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Berzoini: "PT foi tragado por uma máquina política que hoje nos custa caro"

"Há um erro, que todos nós reconhecemos, que foi o PT aceitar o sistema de financiamento de campanhas tradicional" - Sérgio Lima/Folhapress
"Há um erro, que todos nós reconhecemos, que foi o PT aceitar o sistema de financiamento de campanhas tradicional" Imagem: Sérgio Lima/Folhapress

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

25/08/2016 06h00

O financiamento privado de campanhas eleitorais foi o combustível de ações partidárias nem sempre “alinhadas com a legalidade” – como a do próprio Partido dos Trabalhadores, que enfrenta na justiça acusações de caixa dois na campanha da presidente afastada Dilma Rousseff. Quem afirma isso é o ministro afastado das Relações Institucionais, Ricardo Berzoini, 56, que falou com o UOL, com exclusividade, sobre as perspectivas ante a votação do impeachment de Dilma no Senado, sobre os 13 anos de governos federais do PT e sobre as perspectivas do partido a um eventual governo definitivo de Michel Temer (PMDB).

Com formação incompleta em engenharia, Berzoini é um dos petistas históricos –fundadores da sigla, nos anos 1980– que se mantiveram no alto escalão dos oito anos de Luiz Inácio Lula da Silva e nos cinco anos e meio de governo Dilma. Foi ministro da Previdência e do Trabalho de Lula, presidente nacional do PT e deputado federal, além de chefiar as pastas das Comunicações e das Relações Institucionais da gestão Dilma.

E é justamente na falta de comunicação sobre os programas e feitos petistas que afirma estar um dos maiores erros da sigla.

Leia, abaixo, a entrevista dele em três eixos distintos de temas.

*

IMPEACHMENT

UOL - O senhor vê condições políticas de governabilidade à presidente Dilma caso o impeachment não passe no Senado?

Ricardo Berzoini - Governabilidade a gente constrói, não é algo estático. Obviamente que, com a decisão de se respeitar a democracia e não consolidar o golpe e, com base nas forças políticas que existem –e que fazem parte da representatividade que o eleitor conferiu no Congresso Nacional--, vamos dialogar com todas essas forças, como dialogamos antes. Mesmo o presidente interino não está tendo facilidade nas medidas que tenta tomar, ele não tem encontrado a facilidade tão grande que esperava na Câmara e no Senado. Ou seja: nenhum governo tem essa franquia, em nenhum país do mundo, de pedir as coisas e encaminhá-las sem ter que negociar, sentar, avaliar e reavaliar.

Além disso, defendemos a tese de que, dada a magnitude da crise política e econômica, e na hipótese de a presidenta vencer, faremos o diálogo sobre um plebiscito para que o povo decida. Achamos que em uma situação de tensão como essa, a única forma de repactuar o país é a participação popular –seja em nova eleição, ou reforma política. Esse modelo que temos está esgotado; nenhum governo consegue, de maneira transparente e positiva, organizar sua base parlamentar com essa quantidade de partidos, e partidos que não expressam claramente um programa do ponto de vista de propostas para o país. Ou a gente reconhece isso e toma providências, ou certamente viveremos crises cíclicas no país.

UOL - Em uma escala de zero a dez, onde o senhor colocaria as chances de o PT reverter no Senado o resultado obtido na Câmara? Por quê?

Berzoini - Não é o PT que está em questão, mas um conjunto de pessoas de vários partidos e até sem partido. Temos dois problemas para tratar: a democracia está em risco caso se consolide esse processo e haja o afastamento de uma presidenta eleita através de um processo em que não se consegue comprovar crime de responsabilidade. E outro problema é a instabilidade do país: a consequência disso é mais instabilidade.

Eles [os defensores do impeachment] tentam vender a ideia de que, aprovado o impeachment em uma votação final, a situação ficará mais estável. Acho que não, ficará mais instável

Mas de qualquer maneira nós temos chances. Sabemos que é um quadro adverso e muito difícil, mas estamos realisticamente conversando com um conjunto de senadores que na pronúncia votou sim, mas estão em dúvida se devem votar assim no final. Conversamos com os parlamentares no sentido de colocar a eles a responsabilidade dessa votação: dependendo do que for decidido, podem entrar para a história como parte de um novo golpe para a democracia.

