Leia a transcrição da entrevista de Leonardo Picciani ao UOL
O deputado Leonardo Picciani (RJ), líder do PMDB na Câmara, participou do Poder e Política, programa do UOL conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues. A gravação ocorreu em 7.mai.2015 no estúdio do UOL, em Brasília.
Narração de abertura [EM OFF]:
Leonardo Picciani tem 35 anos. É formado em Direito pela Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro.
Filho de Jorge Picciani, atual presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro e do diretório estadual fluminense do PMDB, Leonardo começou sua carreira política como deputado federal, em 2002, aos 23 anos. Ele está no seu quarto mandato consecutivo na Câmara.
Em 2009, Leonardo Picciani se licenciou da Câmara para assumir a Secretaria de Estado de Habitação do Rio, na gestão do governador Sérgio Cabral, também do PMDB. Permaneceu à frente da pasta por 2 anos e 10 meses.
A família de Picciani é dona do Grupo Monte Verde, que trabalha na reprodução assistida de gado de corte e leite.
Leonardo já presidiu a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, no ano de 2007.
Em fevereiro de 2015, em uma eleição disputada, Leonardo foi escolhido líder do PMDB na Casa. Teve o apoio decisivo do prefeito do Rio, Eduardo Paes, e do governador do Estado, Luiz Fernando Pezão –derrotou Lúcio Vieira Lima, da Bahia, por uma diferença de 1 voto.
UOL: Olá, Bem-vindo a mais um Poder e Política – Entrevista. Este programa é uma realização do portal UOL. E a gravação é realizada aqui no estúdio, em Brasília. O entrevistado desta edição do Poder e Política é o deputado federal Leonardo Picciani (PMDB-RJ), que também é líder do PMDB da Câmara dos Deputados.
Vou começar perguntando sobre esta semana, que foi muito turbulenta dentro da Câmara dos Deputados. Como, quando e por que foi decidido que na terça-feira (5.mai.2015) não seria votada a medida provisória do ajuste fiscal e seria votada a emenda constitucional conhecida como PEC da Bengala?
A conhecida PEC da Bengala já vinha há algumas semanas na pauta. Nós tínhamos, na terça-feira, um quórum bastante elevado. Propício para a votação de emenda a constituição, que requer este tipo de quórum, quórum qualificado. E num momento em que o plenário, especificamente a bancada do PMDB, percebeu um sinal trocado por parte do PT, que apesar de ser o partido da presidente da República, que lidera a coalizão, que tem os ministros que são responsáveis pela política macroeconômica, pelas decisões estratégias do governo, o PT não assumiu a defesa do ajuste fiscal na terça-feira. Fora isso, o PT levou na terça-feira ao seu programa de televisão. Eu não faço nenhum juízo de valor sobre o programa do PT, ele é de responsabilidade do PT e dos seus filiados. Agora, a mensagem que foi passada não era uma mensagem de apoio ao ajuste. De modo que nós resolvemos não votar. Havia muita dúvida na nossa bancada. Ninguém gosta de votar ajuste. São medidas, de fato, restritivas. Nós estávamos votando, como ao cabo fizemos, atendendo a um chamado do governo que isso seria algo necessário para o país para atravessar esse momento de crise. Naquele momento não havia esses elementos. Então nós resolvemos inverter a pauta e utilizar o quórum para concluir a votação da PEC da Bengala, que já tinha tido sua votação do primeiro turno há mais de um mês. E fizemos um chamamento ao PT. Eu fiz um pronunciamento até bastante duro, mas cobrando do PT uma posição. Cobrando que eles nos dissessem o que desejavam. Porque se o partido da presidente da República não apoia os ajustes, não tinha por que continuar a votação dos ajustes. Nós deveríamos mudar de assunto e fazer uma outra página.
A PEC da Bengala já estava encaminhada para ser votada em algum momento em segundo turno. A inversão de pauta na terça-feira tinha sido discutida também previamente ou isso foi uma decisão tomada apenas no final do dia, na terça-feira?
Não. Ela estava em plenário. Tinha sido discutida a sua possibilidade de votação. Nós imaginávamos que seria após a conclusão da medida provisória, portanto, na quarta-feira [6.mai.2015]. Mas a inversão de terça-feira não era algo combinado. Foi algo que foi uma coisa mais de sensibilidade do plenário naquele momento. Na noite de terça-feira, por volta das 20h, mais ou menos.
Em que medida o programa partidário do PT na televisão, na própria terça-feira, influiu na inversão de pauta e ajudou a criar aquela situação?
