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Relações entre Dilma e Temer e entre PT e PMDB sempre foram de desconfiança

Ueslei Marcelino-24.nov.2015/Reuters
Imagem: Ueslei Marcelino-24.nov.2015/Reuters

Marcelo Freire

Do UOL, em São Paulo

12/12/2015 06h00

“Sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB”, disse Michel Temer em sua carta de desabafo à presidente Dilma Rousseff enviada na última segunda-feira (7), que aumentou a crise política que assola o governo federal. De acordo com cientistas políticos ouvidos pelo UOL, essa desconfiança esteve presente e pautou a relação entre presidente e vice, e seus respectivos partidos, desde o início da formação da base do governo Dilma.

Sem funções muito claras na Constituição, além da substituição do presidente da República quando de sua ausência, os vice-presidentes sempre tiveram uma importante função política, seja angariando votos de determinados setores ou conseguindo mais tempo de televisão no horário eleitoral, seja ajudando na articulação com grupos distantes do presidente. No caso do governo atual, essa articulação foi comprometida seriamente com a carta de Temer.

“O vice tem o papel de uma negociação política e pode ser uma importante articulação, construindo a relação entre o partido aliado com o partido do governo. Nada disso está escrito, mas faz parte do jogo político”, diz Maria Hermínia Tavares de Almeida, cientista política do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).

“Dado que o PMDB é complicado, de muitas facções, teria sido prudente que a presidente envolvesse o vice nos processos de negociação mais importantes. Mas o PT teve uma relação de óbvia desconfiança com o PMDB e parece ‘jogar mais fechado’ [em relação a outros partidos]”, complementa a professora, que afirma que Temer teve um papel importante ao trazer o PMDB para a coalizão petista nas eleições de 2010.

De acordo com o cientista político Alberto Carlos Almeida, o fato de o PT não dar espaço para os aliados explicitou a relação de desconfiança entre os dois. Mas, segundo ele, essa situação não é nova. “Historicamente, todos têm desconfiança com o PMDB”, diz, citando os antecessores de Dilma, Lula e Fernando Henrique Cardoso, como presidentes que também se relacionaram com os peemedebistas de forma cautelosa.

Mesmo com a reunião de reconciliação ocorrida na quarta-feira (9) entre Dilma e Temer, seria a carta o início do rompimento entre o PT e o PMDB ou a situação ainda é contornável?

“Não pode, de forma alguma, haver desavença pública. Elas existem, mas jamais podem vir a público. O que ocorreu é uma quebra irreversível. Acho que não tem mais volta. Eles se reuniram somente para salvar as aparências", afirma o cientista político Paulo César Nascimento, professor da UnB (Universidade de Brasília).

Alberto Carlos Almeida tem opinião diferente: “Com o PMDB, nada é irreversível. Pode ser ruim, mas nada que signifique um rompimento total. O ‘rompimento’, na verdade, é uma forma de barganhar”, afirma.

As funções do vice

Na carta de desabafo que escreveu para Dilma, Temer reclamou do tratamento que recebeu do Planalto ao longo dos cinco anos como suplente na chapa governista e disse ter passado esse período como um "vice decorativo", perdendo todo o seu protagonismo político. A reclamação do peemedebista levantou a questão: a vice-presidência é um cargo decorativo?

Paulo César Nascimento ressalta que, diante da definição vaga na Constituição, essa situação depende da força política do escolhido. "Quanto mais força ele tem, menos decorativo é", diz Nascimento. "No caso do Temer, por exemplo, ele representa uma força política expressiva -- é o presidente nacional do PMDB -- e sentiu que não correspondia a essa força."

Para Maria Hermínia, um exemplo de caso bem-sucedido de vice-presidente articulador e aliado com o presidente foi o de Marco Maciel, suplente nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Maciel representava o maior aliado político do PSDB à época, o PFL -- hoje DEM, ainda associado aos tucanos. "Ele era discreto, mas operava os interesses de seu partido, sobretudo no Nordeste, com muita competência. Foi eficiente nesse sentido e contribuía para a relação entre PSDB e PFL."

Diferentemente dos vices de Dilma e FHC, José Alencar (PL, depois PRB), suplente de Lula (2003-2010), representou mais do que a simples associação do PT ao então Partido Liberal nas eleições de 2002.  "Foi um aceno do PT ao empresariado. O PT, na época, precisa mostrar ao setor que seria moderado, não radical. A entrada do Alencar foi, nesse sentido, simbólica", afirma Maria Hermínia.

O antecessor de Temer, Alencar e Maciel foi Itamar Franco, que assumiu a Presidência depois da saída de Fernando Collor em 1992 após o titular enfrentar um processo de impeachment. Collor e Itamar formaram a chapa vencedora das eleições de 1989 como filiados do mesmo partido, o extinto PRN, mas isso não significou uma proximidade.

De acordo com Pedro Simon, senador do PMDB na época e futuro líder do Governo Itamar (1992-1994) na Casa, a dupla praticamente não se relacionava. “Itamar era um político ‘sem partido’ e entrou por acaso como vice, porque o Collor precisava de uma força que em Minas Gerais que não tinha”, diz o ex-senador.

Para Paulo César Nascimento, Itamar foi uma “figura apagada e decorativa” no Governo Collor (1990-1992), justamente por ter sido “escanteado” pelo presidente, de quem divergia na condução do governo. Mesmo assim, só ascendeu aos olhos da opinião pública no momento do impeachment e não conspirou contra Collor, segundo o analista. "É diferente do que está acontecendo com o Temer. Ele não teve essa cautela do Itamar. Não vai fazer isso abertamente, mas já está articulando para o caso de a Dilma ser impedida."

Ele, ressalta, no entanto, que os dois momentos também têm contextos distintos. "No caso do Itamar, ele foi carregado ao protagonismo, houve um movimento muito grande da sociedade. A Dilma e o PT ainda têm força no Congresso e em setores da sociedade, o que exige que o Temer articule mais."