Ministro das  Relações Institucionais concedeu entrevista ao UOL e à Folha em 3.abri.2014. A gravação ocorreu no estúdio do Grupo Folha em Brasília - Sérgio Lima/Folhapress - Sérgio Lima/Folhapress
Berzoini: "Dada a magnitude da crise política e econômica, e na hipótese de a presidenta vencer, faremos o diálogo sobre um plebiscito para que o povo decida sobre nova eleição"
Imagem: Sérgio Lima/Folhapress

UOL - Dias atrás, cogitou-se que a presidente afastada determinaria a retirada do termo “golpe” da carta aos senadores sobre o processo de impeachment [o que não ocorreu, dias depois da entrevista]. O PT concorda com esse tipo de retirada?

Berzoini - Isso não procede. Na verdade, o que houve foi a ponderação respeitável, de pessoas de bem, sérias, de que a palavra “golpe” poderia citar uma animosidade por parte de alguns senadores que já votaram pela abertura do processo.

Foi uma ponderação no sentido de que isso [a não menção a “golpe”] poderia estreitar o campo para constar apoios. No entanto, acho que é impossível, na minha opinião, negar tudo aquilo que foi já tratado inclusive na defesa brilhante do advogado José Eduardo Cardozo, de que houve um conjunto de articulações. Esse não é um processo em que as forças se moveram para punir um crime de responsabilidade; na verdade, se transformou em uma eleição indireta primeiro da Câmara, depois do Senado, onde abertamente os operadores do golpe falam “estamos conquistando votos”. Não estão disputando uma opinião: é uma disputa de poder, e a maior demonstração de que houve golpe é que o vice-presidente eleito na chapa com a presidenta se articula abertamente com a oposição que foi derrotada na eleição. Ou seja, se ele [Temer] tivesse se preservado e ficado em uma posição institucional, eu até poderia dizer "tem gente articulando o golpe, mas o vice não se move nessa direção". Ele se move claramente, sem o menor pudor, na direção de consolidar o golpe.

UOL - No fim de 2013, sobre prisões de petistas na ação penal do mensalão, o senhor afirmou na tribuna da Câmara que o então ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Joaquim Barbosa havia manifestado caráter “nefasto e desonesto” ao mandar prender réus do mensalão em um feriado. Agora, Barbosa é uma das poucas vozes do Judiciário que se mostraram contrárias ao processo do impeachment de Dilma. Como analisa esses dois opostos?

Berzoini - Eu fiz a crítica a um fato –eu na época julguei algo que, para mim, extrapolava o caráter de julgador do STF e seu então presidente. Agora, na condição de ex-ministro do Supremo, ele dá uma opinião sobre um processo político. Imagino que ele não concorde com o que eu falei em 2013, e eu na época não concordava com os encaminhamentos que ele estava dando, mas neste momento a opinião dele me parece bastante firme sobre a natureza desse fato político do golpe. Então, não vejo contradição alguma, na política é assim: às vezes a gente concorda, às vezes discorda. Ele inclusive fala hoje não como ministro, mas como ex-ministro que é convidado para eventos nos quais dá opinião.

13 ANOS DE GOVERNOS DO PT

UOL - Lula tinha uma aprovação alta quando passou o governo para Dilma (de 2010 para 2011). Cinco anos depois, ela foi afastada temporariamente com uma desaprovação também alta. Onde o partido errou?

Berzoini - Vivemos situações políticas muito diferentes. O Lula, com seus méritos, mas também com uma conjuntura muito favorável, acumulou força durante todo o seu mandato, praticamente. Especialmente depois de 2006, 2007, ele colhia os feitos do rearranjo econômico e administrativo feito entre 2003 e 2005; além disso, o PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] teve um impacto muito grande, o Minha Casa, Minha Vida, também, assim como o ProUni, o ReUni e vários programas nas áreas de saúde e educação. Mas foi decisiva, especialmente, a forma como ele enfrentou a crise econômica de 2008 e 2009, onde, junto com a Dilma, ele tomou a decisão de adotar uma estratégia de usar a força do Estado, as estatais e os bancos públicos para combater a onda de pessimismo e a desaceleração que vinham com a crise financeira mundial. Naquele momento, todos nós avaliávamos, e eu era presidente do PT, que a crise poderia durar três, quatro anos, mas não mais do que isso. Mas a crise se estendeu mais do que isso.