Eu acho que influiu bastante. Sobretudo a fala do ex-presidente Lula. O ex-presidente inegavelmente é uma das principais lideranças política do país, se não for a principal liderança do país. Portanto, uma fala com muito peso. E o presidente Lula em momento nenhum, falando em nome do PT e no programa do PT, defendeu o ajuste e defendeu a política econômica do governo. E ainda fez colocações em relação a projetos aprovados pela Câmara dos Deputados que não nos pareceu adequada. Sobretudo com relação ao projeto da terceirização, dizendo que retirava direitos dos trabalhadores. No nosso entendimento, e por isso nós aprovamos o projeto, ele garante direitos aos trabalhadores. Hoje nós temos 12 milhões de trabalhadores, cerca de 1/3 da força de trabalho do país são trabalhadores terceirizados. E não existe uma legislação que assegure e que venha a reger essa relação. Os trabalhadores estão sendo regidos por um enunciado do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que aliás5 já tem 6 votos a 0 no Supremo Tribunal Federal (STF) o considerando inconstitucional. Portanto, a Câmara votou a terceirização por uma demanda do Supremo. O presidente do Supremo [Ricardo Lewandowski] demandou ao presidente da Câmara [Eduardo Cunha] que pudesse concluir a votação do projeto da terceirização, para que o Supremo não fosse obrigado a ter que regular, por decisão judicial, essa matéria.
O ex-presidente Lula, na terça-feira, no programa partidário do PT na televisão, disse, citando nominalmente a Câmara dos Deputados, inclusive com uma inscrição na tela, que a Câmara dos Deputados aprovou o projeto da terceirização que remete o Brasil para o início do século passado, que retira direitos dos trabalhadores e que coloca os trabalhadores numa situação indigna. Ou seja, o ex-presidente Lula atacou uma instituição da República, que é a Câmara dos Deputados. O PT tem o seu programa, pode fazer o que quiser. Agora, do ponto de vista institucional, vai ficar por isso mesmo?
O ex-presidente tem o direito de falar aquilo que ele bem entender. Ele é responsável pelas suas palavras.
Claro, mas o PT também está dentro da Casa...
Por isso nós cobramos do PT a posição. Ele pode falar, fazer o que quiser no programa do PT. Por isso nós exigimos do PT uma manifestação clara e ela veio na forma do fechamento de questão da bancada e do pronunciamento do presidente do partido [Rui Falcão] em defesa do ajuste. O que o presidente Lula não pode é fazer um discurso na televisão e querer que os aliados votem, aí sim, um ajuste que é restritivo de direitos dos trabalhadores. Não acabamos com os direitos, mas nós restringimos o acesso ao auxílio-desemprego, ao abono salarial. Ele é restritivo. E por que que nós fizemos? Porque queríamos? Não. Foi porque o governo nos convenceu, nos disse que o país nesse momento de crise não tem como pagar esses benefícios. Que precisa se ajustar. Então foi uma medida de necessidade. Não pode usar duas interpretações com dois pesos e duas medidas. Por isso nós cobramos do PT e o PT atendeu a nossa cobrança. Portanto, me parece que o PT desautorizou o ex-presidente Lula.
Ao ter votado ontem o ajuste?
Ao ter fechado questão na bancada e ao ter, por parte do presidente do partido [Rui Falcão], feito a defesa do ajuste atendendo a nossa reivindicação.
Mas, na realidade, a crítica do ex-presidente do Lula foi em relação a um projeto específico já aprovado, que é o da terceirização. O ataque que ele fez à Câmara dos Deputados, gostaria de frisar, que foi um ataque do ex-presidente Lula dentro do programa do PT contra uma instituição. No caso do projeto da terceirização. Agora, nesse caso, como a crítica à instituição Câmara foi dentro do programa partidário do PT, o fato de o PT ter votado uma outra medida provisória que não tem a ver com a terceirização sepulta essa crítica que foi feita publicamente à instituição?
Creio que a crítica foi feita ao projeto e à aprovação. É um direito criticar o projeto, ninguém é obrigado a concordar. Nós votamos a favor porque achamos ele positivo. Achamos que ele dá direitos aos trabalhadores e não retira. Nós consideramos uma falácia dizer que o projeto retira direitos dos trabalhadores. Na contraparte, e o PT até por estar defendendo e por ter enviado através do governo da presidente Dilma, um projeto restritivo, perdeu um pouco de autoridade em discutir esses temas.
E na sua avaliação, ao ter votado a medida provisória [665] que foi aprovada na noite de quarta-feira (6.mai.2015), o partido dos trabalhadores desautorizou o ex-presidente Lula, que fazia críticas a Câmara?
