Força-tarefa no Brasil investiga rede de doleiros em novo paraíso fiscal da África
A Polícia Federal, a Receita Federal e especialistas do Ministério Público Federal têm indícios de que parte do dinheiro da corrupção de estatais e empreiteiras do Brasil foi ou está sendo "lavada" por uma rede de doleiros até então desconhecida, instalada em Angola.
O UOL teve acesso a informações exclusivas sobre um dos desdobramentos das investigações da PF, que aponta que Angola virou um paraíso fiscal e é "sede" de nova rede de doleiros abastecidos com dinheiro oriundo da corrupção brasileira.
A força-tarefa investiga se o país recebeu dinheiro desviado de estatais brasileiras, como a Petrobras, e também movimentações financeiras que teriam sido feitas por brasileiros que retiraram dinheiro de outros países e territórios, como Suíça, Lichtenstein e ilhas Jersey, e mandaram para Angola.
Já há confirmação de pagamentos ilegais feitos a empresas nacionais naquele país, como a Pólis, do marqueteiro João Santana. Como Angola não coopera com o Brasil fornecendo dados para as investigações, ainda não é possível estimar o montante lavado no pais.
Segundo Michelle Ratton Sanchez, professora e coordenadora do Centro de Desenvolvimento Global da Fundação Getúlio Vargas, o ACFI (Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimentos), sacramentado no ano passado entre Brasil e Angola, não prevê colaboração mútua em investigações sobre lavagem de dinheiro ou ocultação de patrimônio.
A ONG Transparência Internacional, que atua no combate à corrupção, coloca o país africano entre os mais corruptos do mundo (Angola ocupa a posição 163 em um universo de 167 países; o Brasil é o 76º).
Marqueteiro do PT

Santana e sua mulher, Mônica Moura, fizeram negócios milionários em Angola, nos últimos quatro anos. A última campanha para “reeleição” do ditador José Eduardo dos Santos, em 2012, rendeu à Pólis, empresa do casal, cerca de US$ 50 milhões (R$ 166,5 milhões).
Santana e Mônica estão presos desde o dia 23 de fevereiro, quando chegaram da República Dominicana, onde também se envolveram na campanha eleitoral daquele país.
Santana foi o “cabeça” da reeleição de Lula, em 2006, e das duas eleições de Dilma, em 2010 e 2014.
Por três vezes a reportagem entrou em contato com o escritório do advogado Fabio Tofic, um dos defensores do marqueteiro João Santana: nos dias 24, 25 de maio e 2 de junho. Nas ocasiões foi atendido por uma secretária, que orientou a reportagem a enviar as perguntas por e-mail.
Em 7 tentativas de envio, os e-mails foram "devolvidos" pelo servidor do escritório. A reportagem procurou novamente o escritório e pediu para falar diretamente com o advogado, mas a secretária, que se identificou como Gisele, se recusou, dizendo que a única forma de contato seria por e-mail.
Apesar de ter sido informada da importância de o advogado se manifestar e de ser informada do problema de devolução dos e-mails, ela se recusou a dar outro caminho para o contato.
Na defesa prévia apresentada na Justiça Federal, em Curitiba, a defesa do marqueteiro do PT pediu absolvição dos crimes de organização criminosa, corrupção e lavagem de dinheiro. No processo em que é réu junto com a mulher, Mônica Moura, ele admitiu manter recursos não declarados fora do país.
"Resta evidenciado que nenhum crime foi perpetrado pelo defendente, a não ser o de manter divisas não declaradas fora do país. A denúncia, em elucubrações pouco condizentes com a realidade, não logra demonstrar uma só conduta do Peticionário que incorra na prática de um delito, seja ele a organização criminosa, seja ele a lavagem de ativos", sustenta Tofic.

Outras suspeitas
Também há suspeitas de que o país africano abrigou em algum momento negociações para a compra dos caças suecos Grippen pelo governo brasileiro.
O problema que os investigadores enfrentam é que, diferentemente de outros países e territórios, Angola não deve colaborar com as autoridades brasileiras no combate à corrupção.
Outros países da África, como Nigéria e Moçambique, e da América Latina, como República Dominicana, também estão na mira dos investigadores.
“Vantagens" de Angola

Angola é comandada pelo ditador José Eduardo Santos desde 1979. Além da disputa eleitoral de 2012, apenas uma eleição presidencial aconteceu no período, em 1992. Após a oposição denunciar fraude na contagem dos votos da primeira etapa da disputa, o segundo turno não aconteceu e Santos permaneceu no cargo.
O país tem várias “vantagens” para ser um novo e “próspero” paraíso fiscal mundial: pouca transparência em seu sistema bancário interno, ausência de acordos internacionais para combater a corrupção e, principalmente, ser uma potência em minerais preciosos, como ouro e diamantes, que servem de excelente “lastro” em negociações ilícitas.
Segundo fontes ouvidas pela reportagem, o esquema funcionaria assim: dinheiro sujo retirado de outros paraísos fiscais seria repassado para contrabandistas africanos, que fazem o papel de doleiros. Depois, o corrupto apenas compra um cofre em algum banco de Angola e deixa lá os minérios ou até mesmo obras de arte. Como Angola não colabora com a Lava Jato, o país não deve informar quem são os brasileiros donos de cofres naquele país.
Apesar das riquezas naturais, Angola é imersa em miséria.
É um dos países mais pobres do mundo, com expectativa de vida estimada em cerca de 52 anos, e tem uma das piores posições no ranking de IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano) do mundo. Angola ocupa a 149ª posição, com 0,532, abaixo de Namíbia (126º, com 0,628) e Paquistão (147º, com 0,536).
O Brasil está em 75º, com 0,755. O IDH vai de 0 a 1 -- quanto mais próximo de 1, melhor o desempenho do país.
O PIB anual de Angola é estimado em US$ 130 bilhões (R$ 432,9 bilhões).
A principal relação comercial entre Brasil e Angola se dá na tecnologia e infraestrutura para extração de petróleo e gás. Em 2014, os negócios entre os dois países atingiram US$ 2,4 bilhões (R$ 7,92 bilhões). Dez anos antes eram de apenas US$ 1 bilhão (R$ 3,3 bilhões).

Membro da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), Angola é o 16º maior produtor de petróleo do mundo, com 1,84 milhão de barris diários, que representam 2,3% da produção mundial (o Brasil é o 12º colocado, com 2,35 milhões de barris, ou cerca de 3% da produção mundial).
Os principais depósitos petrolíferos angolanos foram localizados em meados da década de 60.
Depois do petróleo, o principal recurso extraído do solo angolano são os diamantes. No ano passado, essa produção rendeu cerca de US$ 1 bilhão ao país (R$ 3,3 bilhões).
O país, comandado por um ditador desde 1979, também é rico em jazidas de cobre, manganês, prata e platina, além de minério de ferro.
Outro lado
A reportagem entrou em contato, por e-mail, com Paulo Mateta, adido de Imprensa da embaixada angolana no Brasil, nos dias 31 de março, dia 1º e 18 de junho. Na mensagem, a reportagem adiantou o tema e pediu uma posição do governo angolano a respeito de uma possível colaboração com a Lava Jato no repasse de informações sobre dinheiro que estaria sendo "lavado" naquele país.
Nos dias 18, 20, 21 junho a reportagem entrou em contato com a embaixada por telefone. Foi informada que o então adido de Imprensa, Paulo Mateta, não se encontrava. O UOL voltou a deixar contato telefônico, e antecipou o assunto.
Até a publicação desta reportagem não houve nenhuma resposta.
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