E no final de 2013 para 2014, a crise continuando, e em alguma medida até se agravando, e o Estado já não tinha mais a capacidade fiscal, empresarial de remar contra a maré ou nadar contra a corrente.

Evidentemente que as pessoas têm seus erros e acertos, tanto Lula quanto Dilma, nós todos participamos desse processo, mas fundamentalmente é uma história que mostra muitos sucessos se virmos o que é o Brasil hoje. Quando se fala em qualquer programa social, de cada dez, oito foram criados durante o governo do Lula e da Dilma. Quando se fala hoje, por exemplo, na visão de como o Estado se coloca diante da economia, o embate tem como referência a estratégia que o Lula adotou em 2008, 2009, de que a Dilma participou ativamente como chefe da Casa Civil. E objetivamente: o Congresso que saiu da eleição de 2014 é mais conservador e mais fragmentado, que dificulta mais a gestão política. Tanto que quase todas as medidas que nós propusemos para enfrentar a situação fiscal ou não foram aprovadas, ou foram muito alteradas pelo Congresso.

Claro que, certamente, todos nós, inclusive o Lula e a Dilma, temos erros e acertos, mas uma parte disso tem a ver com a conjuntura geral. Ela mesma chegou a ter popularidade maior que o Lula, em alguma parte do mandato, mas foi perdendo ao longo das dificuldades econômicas.

Ministro das  Relações Institucionais concedeu entrevista ao UOL e à Folha em 3.abri.2014. A gravação ocorreu no estúdio do Grupo Folha em Brasília - Sérgio Lima/Folhapress - Sérgio Lima/Folhapress
"Conversamos com os parlamentares no sentido de colocar a eles a responsabilidade dessa votação: dependendo do que for decidido, podem entrar para a história como parte de um novo golpe para a democracia"
Imagem: Sérgio Lima/Folhapress

UOL - Onde o PT mais acertou, na sua avaliação, nesses 13 anos de gestão no governo federal?

Berzoini - Acho que na capacidade de elaborar e colocar em prática propostas que construímos enquanto éramos oposição e que aperfeiçoamos conhecendo por dentro a gestão federal.

UOL - Por exemplo?

Berzoini - O Luz para Todos, o Minha Casa, Minha Vida, enfim, os programas sociais, e a estratégia econômica que foi adotada em 2003 de enfrentar a crise nacional e internacional de credibilidade do país com um programa inicialmente de contenção orçamentária, e, depois, usando o espaço orçamentário para aumentar o crescimento econômico. Geramos mais de 20 milhões de empregos formais, e lamentavelmente uma parte disso se perde com a falta de capacidade do próprio Estado de continuar fomentando o crescimento.

UOL - E onde o PT mais errou?

Berzoini - Erramos mais na incapacidade de fazer um debate político transparente do significado dessa ação administrativa com uma parcela grande da população. Há um erro, que todos nós reconhecemos, que foi o PT aceitar o sistema de financiamento de campanhas tradicional em função da competição das eleições. Outro erro foi não fazer a reforma política: tentamos mais de uma vez, mas cedemos àqueles que faziam objeção e que muitas vezes eram nossos aliados. Acabamos não conseguindo ter votos suficientes para fazer a reforma.

UOL - Hoje o partido rechaça Eduardo Cunha e defende a cassação dele na Câmara, mas há alguns meses cogitou não apoiar a abertura de investigação contra o peemedebista no Conselho de Ética. Como o sr. explicaria essa mudança de postura? O partido se arrepende de alguma dessas duas decisões?

Berzoini - Eu não acho que é o caso de arrependimento; era um risco que a gente corria. Uma ala do PMDB com menos apreço pela democracia e mais conflito ideológico com o PT fustigou o tempo todo [a se aliar com os petistas] e, em algum momento, conseguiu tensionar dentro do PMDB e virar maioria. Acho inclusive que se pegarmos declarações do próprio Michel Temer, em 2015, ele falava que impeachment era golpe. E depois, por alguma razão interna, acabou aderindo à tese do golpe.

