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Reduzir maioridade penal é cair na repetição de fracassos

Especial para o UOL

22/06/2015 06h00

Celebremos, pois o Brasil atingiu um dos objetivos do milênio da ONU de reduzir em dois terços a mortalidade de crianças com até cinco anos de idade. Entre 1990 e 2012, reduzimos o índice de mortalidade infantil em cerca de 77%. De 62 mortes a cada mil nascidos vivos em 1990, passamos para 14 mortes no ano de 2012. Não deixamos mais tantas crianças morrerem de pneumonia, diarreia ou desnutrição.

Entretanto, se por um lado demos um passo importante para garantir a vida de nossas crianças durante seus primeiros anos, por outro, fracassamos em evitar o trágico destino de morte violenta para muitas destas crianças na segunda década de suas vidas: o segundo maior número de homicídios de crianças e jovens de até 19 anos em todo o mundo é nosso. Segundo a Unicef, com aproximadamente 11 mil mortes deste tipo em 2012, o Brasil fica atrás apenas da Nigéria, com 13 mil casos.

No país que mata muitas de suas crianças e jovens, que também são vítimas de inúmeras outras formas de violência, ganha espaço a defesa da redução da maioridade penal como medida para a construção de uma sociedade segura.

Justificativa? Além de punir o adolescente que cometeu o crime, ela teria um efeito dissuasivo, contribuindo assim para a redução da violência.

Na defesa da redução da maioridade penal, talvez nos esqueçamos da tendência mundial que vai na contramão desta opção. Corremos o risco de ocultar a diferença entre responsabilidade e inimputabilidade, alegando que os adolescentes não são responsabilizados pelos seus crimes, e esquecendo que no Brasil, a partir dos 12 anos, todo indivíduo é responsabilizado pelos seus atos.

Até os 18 anos, contudo, responde por crimes e contravenções penais na forma da legislação especial. Provavelmente, a importância do Estatuto da Criança e do Adolescente como um instrumento de proteção e de garantia de cidadania acabe não entrando em pauta no país que pune com a morte mais de 11 mil crianças e adolescentes por ano. Afinal, “e se seu filho fosse assassinado por um adolescente de 17 anos? ”

Acreditar que mais adolescentes na prisão trará mais segurança pode fazer com que esqueçamos o fato de que já somos o terceiro maior encarcerador do mundo e que isso não nos garante uma sociedade segura: somos o país com o maior número de homicídios no mundo, com mais de 56 mil vítimas por ano.

A dor de uma morte violenta, e de tantas outras formas de violência, é imensurável e inaceitável. É urgente que a sociedade se engaje na causa de reduzir nossos índices de violência para que essa dor não tome conta de nossos dias, de nossas relações, de nossos planos.

E é por esta razão que não podemos nos esquecer do começo da história, precisamente aquele que buscava um país mais seguro. Se este começo for lembrado, talvez nos cause estranheza pensar que mais adolescentes presos sejam um indicador de nosso sucesso.

Talvez percebamos que nosso descuido fará com que aquela criança que não morre mais de desnutrição se torne, alguns anos depois, mais um nome da inaceitável lista das crianças e adolescentes vítimas de violência letal neste país.

Em um contexto de possível votação pela Câmara dos Deputados da proposta de emenda constitucional que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos nessa semana, não podemos perder de vista nem de memória o tipo de sociedade que hoje somos e aquela que realmente queremos ser.

Se nossa opção for construir uma sociedade mais segura, diante das mais de 30 crianças e adolescentes que matamos todos os dias, não é possível aceitar apenas o avanço de proteção nos primeiros anos da história: devemos ir muito mais além.

Se queremos uma sociedade mais segura, não podemos repetir estratégias que nos colocam na liderança dos rankings mais trágicos e desumanos do mundo. É preciso que nos esforcemos incansavelmente para a consolidação e eficácia dos mecanismos de proteção social capazes de impactar a trajetória daqueles e daquelas cujas vidas falhamos em proteger. Do contrário, forjaremos nossa sociedade segura na repetição de nossos fracassos.

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