Não resta dúvida. Porque, com a exigência que foi feita, eles poderiam não ter fechado questão. Poderiam inclusive ter retirado o apoio do ajuste. Em determinado momento nós chegamos a imaginar que era o que o PT desejava, não apoiar o ajuste. Num sinal de que o ajuste não seria necessário. Eu inclusive usei uma frase lá no meu discurso. Disse, olha, se for não necessário, nós não vamos empurrar esta conta no trabalhador. Nós só vamos fazer se for necessário à sobrevivência e à saúde econômica do país.
A impressão que se tem é que o PMDB puxou a orelha do PT. Fez uma reprimenda ao PT e enquadrou o partido para que ele votasse contra o governo. É isso?
Eu diria que a gente empurrou o PT do muro. Para eles saírem do muro.
Para o lado do governo?
Para o lado do governo.
Por falar no governo e da arquitetura que as coisas tomaram nos últimos tempos. O PT tem o líder do governo na Câmara, José Guimarães, o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral. O PT tem muitos cargos, o PT é o governo. O PT é muito fominha?
O PT ocupa um espaço muito grande no governo. Aliás, essa é uma crítica dos aliados em geral. Não é uma crítica do PMDB em si. O PMDB também é um partido com bastante espaço no governo, mas a nossa discussão central não é a questão de ocupação de cargos, pelo contrário, a gente defende a redução do número de ministérios. Nós estamos tramitando no Congresso uma proposta que reduz dos atuais 38 ministérios para no máximo 20. E nós não fazemos essa proposta como negativa para o governo ou para prejudicá-lo. Nós fazemos porque achamos que ela é positiva para o governo. Ele custar menos, ser mais eficiente, ter ministérios mais fortes, mais nítidos e mais sólidos. Nós achamos que isso dá um ganho qualitativo ao governo, além de economizar dinheiro. A nossa discussão é que o PT concentra, pelo menos concentrava boa parte até o início desse segundo governo, o comando político da coalizão. As decisões estratégicas e políticas eram tomadas exclusivamente por um núcleo petista. E por isso levou ao desgaste da base, ao desgaste do governo. Começou-se agora, ainda de forma tímida, um processo de reversão disso. [O governo] chamou o PMDB para participar da articulação política. Nós esperamos que isso seja algo perene, algo que vá se expandir ainda mais. A briga do PMDB, se engana quem pensa que é por cargos ou por espaço no governo, pelo contrário, nós achamos que temos espaço demais. O PMDB da Câmara, por exemplo, não se sente representado na questão dos ministérios e estaria disposto a abrir mão desses espaços para reduzir o tamanho do governo, o tamanho da máquina pública.
O PMDB acertou ao aceitar ter seu presidente nacional, Michel Temer, nomeado coordenador político do governo Dilma?
O presidente Michel Temer, além de presidente nacional do PMDB, é vice-presidente da República, de modo que não é uma nomeação, ele recebeu um chamado da presidente Dilma. Ela solicitou ao presidente Temer que fizesse o papel, as vezes, de coordenador político do governo federal e o presidente Temer, evidentemente, não tinha como recusar esse chamamento. Ele tem uma vivência longa dentro do Congresso Nacional. Presidiu por três vezes a Câmara dos Deputados e é o presidente do PMDB, que é o maior partido do Congresso, somando Câmara e Senado. Então é alguém com as características necessárias para fazer a articulação política. Agora, não existe articulador político que dê certo se não tiver autonomia de decisão. Autonomia para negociar as soluções e as matérias com o Congresso. Nós temos a confiança de que ao chamar o presidente Michel Temer para essa tarefa a presidente Dilma dará a ele a autonomia necessária.
Ele já tem dado autonomia, na sua opinião?
Nos parece que sim. Na teoria ela deu autonomia. Agora, isso é muito recente, nós vamos precisar verificar isso na prática. Nos próximos dias, nos próximos meses e durante a duração do governo. Se tiver autonomia, eu não tenho dúvida que dará certo. Se não tiver, não vai dar certo e terá um problema grave. Porque após o vice-presidente, se não dar certo, quem é que vai assumir a coordenação, a própria presidente?
Tem dado certo nessas primeiras semanas?
O governo venceu ontem uma matéria importante sobre a coordenação. Uma votação difícil, um placar apertado, mas venceu. O governo vinha tendo derrotas sucessivas quando tinha uma coordenação hegemônica do PT. Agora conseguiu uma vitória que foi mais um crédito de confiança ao presidente Michel, do que propriamente o fruto de movimentos concretos do governo.
O presidente nacional do PMDB, vice-presidente da República, Michel Temer, atua como coordenador político. Ele foi convidado para esse cargo ou missão. Ele é, por conta das funções que tem, indemissível desse cargo?
Não, ele é indemissível.
Da Vice-Presidência, mas e do cargo de coordenador?
