Topo

Nenhum governante pode gabar-se da realização da Copa no Brasil

Especial para o UOL

12/06/2014 06h00

O Brasil será no decorrer dos próximos 30 dias, oficialmente, a sede do futebol. Quando o primeiro apito soar no Itaquerão, nosso país estará no centro do mundo, e bilhões de pessoas estarão na mesma sintonia, ligados pelo amor ao futebol.

Para chegarmos até aqui vivemos uma verdadeira montanha-russa de emoções, com atrasos, acidentes e protestos. Mas, e agora, devemos celebrar a Copa?

Tudo iniciou em 2007, em Zurique - eu estava lá-, quando o Brasil foi confirmado como sede do Mundial em 2014. Um sonho. Depois de 60 anos, o único país que participou de todas as Copas e carrega cinco estrelas no peito seria novamente sede da competição.

Chorei de emoção. O anúncio soou como vitória, mas o Brasil era candidato único. Ainda assim, foi um alento para o brasileiro torcedor. Nossa seleção havia sido eliminada da competição no ano anterior pela França, nas quartas de final.  Naquele ano, a Itália levou a taça. Um único pensamento permeava a mente de toda população: a chance do Brasil ser campeão em casa!

Três anos se passaram, e muito pouco se ouviu falar em Copa do Mundo. Chegou 2010, Copa da África do Sul. E, novamente, o Brasil é eliminado nas quartas de final, dessa vez pela Holanda. A Copa chega ao fim, um último apito soa em território africano, e a Espanha – em êxtase – ergue a taça.

O ciclo do Mundial então se inicia novamente. É o Brasil, é o momento do Brasil. Todas as lentes do jornalismo esportivo se viram para nós. E esperança volta a saltitar no peito: vamos ser campeões em casa!

Promessas

Somente em janeiro de 2010, com todas as cidades-sede escolhidas, o governo brasileiro lança a primeira Matriz de Responsabilidade da Copa. Um documento com lista e cronograma de obras e investimentos para o Mundial.

Naquele primeiro documento, que seria alterado inúmeras vezes depois, uma série de obras de mobilidade urbana prometia ser um alento para os problemas de trânsito de grandes cidades brasileiras. Hoje sabemos que nem metade dessas obras viria a se realizar.

Os anos seguintes seriam cruciais para o Brasil, e a organização dependia da competência e organização de governadores. O governo federal liberou crédito para obras dos estádios e as de mobilidade.

Alguns projetos sequer foram apresentados. O atraso já era visível, o preço dos estádios era uma curva crescente, as obras de mobilidade eram riscadas da matriz a cada nova atualização.

Em 2011, chegou à Câmara dos Deputados a Lei Geral da Copa. O texto era um remendo das garantias feitas à Fifa em 2007. Uma série de exigências que resguardavam a entidade e seus parceiros comerciais. Obviamente, uma afronta à legislação brasileira. Tentei alterar alguns artigos, mas fui voto vencido. O texto foi sancionado no ano seguinte pela presidente Dilma Rousseff.

Ainda em 2011, iniciei uma série de visitas às cidades-sede do Mundial, um ano depois da primeira lista de obras serem divulgadas. Ali iniciaram minhas críticas à preparação da Copa.

Tive a oportunidade de ver o que os brasileiros só se dariam conta dois anos depois, com a proximidade do primeiro grande teste, a Copa das Confederações.

Manifestações

O que vi em 2011 foram governantes se gabando de grandes intervenções urbanas que mudariam a vida da população. Tudo apresentado em maquetes e ilustrações no computador - obras de ficção.

 Em meio a este cenário, os custos dos estádios subiam, para atender o “padrão Fifa”, e a nossa seleção caía no ranking mundial, amargando derrotas.

A desesperança toma de assalto o sentimento da população. Crescem em São Paulo as manifestações contra o aumento das passagens. Muita revolta por causa de R$ 0,20? Não. Não era só por causa de vinte centavos, e este movimento toma conta do Brasil.

Centenas de milhares vão às ruas contra o padrão Fifa – que virou sinônimo de extravagância –, contra a corrupção e contra a má qualidade de serviços públicos. As imagens do Brasil que vai às ruas ganham o mundo.

As manifestações permanecem durante a Copa das Confederações. Tornam-se mais violentas, afastam os manifestantes pacíficos. A seleção cresce e ganha a Copa das Confederações.

A revolta do brasileiro foi personificada na Copa e na Fifa. Mesmo com o “esvaziamento” das ruas, o ativismo virtual continuou e o debate polarizou em “contra a Copa” e a “favor da Copa”. Foi um desvio de caminho.

Não é o Mundial em si, mas a forma como ele foi planejado e executado. Erraram todos: governos federal e estaduais, e a Fifa. O primeiro não acompanhou e cobrou como deveria os governos estaduais, o segundo foi incompetente, e a Fifa errou ao impor um modelo de negócio que só gera lucro para ela e seus parceiros comerciais, e prejuízo aos países em desenvolvimento.

Legado

Agora, às vésperas do Mundial, o Brasil que vibrou em 2007 já não é mais o mesmo. Está decepcionado. Logo nós, que tanto amamos o futebol.

Este sentimento de amargura, que nos tirou o clima de festa, tem um lado positivo: fez o brasileiro ficar mais atento aos problemas do país e deve ser preservado como um legado perpétuo para a população.

Mas não podemos esquecer que o futebol é a grande paixão do brasileiro, nem nos sentirmos culpados por torcermos pela nossa seleção neste momento de crise.

Por isso, lembro bem das palavras de Nelson Mandela na abertura da Copa de 2010. Ele disse: “O esporte tem o poder de inspirar e unir. Na África, o futebol desfruta de grande popularidade e tem um lugar especial no coração do povo.

É por isso que é tão importante que a Copa do Mundo seja sediada pela primeira vez no continente africano. O nosso sentimento é de privilégio e humildade por a África do Sul ter recebido esta honra singular de ser o país-sede africano".

As palavras de Mandela servem para o Brasil. Aqui também “o futebol tem lugar especial no coração do povo”. É por isso que devemos festejar.

O amor pelo futebol é nosso patrimônio, assim como nossa habilidade em campo. Este é o momento do Brasil gritar gol na cara do mundo. Nesta Copa, vamos ser o que sempre fomos: uma nação pacífica, com diversidade cultural, alegria no olhar e generosidade no coração. Vamos ser sim o país do samba, da beleza natural, da mulher bonita e do futebol.

Vamos deixar o mundo com gostinho de quero mais, porque esta Copa pertence a cada brasileiro. Foi construída com dinheiro público e o suor de muitos operários deste país. Nenhum governante pode gabar-se da realização deste Mundial.  É por isso que devemos celebrar. Não é justo com o país que paralisações, greves e manifestações atrapalhem o Mundial.

Eu vou torcer pelo Brasil.       
Boa sorte, seleção!

  • O texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
  • Para enviar seu artigo, escreva para uolopiniao@uol.com.br