Em depoimento, Malhães disse ter capturado e dopado argentinos na ditadura
O coronel Paulo Malhães, que confessou ter matado e participado de torturas durante o regime militar, afirmou à Comissão Estadual da Verdade do Rio ter ajudado a prender argentinos adeptos de movimentos revolucionários que buscavam refúgio ou que passavam pelo Brasil. Em depoimento de mais de 20 horas, cuja íntegra foi divulgada nesta sexta-feira (30) pela instituição, o militar relatou a captura de um líder do grupo Montoneros.
"Aí o presidente me chamou: 'Malhães, qual foi a cagada [sic] que você fez aí [no Rio de Janeiro]? Sequestrou um argentino importante?'. Eu sequestrei. Eu realmente sequestrei. Mandei de volta para a Argentina", declarou o coronel.
Malhães morreu em 24 de abril durante um assalto no sítio onde morava, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Um mês antes, ele admitiu à Comissão Nacional da Verdade ter participado de torturas e ações para desaparecimento de presos políticos durante a ditadura militar, entre eles do ex-deputado Rubens Paiva.
De acordo com o relato divulgado hoje, o argentino em questão faria escala no Rio de Janeiro --ele foi preso saindo do aeroporto-- em voo que tinha como destino a Venezuela, onde ocorreria uma reunião da Junta de Coordenação Revolucionária. Na versão do militar, a ordem para "mandá-lo de volta para a Argentina" foi dada pelo então presidente Emílio Garrastazu Médici, a quem chamou de "amigo". "Ele se tornou íntimo comigo", disse Malhães.
A ação de captura executada pelo coronel envolvia o uso de medicamentos e substâncias para dopar as vítimas, a exemplo do que ocorreu com o argentino que integrava o grupo Montoneros. "Eu conheci até um médico bom, o cara me deu uma porção de frasquinhos, fazem mágica aqueles frasquinhos... (...) Esses frasquinhos foram até usados pelo SNI, um cara me pediu uma ampola e tal. Maravilhosos os frasquinhos", relatou Malhães.
Ainda de acordo com o militar, esses medicamentos "serviam para várias coisas". "Fazer tu ter um AVC [sic], por exemplo. Tinha um que só fazia o cara dormir", afirmou.
Íntegra foi divulgada após a conclusão dos trabalhos
Segundo o presidente da comissão, Wadih Damous, a divulgação da íntegra do depoimento de Malhães ocorre por conta da conclusão dos trabalhos, que deve apresentar o seu relatório parcial até o começo de julho.
"Esse é um depoimento muito importante, denso, de 23 horas, e por isso achamos importante disponibilizar a íntegra. Relemos todo o material e elaboramos um texto introdutório com o nosso ponto de vista acerca desse depoimento, e o que procuramos sublinhar aqui hoje é que nós não assinamos em baixo. Esse depoimento pode ser verdadeiro ou pode ser mentiroso. Ele demonstra a necessidade da abertura dos arquivos militares e do pronunciamento oficial do Estado brasileiro. Só a abertura dos arquivos vão poder atestar o que é verdadeiro e o que é mentiroso", comentou.
Questionado sobre os relatos de Malhães que indicam sua participação em prisões e torturas cometidas contra militantes argentinos e uruguaios, Damous afirmou que os fatos narrados pelo militar mostram que "havia uma colaboração entre ditaduras, agentes e torturadores de países sul-americanos". O presidente da comissão disse ainda que pretendia abordar o assunto em uma nova conversa com o coronel.
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