Sim. Mas ele não ocupa formalmente. Ele não é um ministro. Não foi nomeado, pelo contrário, essa foi uma exigência dele, não acumularia com a pasta da Secretaria Geral de Relações Institucionais.
Mas destituí-lo dessa missão?
O que me parece é o seguinte, se não dar certo com ele...
Acaba o governo?
Não digo que acaba o governo, mas é o seguinte, quem assumirá? Você lançou mão do vice-presidente, que a rigor não era para fazer essa função. Qual é a função do vice-presidente? É substituir o presidente da República. E evidentemente colaborar com o governo. Porque chamaram o Temer para essa função? Porque os que estavam lá não estavam dando certo. Não deu certo como estava. Então tiveram que usar um recurso arrojado. Eu creio que pode sim dar certo, desde que tenha autonomia de decisão. Se não tiver autonomia, se continuar as ações de forma hegemônica, não dará certo e eu acho que aí o governo terá um grande problema. Não é por ser demissível ou não ser demissível. Ser dispensado da função de coordenador.
O que aconteceria?
Isso acontecendo, não vejo quem possa substituir. Acima do vice-presidente, na lógica, só estaria a própria presidente da República. E nós conhecemos as dificuldades que a presidente tem no trato político. E aqui não vai nenhuma crítica à presidente. Acho que ela tem virtudes. Mas as tratativas políticas, reconhecidamente, não é uma das suas virtudes.
A impressão que se tem olhando de fora é que o governo ficou muito PMDB dependente. Alguns dizem: “o governo está refém do PMDB”. Está acontecendo isso?
Não, de forma nenhuma. Até porque o PMDB não age dessa forma. Coagir o governo ou constranger.
Só o PT?
Sim, porque era uma questão em que o PT precisava ter posição. Era o contrário, nós que estávamos constrangidos com a não posição do PT. Estamos lá defendendo, convencidos de que era uma medida amarga, uma medida dura, que ninguém queria fazer, que traz prejuízos políticos a todos, e o PT, vou usar um termo popular, jogando para a plateia, aí a gente não ia aceitar. E foi o que aconteceu. No caso do governo, não. Não há essa relação. É uma relação de colaboração. Muitas vezes há divergências. Nós também não somos donos da verdade. Nós temos a nossa opinião. Às vezes podemos ter razão, outras vezes pode ser que estejamos equivocados. Se estivermos convencido que nos equivocamos, não há nenhuma arrogância de não voltar atrás, de não se reposicionar naquilo que deve ser. Então, eu diria que o governo de modo nenhum está refém do PMDB.
O presidente do Senado, Renan Calheiros, na semana passada comparou o vice-presidente, Michel Temer, na função em que ocupa de coordenador político, como um coordenador de Recursos Humanos do governo. Qual sua avaliação sobre essa declaração?
Eu acho que foi equivocada a declaração. Mas eu acho que o presidente Renan fez essa declaração até numa preocupação com o vice-presidente Michel, de que não ele não acabasse tendo que entrar numa tarefa menor. Mas, de fato, não é o que vem ocorrendo. O presidente Michel vem tratando da política de forma ampla, de forma geral do governo. Nós entendemos essa declaração. Entendemos a preocupação do presidente Renan em relação ao vice-presidente Michel Temer. Mas eu acho que isso é um fato absolutamente esclarecido dentro do PMDB. Não gera nenhuma rusga, nenhum constrangimento dentro do partido neste momento.
Há uma nítida diferença de abordagem por parte do presidente do Senado, Renan Calheiros, e do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, ambos do PMDB, em relação a como tratar o governo. Isso está acontecendo?
Não. Há diferenças de abordagem, por várias razões. Primeiro, são pessoas diferentes, com temperamentos e formações diferentes. Em segundo ponto, também há diferença entre as Casas. Tanto no seu perfil político, entre a Câmara e o Senado, como até na sua função constitucional. A Câmara tem como função constitucional representar a população. O Senado tem como função constitucional representar a federação, os Estados e municípios. Tem atribuições específicas cada uma delas e aí se dão diferenças, mas isso é normal do nosso sistema bicameral, do nosso sistema constitucional. Não diria que isto é um problema, pelo contrário, você ter multiplicidade de visões, de abordagens de um tema político é um sinal de democracia, e a democracia é desejável.
A Câmara dos Deputados foi alvo de um mandado de busca e apreensão nesta semana com o objetivo de localizar documentos que possam comprovar as acusações feita pelo doleiro Alberto Youssef, que envolvem o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Esse episódio foi bem conduzido pelo Ministério Público?