Mas o PT jamais cogitou [não abrir o processo contra Cunha]. O que houve foi uma tentativa de aliados do Eduardo Cunha nos colocarem essa questão como uma moeda de troca em relação à abertura de processo de impeachment, coisa que nós nunca aceitamos. Eu não estava na direção do partido nesse período, e sim, no governo, mas o partido sempre foi muito transparente em relação a isso. E no governo nós ouvimos aqueles que vinham incitar esse tipo de situação, mas nunca demos sinal verde porque achamos que são assuntos absolutamente distintos e têm, ambos, um caráter de julgamento.

UOL - Mesmo assim, o processo de impeachment foi aberto logo em seguida ao processo de Cunha no Conselho de Ética.

Berzoini - O que demonstra que eles estavam com essa perspectiva, não nós –tanto que nossa tese, inúmeras vezes, foi a de que Cunha justamente abriu o processo impeachment como retaliação, não por achar que tinha razão por isso.

UOL - É tema recorrente nas discussões políticas atuais, sobretudo entre os eleitores, que a “esquerda está desunida”. Dezenas de movimentos sociais estão agora em silêncio ante a perspectiva de impeachment, e outros tantos foram às ruas contra políticas do governo Dilma consideradas prejudiciais à classe trabalhadora (PL 4330, da terceirização, por exemplo). A esquerda está desunida?

Berzoini - Eu diria que a maior parte da esquerda está unida; temos tido reunião com movimentos sociais e sindicais, além de reuniões do PT com partidos como PCdoB e PDT –que se reúnem semanalmente tanto para analisar o quadro quanto com os presidentes de partido e os líderes da Câmara e do Senado. Óbvio que parte da esquerda faz oposição, no entanto, por exemplo, nosso diálogo com o PSOL e com a Rede continua existindo, embora eles tenham, por exemplo, muitas críticas à política econômica. E, na questão democrática, tanto o PSOL quanto os deputados da Rede e o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) têm sido sistematicamente aliados na defesa da democracia.

UOL - O que levou a essa fragmentação? Porque, mesmo em parte unida, movimentos sociais foram às ruas para reclamar de questões fundamentais ainda sob o governo Dilma...

Berzoini - Isso é natural, porque quem está no governo representa o Estado brasileiro, e o Estado, em algumas circunstâncias, toma decisões que desagradam os movimentos sociais.

UOL - O senhor não vê essa fragmentação?

Berzoini - Não. O que é natural da democracia é a crítica.

UOL - Acredita que até 2018 é possível ter essa base unida, ou, pelo menos, coesa?

Berzoini - Acho que essa é uma previsão futura. Precisamos fazer um esforço para manter esse diálogo intenso com PDT, PCdoB, PSOL, Rede e outros partidos que eventualmente queiram conversar, bem como com os movimentos. Mas muita água vai correr debaixo da ponte ainda até 2018. Parto do pressuposto de que temos chances de reverter [o processo do impeachment] no Senado, então, tenho que trabalhar com os dois cenários: reverter ou não reverter. Em quaisquer das duas hipóteses, tem muito ainda para acontecer, e o país está diante de um grande desafio, que é como enfrentar a crise econômica. O governo interino, ilegítimo, defende um grande ajuste fiscal, embora, no curto prazo, não esteja fazendo isso, talvez por razões táticas, em detrimento da saúde e da educação. Temos a visão de que o ajuste fiscal deve se dar de uma maneira mais complexa, ou seja, pela receita, pela despesa e também pela reorganização de uma estratégia orçamentária que, no curto prazo, pressupõe deficit. E temos também que lembrar que os ricos no Brasil nunca pagam a conta. Fala-se de Previdência, de se reduzir o SUS, quando, na verdade, temos um setor da população muito bem aquinhoado, que paga pouco imposto, enquanto a classe trabalhadora, inclusive a classe média, paga bastante.

GOVERNO TEMER

UOL - Após três meses, o que o senhor consegue ver no governo Temer que é diferente do governo Dilma?

