Enterrar obra de via expressa sob a avenida Paulista foi um erro trágico
O Brasil parece ser o país das emergências. Tudo indica que a ideia de planejamento não consegue ultrapassar “o resolver de problemas”, sempre em seu limite. Nesse sentido, e a partir do que se lê diariamente nos jornais, é possível identificar essa tendência como crônica, já que ela é constante e acontece em inúmeras instâncias. Sendo assim, gostaria de trazer um exemplo muito especial sobre planejamento urbano: o projeto Nova Paulista.
Este consistia na projeção de uma via expressa subterrânea, com 3 km de extensão, conectando a avenida Rebouças à avenida 23 de Maio. A Paulista teria, abaixo do segundo piso, a passagem do metrô e, na superfície, um bulevar com áreas de convivência, praças e apenas o trânsito local.
Com o projeto aprovado, o arquiteto Nadir Cury Mezerani declarou na época que: “os jardins suspensos ao longo da Paulista receberão um tratamento paisagístico adequado à recreação. Serão sob forma de círculos, com um núcleo destinado a crianças, com uma média de 10 atividades ou divertimentos: escorregadores, labirintos, tanques de água e tanques de areia. Em volta deste núcleo haverá bancos e vegetação”.
A proposta era humanizar São Paulo, e talvez esse fosse o projeto mais importante entre muitos que viriam depois. A interrupção e o enterro da obra foram trágicos.
Em termos de importância, localização e tamanho, esse projeto poderia, de fato, ter mudado a história da cidade, da cidadania e da mobilidade, melhorando o desenvolvimento urbano também em áreas distantes do centro.
Vale lembrar que esse projeto era parte do importante e significativo planejamento do prefeito Figueiredo Ferraz (1971-1973). Ferraz planejou o crescimento pensando em construir um futuro melhor, mas parece que não havia espaço para esse tipo de político, pois ele foi destituído do cargo pelo governo militar e a obra, semi-pronta, foi enterrada. Junto a ela, parte de nossas ilusões em ter uma cidade melhor se foi.
Infelizmente existem muitas obras paradas e, como sempre, o jogo de interesses políticos prevalece, derrubando importantes possibilidades de fazer da nossa cidade um lugar mais belo e humano. Digo isso não só em termos de mobilidade, mas em termos de um espaço público mais seguro e agradável.
Podemos trazer mais um exemplo: a estação de metrô Pedro II. Fechada no subterrâneo da cidade, ela chegou a ser inaugurada, em 1980, para uma linha que não se concretizou (Linha Sudeste–Sudoeste) mesmo sabendo da necessidade que nossa cidade tem de aumentar a oferta do transporte público. E temos outros exemplos que o espaço aqui não permite enumerar.
Trata-se de entender que a falta de planejamento e o contínuo jogo de decepções impostas corroem as esperanças dos cidadãos. Sendo assim, as obras não finalizadas ou interrompidas se tornam símbolos reais da impossibilidade de alcançar um verdadeiro e sólido progresso.
Deformaram a história, destratam ou ignoram nosso espaço e, com isso, deformam a condição humana. Tornam-se exemplos de esperanças perdidas onde a possibilidade de um futuro melhor foi roubada.
O que vemos diante desse quadro crônico são cidadãos abandonados à própria sorte e, muitas vezes, sem forças para atuar em termos de cidadania e política. Apáticos, muitos já não se sentem capazes de pensar no futuro do país. O que fica visível é que, deformados em suas possibilidades de escolha e expectativas, deixam de atuar.
Promessas infindáveis e palavras vazias ao longo de muitos anos geraram um conjunto de feridas crônicas, capazes de anestesiar toda e qualquer sensibilidade.
O resultado é a apatia social, em que todos os acontecimentos passam a ter o mesmo peso, dos mais sérios e trágicos aos mais banais.
Essa apatia é uma resposta da população aos muitos anos de desrespeito à vida humana e de deformações simultâneas do cenário urbano, impossíveis de compreender.
Infelizmente, esse processo de falta de sensibilização instituído é bastante difícil de reverter, gerando também uma resposta propícia ao momento político. Há de se triplicar a atenção nesse sentido.
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