Houve uma decisão judicial do ministro [Teori] Zavascki, que não era uma busca e apreensão. Era uma coleta, por parte de peritos, para comprovar um determinado funcionamento do sistema de informática da Câmara dos Deputados, que nunca foi um sistema tratado com muito rigor. A partir de agora, o presidente Eduardo Cunha, determinou que quem acessar terá que registrar o seu ponto. Como acontece em alguns órgãos. Nunca houve esse rigor na Câmara dos Deputados. Então muitas vezes os funcionários do gabinete acessavam o sistema usando, por exemplo, a senha do deputado. Um funcionário usando a senha de outro. Isso, na prática, era o que ocorria. O que me parece frágil dessa situação que se coloca, e aí sim preocupante, é que o Ministério Público tenta se basear numa suposta edição de um requerimento de informação por parte de uma deputada, que poderia ter ensejado uma pressão sobre um dos empresários que está preso na Operação Lava Jato, a obtenção, por parte de parlamentares, de vantagens indevidas. É algo muito subjetivo. O que parece, eu não conheço a fundo o processo, mas as informações que eu ouvi dizer é que o próprio empresário nega que tenha sido coagido dessa forma. E nós temos que lembrar o seguinte, a Constituição garante aos parlamentares a não obrigação, sequer, de testemunhar sobre informações que tenham prestado ou recebido no exercício do mandato. Então, se alguém procurou o deputado, fez uma denúncia, o deputado dentro da sua atribuição constitucional, porque o controle externo cabe exclusivamente, determinado pelo artigo 70 da Constituição, ao Poder Legislativo. Então se o deputado, dentro da sua atribuição constitucional, fez um requerimento de informação que ele não é obrigado a explicar por que que fez, nem sequer a testemunhar de quem recebeu as informações ou para quem prestou informações. Me parece que o Ministério Público não pode tentar coagir o Congresso no uso das suas atribuições.
É isso que está acontecendo?
Me parece que sim. Porque no momento em que você quer interpretar de forma subjetiva, que o uso de uma atribuição específica do Congresso foi usado para obtenção de valores, você constrange a todos os parlamentares, que amanhã ou depois, se sentirão constrangidos a exercer o seu papel de fiscalização externa que a Constituição determina exclusivamente ao Poder Legislativo. Porque vão dizer, “eu recebi aqui uma denúncia, eu vou fazer um requerimento. Mas amanhã ou depois vão dizer que eu fiz esse requerimento para achacar alguém, para receber alguma vantagem”. Então é uma coação e eu pessoalmente acho que o Poder Legislativo não deve aceitar esse tipo de coação.
Foi imprópria a atitude do Ministério Publico nesse caso?
Eu tenho convicção de que foi imprópria. É uma tentativa de constranger o Congresso Nacional.
O Ministério Público requereu tudo ao ministro Teori Zavascki. Ele podia ter colocado uma barreira ali e não ter aceitado.
Acho que se equivocou o ministro. Decisão judicial deve-se cumprir. Decisão judicial se cumpre. Mas nós podemos criticar as decisões judiciais. Pelo que me parece foi uma decisão inatenta do ministro [Teori] Zavascki.
O Ministério Público induziu o ministro a cometer um erro no caso?
Eu creio. O Ministério Público levou o ministro a se equivocar. Creio que tenha faltado atenção ao ministro Zavascki de perceber que estava entrando numa prerrogativa exclusiva e constitucional do parlamento.
Os integrantes da CPI da Petrobras devem analisar em breve a possiblidade de convocar o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para ir ao colegiado prestar esclarecimentos. O sr. acha que isso é apropriado nesse caso?
Eu não tenho participado do dia a dia da CPI da Petrobras.
Mas sobre esse ponto...
Sobre esse ponto eu não me sinto apto a opinar se isso contribuiria ou não para a investigação. Se a convocação do [Rodrigo] Janot for algo que agregue à investigação, ao esclarecimento dos fatos, em colaboração a CPI, eu acho que não tem nada demais ele ser chamado e ir à CPI prestar com transparência os esclarecimentos e somar as informações. Não acho também que a CPI deve convocá-lo como uma retaliação pelo constrangimento que ele tentou fazer com o Congresso. Também não acho que deve-se pagar na mesma moeda. Até porque isso não colabora, não engrandece as instituições. Como não estou participando do dia a dia da CPI, não conheço os detalhes da investigação, eu não sei se a ida dele contribui ou não para a investigação. Acho que esse deve ser o critério. Se a ida dele for algo que soma para a investigação, para o trabalho que a CPI está fazendo, ela deve chamá-lo sim. Se não for, não deve chamar. Tanto ele, quanto qualquer pessoa.
Que outras medidas do ajuste fiscal ainda precisam ser votadas e o grau de dificuldade que o sr. imagina que haverá no plenário para que elas sejam aprovadas?
