creditado por ter introduzido ou fortalecido significativamente pontos cruciais no esboço do acordo que poderá sair de Paris –em particular, o estabelecimento de um preço pela destruição causada pela mudança climática.

Ele pressionou por reuniões obrigatórias a cada cinco anos após a cúpula em Paris para aumentar o rigor das políticas internacionais de reduções de carbono. DeBrum nota que Izabella Teixeira, ministra do Meio Ambiente do Brasil, um dos maiores poluidores de carbono do mundo, citou o plano das minúsculas Ilhas Marshall para a redução de carbono como uma influência no plano ambicioso do Brasil de fazer o mesmo.

Para deBrum, o aquecimento do planeta não é abstrato. À medida que a queima de combustíveis fósseis aumenta a presença na atmosfera de gases responsáveis pelo efeito estufa, o planeta aquece, e os mantos de gelo da Groenlândia e da Antártida derretem nos oceanos. A projeção é de que o nível dos mares se eleve entre 30 centímetros e 1,20 metro por todo o mundo até o final do século, segundo a conclusão de vários estudos científicos internacionais importantes.

Em bairros como o de Anej, após as marés repletas de esgoto invadirem suas casas, febre e disenteria aparecem em seguida. Em outras ilhas, as inundações de água salgada penetraram e salinizaram as reservas de água doce subterrâneas.

Em Majuro, as inundações provocadas pelas marés danificaram centenas de lares em 2013. A escola primária ficou fechada por quase duas semanas para abrigar as famílias. Naquele mesmo ano, o aeroporto ficou temporariamente fechado depois que as marés inundaram a pista.

Essas dores, como apresentadas por deBrum, têm importância em Washington, porque o que acontece nas Ilhas Marshall afeta os Estados Unidos –a política de imigração, a segurança nacional e os dólares dos contribuintes.

Os dois países têm uma história complicada. Durante a Guerra Fria, as Forças Armadas americanas detonaram 67 bombas nucleares nos próximos atóis de Bikini e Enewetak e arredores –depois de primeiro reassentar os habitantes de Bikini nas Ilhas Marshall.

Aos 9 anos, deBrum estava pescando com seu avô quando viu no horizonte o clarão de um dos testes. "Em poucos segundos, todo o céu ficou vermelho, como se um aquário tivesse sido colocado sobre a minha cabeça e sangue tivesse sido despejado sobre ele", ele recordou.

O acordo oferecido: uma porta aberta aos habitantes das Ilhas Marshall e de Bikini. Esse acordo já gerou comunidades de milhares de habitantes das Marshall em Springdale, Arkansas, e Salem, Oregon, fugindo do futuro inundado. Esse acordo de 1986 também criou um fundo pelo governo americano em apoio aos habitantes do Atol de Bikini –desde que continuassem morando nas Ilhas Marshall. Agora, esses habitantes desejam usar esse fundo para se mudaram para os Estados Unidos.

Nas primeiras décadas de sua carreira no serviço público, DeBrum, 70 anos, trabalhou como emissário diplomático para ajudar seu país a se recuperar dos efeitos dos testes nucleares. Agora seu foco passou a buscar uma indenização pelos custos da mudança climática.

"Tony é claramente um grande agente na questão de perdas e danos", disse Todd Stern, o mais alto negociador americano para mudança climática. "Ele tem muita credibilidade nessas negociações."

Mostrando ao mundo

Enquanto Obama busca um legado na política climática, os funcionários de seu governo encorajaram discretamente deBrum a colocar às Ilhas Marshall em evidência, como símbolo dos perigos da mudança climática. O governo Obama pode ter reforçado alguns dos esforços de deBrum, mas não chegou a apoiar os termos que tornariam os países ricos legalmente responsáveis pelas perdas e danos.

Em questões de defesa, o valor estratégico das Ilhas Marshall para os Estados Unidos não mais se apoiam nas áreas de testes nucleares no Pacífico, mas em Kwajalein, o maior dos atóis das Marshall, que é lar da Área Ronald Reagan de Teste de Mísseis Balísticos de Defesa.

Os 1.200 americanos que vivem na base lançam mísseis, operam programas espaciais de armas e acompanham as pesquisas da Nasa (a Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço dos Estados Unidos), apoiados por um orçamento anual de US$ 182 milhões. Cerca de 900 habitantes das Ilhas Marshall tomam diariamente uma balsa até a base para ajudá-los.

O Pentágono, que tem um contrato de uso de Kwajalein até 2066, encomendou estudos científicos sobre que efeito a elevação dos mares terá na missão da base. Em 2008, a base foi inundada pelo mar, causando a destruição de toda a reserva de água doce da ilha. Os militares responderam com caro maquinário de dessalinização e um forte quebra-mar feito de enrocamento, um granito reforçado utilizado em engenharia hidráulica.

É esse tipo de adaptação que deBrum quer ver nas ilhas onde sua população vive, o que não seria barato. Entre os termos mais contenciosos sendo negociados em Paris está um compromisso, apresentado durante a cúpula do clima de 2009 em Copenhague pela então secretária de Estado, Hillary Clinton, de que os países ricos mobilizariam anualmente US$ 100 bilhões até 2020 para ajudar os países pobres a controlarem suas emissões de gases do efeito estufa e se adaptarem aos efeitos punitivos da mudança climática. Os países já criaram um "Fundo Verde para o Clima" para receber as contribuições. Obama se comprometeu a fazer uma doação inicial americana de US$ 3 bilhões.

"Nós estaremos entre os primeiros 15 países na fila", disse deBrum.

Ele prevê a elevação das cidades das ilhas em até dois metros e a construção de novos sistemas de drenagem resistentes. "Isso poderia nos garantir pelo menos 20 anos", ele disse.

Mas apesar de toda sua sagacidade diplomática, a defesa por deBrum do pequeno país insular sendo engolido pelo oceano nem sempre se ergue acima do barulho das ondas. Em uma recente conferência para elaboração do acordo de Paris, o ministro do Meio Ambiente da Índia, Prakash Javadekar, ouviu aos seus apelos e então respondeu bruscamente: "E daí?"