Topo

Aos 107, único sobrevivente da Intentona Comunista esquece a política: "prefiro ver o Flamengo"

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

03/01/2013 06h00

Único sobrevivente ainda vivo da chamada Intentona Comunista de 1935 (levante liderado por Luís Carlos Prestes na tentativa de derrubar o então presidente Getúlio Vargas), o ex-militar Antero de Almeida, que completa 107 anos nesta quinta-feira (3), afirmou ao UOL preferir atualmente "ver os jogos do Flamengo [seu time de coração] ao lado do bisneto do que acompanhar o cenário político brasileiro".

Para ele, não há mais ideologia, apenas negócios. "Estou desiludido", disse. Apesar de ser eleitor do PT, Almeida demonstra descrença quanto ao futuro da política nacional. No entanto, opta por desconversar ao ser questionado sobre a gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, entre 2002 e 2010, e a da atual presidente da República, Dilma Rousseff, no poder há dois anos: "Estou completamente por fora. Mas ainda me considero um marxista-leninista", afirmou ele, referindo-se à teoria revolucionária que une os pensamentos de Karl Marx e Lenin.

"Eu me afastei da política voluntariamente. Não acompanho o noticiário, não vejo nada. Naquela época, eu posso dizer que nós cumprimos o nosso papel, e honramos o compromisso [com a causa]. Hoje em dia o que me faz feliz é ver os jogos do Flamengo", afirmou Almeida. Já quando questionado sobre a péssima fase pela qual passa o clube carioca, o ex-comunista abandona o tom pessimista: "Tem jeito para tudo".

Em 1935, Antero ocupava o cargo de subcomandante do quartel do Exército na Praia Vermelha, na zona sul do Rio de Janeiro, local que concentrava o comando do movimento revolucionário capitaneado pelo PCB (Partido Comunista Brasileiro) em parceria com a ANL (Aliança Nacional Libertadora) --e supostamente financiado pela União Soviética. Era companheiro de Agildo Barata, tido como o homem que liderou o histórico tiroteio contra as forças legalistas, e Álvaro Francisco de Souza, comandante do 3º Regimento de Infantaria.

Também militou ao lado de Luís Carlos Prestes, o principal personagem do comunismo no Brasil. Para Almeida, Prestes acabou se transformando em força simbólica do movimento, pois não teria aparecido no quartel da Praia Vermelha no dia do levante. "Preferiu ficar no apartamento do Leblon", disse.

"Eu não conversava muito com ele. A mãe dele, dona Leocádia, estava em Paris quando fui exilado. Ela, sim, era uma pessoa de muita convicção. (...) Na verdade, ele [Prestes] era um pouco trapalhão, uma pessoa difícil de lidar. Ele mesmo reconheceu isso nos últimos anos", declarou.

O ex-militar também afirma não identificar nas novas gerações o mesmo vigor revolucionário que existia, segundo ele, nos anos 1930. "Aquela geração era vigorosa. Eu, na idade do meu bisneto [16 anos], estava fervendo", afirmou. Segundo Almeida, os jovens estão mais preocupados com "aspectos superficiais": "(...) eles gostam de um samba que não é samba", disse ele de forma metafórica, com a propriedade de quem foi colega de classe de Noel Rosa: "Eu sou fruto do [colégio São Bento], onde também estudava o Noel. Lembro-me que ele sempre levava o violão para tocar nos corredores", afirmou.

Intentona Comunista

Iniciada no dia 23 de novembro de 1935, a tentativa de golpe que ficou conhecida nos livros de história como "Intentona Comunista" (também chamada de "Revolta Vermelha de 35" e "Levante Comunista") foi organizada e executada com o objetivo de derrubar o então presidente Getúlio Vargas, e instaurar um regime revolucionário no Brasil. Formado majoritariamente por militares rebeldes, o grupo era chefiado por Luís Carlos Prestes e sua mulher, Olga Benário.

A alcunha "Intentona Comunista" surgiu, na verdade, do esforço feito pelos militares que apoiavam o governo Vargas para desmoralizar o movimento --já que intentona quer dizer "intento louco". O levante (que também ocorreu em quartéis situados em Natal e no Recife) foi facilmente reprimido em função da falta de organização dos militantes, de acordo com os relatos de historiadores.

Após neutralizar o movimento, Vargas deu início a um estado de guerra contra o comunismo e ampliou os poderes do Executivo, o que abriu caminho para o Estado Novo, em 1937, golpe militar que marcou o período conhecido como "ditadura Vargas". Prestes foi preso pelos militares, e sua mulher, Olga Benário, mesmo grávida, foi deportada para a Alemanha. De origem judaica, a jovem comunista alemã acabou morrendo em um campo de concentração nazista.