A votação da primeira medida demonstrou um placar apertado. Então não tem nada garantido. O governo vai precisar conversar, convencer ainda mais da necessidade das medidas. Nós estamos confiando no quadro que nos traçou o governo. Confiando no ministro Joaquim Levy. Na palavra dele que isso é algo absolutamente necessário. Foram feitas mudanças que amenizaram e que, na nossa opinião, tornam mais justas as medidas. Acho que tem muita possiblidade de ser aprovada, mas vai requerer uma dedicação muito grande do governo.
São duas medidas provisórias principais, a 665 e a 664. No caso da 665, já está bem encaminhada. Os detalhes finais serão aprovados talvez já nesta quinta-feira...
Há ainda uma meia dúzia de destaques a serem votados. E na última votação, o último destaque foi mantido por apenas 5 votos de diferença. 234 votos a 229.
O sr. acredita que na semana que entra a 664 poderá ser votada?
Eu acredito que vai à votação na próxima semana.
E o projeto que fala da desoneração?
Acho que não. Aí mais uma semana porque existem além da 664, mais duas medidas provisórias, que não são do ajuste, que estão tramitando. A 663 e a 668. Uma que trata de créditos do BNDES e outra trata do PIS/Cofins.
Nós estamos falando do ajuste fiscal desde novembro. O Brasil acompanha pelo noticiário a necessidade de fazer o tal ajuste fiscal. Nós já estamos em meados de maio, quase metade de maio. Uma medida provisória foi aprovada. Durante o mês de maio o sr. acredita que a outra medida provisória, mais o projeto de lei, possam já estar votados?
Nas próximas duas semanas eu acredito que a Câmara conclui a votação do ajuste fiscal.
A parte dela? E manda tudo para o Senado?
E manda tudo para o Senado.
O sr. não é muito conhecido do ponto de vista nacional, embora já esteja no seu quarto mandato de deputado federal. Se o sr. tivesse que se apresentar aos eleitores do Brasil inteiro, o sr. se diria um liberal, um conservador? Que tipo de político é o sr.?
Eu sou um democrata. Acredito que a democracia é o pilar fundamental da nossa sociedade. A garantia dos direitos individuais, das liberdades. A garantia da livre expressão, com respeito. Eu acho que a livre expressão também pressupõe responsabilidade. Quem se expressa livremente deve também ser responsável pela sua atitude. Permitir fazer críticas. E sempre acho que as críticas são válidas quando elas são feitas pessoalmente. Quando você faz elas de peito aberto, se identificando. Fazendo o que é legítimo fazer.
Deixa eu fazer algumas perguntas sobre pontos que em geral ajudam a classificar mais ou menos como pensa um político. Por exemplo, há uma discussão conduzida muito pelo Partido dos Trabalhadores e parte do governo do PT sobre regulamentação econômica dos veículos de comunicação. Das empresas de mídia. Qual sua opinião sobre esse tema?
Eu sou absolutamente contrário. Eu sou a favor da liberdade de expressão.
Ainda que seja só na parte econômica...
Há uma máxima que é consagrada e diz que para má imprensa, mais imprensa. Aliás, é uma posição partidária. Uma posição do PMDB. O PMDB é absolutamente contra a regulamentação da mídia.
Quem são seus principais ídolos ou exemplos na política brasileira, de hoje ou de qualquer época?
Eu sou militante do PMDB desde os 17 anos de idade. Fui presidente da juventude. Me elegi 4 vezes deputado federal pelo PMDB. Então, sem dúvida nenhuma, eu colocaria Ulysses Guimarães [1916-1992], pelo papel que teve na redemocratização do país. Na construção da nossa Constituição cidadã, que dá direitos e garantias ao cidadão e de garantias sociais. E pela habilidade política de transitar num momento difícil do país. Num momento duro, durante a ditadura, e sem perder a altivez. Mantendo a sua altivez no enfretamento ao regime militar e depois na redemocratização do país.
Tem algum outro líder histórico, político ou não, que o sr. admira?
Existem vários, mas eu diria que o que eu mais me assemelho, eu destaco o Ulysses. Evidentemente que não só no Brasil, como no mundo existem figuras política que devem ser destacadas. O Winston Churchill [1874-1955], na minha opinião deve ser destacado, pelo papel histórico no momento histórico em que viveu. E acho que a atual política brasileira está carecendo muito de referências. Referências, eu destaco, até não é do meu partido, mas é ex-governador do meu Estado [Rio de Janeiro], o Leonel Brizola [1922-2004]. Eu acho uma figura que cobriu um papel importante na vida nacional. São figuras que eu destaco.
