Com Temer e Serra, como ficam as relações do Brasil com a América Latina?
O governo do presidente interino Michel Temer (PMDB) reagiu de forma dura a manifestações de governos de países como Venezuela, Equador, Cuba e Nicarágua com críticas ao processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff (PT). O mesmo aconteceu em relação à Unasul (União de Nações Sul-americanas). Os atritos podem abalar as relações do Brasil com os países da América Latina?
Os governos de países que questionaram o afastamento de Dilma são mais próximos, ideologicamente, ao PT. "A nossa política externa será regida pelos valores do Estado e da nação, não de um governo e jamais de um partido", afirmou o ministro de Relações Exteriores, José Serra, em seu discurso de posse na quarta-feira (18).
Antes, o ministério havia emitido notas para rechaçar aquilo que considerou "falsidades" propagadas por Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador e Nicarágua. Em relação ao secretário-geral da Unasul, Ernesto Samper, o governo interino afirmou que seus “juízos e interpretações em geral são incompatíveis com as funções que exerce e com o mandato que recebeu".
Comércio preservado
Especialistas em relações internacionais entendem que a mudança de governo no Brasil e o tom adotado inicialmente pelo ministro das Relações Exteriores, José Serra, podem dificultar a formulação de consensos na região, mas não devem prejudicar as negociações bilaterais e o comércio com cada país latino-americano.
“De todas as políticas de Estado, a política externa é a que mais demora para ter algum tipo de alteração”, afirma Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
Muitas vezes, diz o pesquisador, divergências ideológicas não abalam as relações comerciais entre países. Ele cita como exemplo o período em que Venezuela e Estados Unidos mantiveram seus negócios mesmo com a forte polarização entre os então presidentes Hugo Chávez e George W. Bush. “Em política externa, há muito mais barulhos do que fatos.”
Nasser também afirmou que o recado de Serra a governos latino-americanos de esquerda representa mais uma sinalização para reforçar seu próprio campo ideológico no Brasil. O ministro teria a pretensão de viabilizar para 2018 sua terceira candidatura a presidente – foi derrotado nas eleições de 2002 e 2010. “O recado é no momento um instrumento muito mais para dentro do que para fora do país.”
Exportações para América Latina são importantes
Alcides Cunha, professor do Instituto de Relações Internacionais da UnB (Universidade de Brasília), também acredita que o comércio com países latinos críticos ao governo interino será preservado.
De acordo com dados do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, as exportações brasileiras para o conjunto dos países da América Latina equivaleram em 2015 às vendas para a Europa, superaram as vendas para os Estados Unidos e só ficaram abaixo do total exportado para a Ásia.
O governo interino tem a intenção de aumentar as exportações de produtos manufaturados para os países mais ricos. Mas a ampliação da capacidade brasileira de exportar manufaturados esbarra, segundo Alcides Cunha, em dois limites: a reduzida competitividade da indústria nacional e a dificuldade de se estabelecer acordos comerciais que viabilizem a entrada de produtos nesses países.
“A competitividade da nossa indústria não se resolve em pouco tempo”, afirma o docente da UnB. Em sua opinião, essas dificuldades reforçam a necessidade de o Brasil manter os laços comerciais com os latino-americanos. “A venda de produtos brasileiros industrializados só tem dinamismo no mercado regional [atualmente].”
Atenção ao Mercosul
Na opinião de Alcides Cunha, a nova posição de Serra em relação ao Mercosul já reflete o pragmatismo influenciado por interesses comerciais. Apesar de ser um crítico do bloco, o tucano defendeu, durante o discurso de posse, sua renovação e seu fortalecimento.
Também afirmou que “um dos principais focos de nossa ação diplomática em curto prazo será a parceria com a Argentina”. “Por mais que Serra não goste, a indústria brasileira depende do Mercosul”, comenta o pesquisador.
“Nas relações bilaterais com países como Bolívia e Venezuela, as divergências políticas tendem a ser absorvidas. Os negócios deverão estar na agenda. A clivagem política vai ser mitigada pelos interesses comerciais, pela busca de cooperação com os países vizinhos, pela dificuldade estrutural de mudar a composição da pauta exportadora brasileira e de conseguir maior presença comercial nos países mais dinâmicos”, diz Alcides Cunha.
Crise na Venezuela
Para o professor da UnB, a cisão ideológica entre os governos da região deve paralisar a Unasul, e esse impasse não deve ser resolvido rapidamente porque depende, principalmente, do desfecho das crises internas da Venezuela e do próprio Brasil.
O diretor para as Américas da organização Human Rights Watch, José Miguel Vivanco, afirmou nesta quinta-feira (19) que a situação na Venezuela é muito grave e indicou a necessidade de a comunidade regional atuar para "evitar que se transforme em violência".
O governo Nicolás Maduro tenta impedir a realização de um referendo que poderia revogar o mandato do presidente venezuelano. A Human Rights Watch pediu nesta semana que a OEA (Organização de Estados Americanos) invoque a Carta Democrática Interamericana para exigir que a Venezuela proteja os direitos fundamentais dos cidadãos e restabeleça a independência dos organismos judiciais.
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