Alguns temas na área de costumes. O sr. é favorável ou contra à legalização das drogas ou à flexibilização das regras sobre algumas delas?
Eu sou contra. Eu não tenho convencimento, pelos exemplos que nós temos em outros lugares, que deu certo. E eu acho muito difícil, porque quando se fala em legalizar você legaliza a porta da frente, mas não a porta dos fundos. Ela continua sendo produzida por traficantes. Continua sendo produzida, infelizmente em países vizinhos do nossos. Vem junto as armas, o contrabando, o tráfico de armas. E uma coisa alimenta a outra, infelizmente. Então eu não sou favorável.
A lei em vigor sobre o aborto é a adequada ou o sr. defenderia uma regra mais abrangente e liberal?
Não. Eu defendo a regra atual. Eu acho que ela é adequada. Ela traz primeiro o caso de estupro, onde protege a intimidade da mãe. E no caso em que coloca em risco a vida da mãe, que são as duas hipóteses permitidas atualmente. Protegendo também a vida mais consolidada, que é a vida da mãe, que pode ter outros filhos. Eu creio que a lei é equilibrada nesse ponto.
União civil de pessoas do mesmo sexo. Já tem decisão judicial que permite, mas o sr. acredita que seria necessário aperfeiçoar a legislação ou do jeito que se encontra está bom?
Se for possível aperfeiçoar, deve ser aperfeiçoado. Muito embora, eu acho que as decisões, a consolidação que tem hoje, atende à necessidade. E eu sou favorável. Porque a gente não pode querer negar o que existe na vida real. Existem pessoas do mesmo sexo que têm uma união estável e essa união precisa ser regulada pelo direito cível. Porque senão é negar a realidade, e nós não podemos negar a realidade.
O sr. mencionou como um dos seus ídolos Ulysses Guimarães. Ele vem a ser o penúltimo candidato a presidente da República pelo PMDB, em 1989. Depois o PMDB teve outro candidato em 1994, Orestes Quércia (1938-2010), ambos, Ulysses e Quércia já morreram. Nunca mais o PMDB teve um candidato a presidente da República. Quando o PMDB será, se é que terá, um candidato a presidente da República próprio?
Espero que em 2018. Eu acho que o PMDB está há muito tempo sem apresentar ao país um nome, sem apresentar ao país um projeto de governo. E time que não joga, não tem torcida. Então já está passando do tempo de ter um candidato. Mas eu acho que tem que necessariamente, essa é a minha opinião, que eu tenho defendido dentro do partido, é que em 2018 o PMDB não abra mão de apresentar um nome.
Como é muito provável que o Partido dos Trabalhadores, hoje aliado do PMDB do plano nacional, não abra mão de ter um candidato também, seria necessário romper essa aliança que no momento vai vigorar até 2018.
É. De fato, se o PT não tiver esse desprendimento, essa é a tendência. Eu creio no seguinte. Todo o partido deve almejar atingir o poder. Aliás, o partido existe para defender o seu programa, as suas teses. Então se apresenta uma candidatura, ela não é contra ninguém, ela é a favor do partido que está apresentando. Dentro dessa lógica eu acho que o PMDB não deve abrir mão.
Quais são os nomes hoje, dentro do PMDB, que poderiam eventualmente se qualificar para uma candidatura presidencial já em 2018?
Eu vou destacar o nome que acho neste momento ter as melhores condições, seria o nome mais provável e na minha opinião o mais pronto do partido para essa tarefa, é o do prefeito Eduardo Paes [do Rio de Janeiro], que faz um governo com boa aprovação. Terá um evento importante, que são os Jogos Olímpicos [de 2016] no fim do seu governo. Tem um calendário de realizações, de transformações da cidade do Rio de Janeiro em andamento. Portanto, terá o que mostrar. Terá uma vitrine para mostrar um governo que deu certo na cidade do Rio de Janeiro. Tem um perfil moderno, um perfil dinâmico. Tem uma vida pública absolutamente limpa. Então eu creio que hoje seria o nome do PMDB a ser apresentado. Ele encerrará o seu governo em 31 de dezembro de 2016, terá o ano de 2017 para caminhar o país. Não é fácil construir uma candidatura presidencial no PMDB, pela estrutura horizontal que o PMDB tem. O PMDB manteve desde a época da ditadura, onde era o partido que abrigou todo mundo, essa característica de frente, essa característica de federação em que o peso das suas lideranças regionais é homogêneo. Não há decisão de cima para baixo. As decisões são horizontais. Todos no mesmo patamar. Não é fácil construir uma candidatura no PMDB. Então acho que o Eduardo Paes é o nome, hoje, em melhores condições no PMDB de ser candidato. Ele terá que fazer um esforço enorme em 2017 de correr o país.
Ele quer?
Acho que se ele sentir que é um desejo verdadeiro da maioria do partido, creio que ele desejará entrar nessa missão.
Várias cidades no mundo que hospedaram Jogos Olímpicos tiveram problemas econômicos depois que os Jogos terminaram. Algumas disseram até que estavam falidas. O Rio de Janeiro está fazendo muitas obras, está se preparando para os Jogos Olímpicos. Qual o risco que existe de o Rio também passar por uma dificuldade como outras cidades já passarão?
Nós tivemos também cidades que cresceram. Barcelona, por exemplo, teve um ganho qualitativo e econômico enorme após os Jogos Olímpicos [de 1992]. Mesma coisa Seul [1988] e Pequim [2008]. Nós esperamos que o Rio de Janeiro esteja entre os exemplos de sucesso. Nossa convicção é de que estará.
A responsabilidade vai ser, pro bem ou pro mal, sempre do Eduardo Paes...
Os Jogos Olímpicos permitiram ao Rio de Janeiro fazer obras transformadoras, que não teria a possiblidade de fazer sem os Jogos Olímpicos. Aliás, é muito bom a gente falar dos Jogos Olímpicos, porque sempre se tem uma impressão de que o Brasil inteiro está pagando a conta dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, e essa é uma afirmação absolutamente inverídica.
Por quê?
O orçamento das Olímpiadas está sendo mais da metade pago pela iniciativa privada. A parte do poder público, R$ 31 bilhões, R$ 18 bilhões estão sendo pagos pela prefeitura do Rio de Janeiro, R$ 10 bilhões sendo pago pelo governo do Estado do Rio de Janeiro, e apenas R$3 bilhões, 10% do orçamento da Olímpiada, pagos pela União. De modo que a afirmação de que o país inteiro estaria pagando as Olímpiadas, ela não é verídica. Quando você olha os números, e os números não mentem, a matemática é uma ciência exata, fica claro que não é verdadeira esta afirmação. Agora, a Olímpiada foi catalizadora desses investimentos. Investimentos urbanísticos, investimentos em mobilidade urbana, que estão modernizando a cidade.
O sr. é pela quarta vez deputado federal e o seu nome é recorrentemente colocado na lista daqueles que podem ser candidatos a prefeito do Rio de Janeiro em 2016. O sr. será candidato a prefeito do Rio em 2016?
Eu espero que o PMDB me escolha para ser candidato. Eu tenho o desejo de ser candidato a prefeito em 2016. Não sou o único, existem outros companheiros. E companheiros com toda legitimidade, com toda condição de disputar também a eleição. Nós traçamos um calendário dentro do PMDB do Rio de Janeiro em que, a partir do início do ano que vem, nós faremos a escolha do candidato que disputará a sucessão do prefeito Eduardo Paes. Eu vou me apresentar.
Qual a fórmula de disputa?
Não tem uma fórmula exata. O que nós vamos perseguir é, primeiro, aquele que conseguir agregar mais o partido, conseguir angariar mais apoios para o partido. E conseguir comprovar mais viabilidade eleitoral. Aliás, temos que disputar a eleição para buscar a vitória. É preciso construir esse consenso. Mas uma coisa está acordada entre nós, quem for escolhido candidato terá apoio de todos os outros. Não haverá racha no partido. O partido sairá absolutamente unido para a campanha eleitoral. Isso é, na minha opinião, o mais importante.
Quais são seus planos na política, além de querer ser prefeito?
Eu vim da militância estudantil. Fui presidente da juventude do PMDB. E eu entrei na política, primeiro, por acreditar que é através do exercício da boa política que você pode transformar a sociedade para melhor. Pode cuidar dos temas, do dia a dia das pessoas. Dos temas que podem melhorar ou, se não forem bem cuidados, piorar a vida das pessoas. Eu não faço muitos planos. Eu acho que o melhor plano que um político pode ter é exercer bem o papel que lhe foi designado para fazer. Qual é o meu plano nesse momento? Eu sou deputado federal, sou líder da bancada do meu partido, então meu plano é exercer bem essa função. Porque o futuro será fruto do exercício do presente. Do bom exercício do presente. Se o presente não der certo, não será o futuro que dará. Sempre que se planeja demais, que se pensa muito à frente, nem sempre acontece o que tem que acontecer. Então, acho que a gente tem que ter o pé no chão e cuidar do presente. O meu plano é fazer um bom mandato de deputado federal e exercer bem a liderança que os meus colegas de bancada me escolheram para exercer.
Leonardo Picciani, líder do PMDB na Câmara dos Deputados, muito obrigado por sua entrevista ao UOL.
Eu que agradeço ao UOL pelo convite.
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