Berzoini - A diferença fundamental é que eles têm uma visão sobre a questão social absolutamente contrária à nossa. Entendemos que o social é uma questão de investimento, e eles trabalham sempre com a questão de custo. Claro que você tem que cortar aquilo que não é necessário, tem que buscar eficiência, mas o discurso deles é permanentemente de cortar isso, aquilo, fazer ‘reavaliação do Bolsa Família’, ‘o SUS não cabe no orçamento’... esse é o discurso deles. O nosso é que, combatendo as ineficiências e os eventuais desperdícios, tem que se buscar pelas políticas sociais gerar atividade econômica suficiente para que a demanda interna volte a crescer. Um problema grave hoje é a falta de demanda interna, e o Banco Central mantém os juros a 14,25% quando a expectativa de inflação, segundo pesquisa do Banco Central, já está em 5,6%, 5,7% para 2017. Ou seja, já tem espaço para reduzir a taxa de juros. É preciso que o sistema financeiro reduza o spread bancário e que se tenha linhas para buscar um refinanciamento às pequenas, micro e médias empresas, para que elas não morram. Esse governo só fala em PEC 241, limitação de despesa para saúde e educação... É quase uma obsessão, ou um samba de uma nota só, sem uma visão sistêmica do que é governar o Brasil.

UOL - Caso o impeachment de Dilma passe no Senado, qual deve ser a postura do PT em relação ao governo Temer?

Berzoini - De oposição e denúncia da ruptura democrática.

UOL - O que esperar, aliás, desses dois anos e quatro meses de governo Temer?

Berzoini - Caso se consolide o  golpe, creio que será um período de perdas. O movimento social vai resistir, e os partidos de oposição vão denunciar esse golpe. Vai ser um período de supressão de direitos trabalhistas, de fazer reforma da previdência com viés antissocial.

Creio que será um período de desafios para o Brasil, inclusive com um viés autoritário: quando você chega ao ponto de articular para que em uma Olimpíada não possa haver manifestação pacífica de opinião, demonstra-se claramente um viés autoritário.

UOL - Depois desta ruptura Dilma-Temer, como o senhor vê a possibilidade de novos laços eleitorais entre PT e PMDB na eleição de 2018?

Berzoini - Praticamente impossível, porque, na verdade, o PMDB escolheu um caminho de ruptura. Foram eles que escolheram, não fomos nós. Nós inclusive ponderamos a todo momento que isso era um risco muito grande para a democracia e para a vida política brasileira. Mas eles escolheram um caminho e passaram a articular abertamente pela ruptura. Temos então que ser bastante coerentes e dizer que, salvo por questões regionais muito específicas que eventualmente ocorram, em algum Estado –em Minas, por exemplo, o governador é do PT e o vice, do PMDB–, tem que se analisar a cultura local e buscar manter a estabilidade do governo, mas, no plano nacional e na maioria dos Estados, é praticamente impossível haver um diálogo construtivo.

UOL - De que mudanças políticas o Brasil precisaria para ser um país melhor?

Berzoini - Primeiro temos ter muito zelo com a democracia, o que significa trabalhar para que os partidos políticos sejam democráticos internamente, ou seja, precisam ter regras elementares de democracia. Senão, viram agremiações que têm uma cúpula ultrapoderosa que não ouve as bases --e é preciso que haja nitidez programática.

Tem também que se fazer um esforço para reduzir essa dispersão partidária, porque termos 30 e tantos partidos em um país como o Brasil, onde se consegue identificar no máximo três ou quatro correntes de opinião macro --na verdade resulta em um conjunto de agremiações de baixa consistência. Isso vale inclusive como preocupação, não como realidade, para o PT, também. O partido precisa ficar vigilante e atento para manter a sua coerência programática e seu compromisso com o eleitor, os demais partidos também –de esquerda, direita, centro esquerda, ultradireita... são todos legítimos, desde que tenham de fato um programa e se baseiem nele.

UOL - O senhor está sem mandato atualmente e afastado interinamente do governo. Qual sua atividade hoje?

Berzoini - Estou em quarentena por um período de seis meses, a contar do afastamento da presidenta, impedido pela Comissão de Ética Pública de exercer qualquer função privada.

Quando saíram, todos que exerciam cargos e que achavam que tinham essa obrigação, de acordo com a lei de informações do governo, consultou a comissão para saber se aquela função vinculava o agente político às obrigações da lei. Em alguns casos, a comissão reconheceu que sim, em outros, não. Quando há a obrigação, o governo é obrigado a remunerar por até seis meses esse detentor de informações privilegiadas para que ele não vá para o setor privado, eventualmente, compartilhá-las com o setor privado. Hoje eu ajudo voluntariamente a presidenta Dilma na luta dela para impedir que se construa o golpe. É uma tarefa mais voluntária.

UOL - A presidente afastada tem afirmado haver um componente de gênero na forma como transcorreu o processo de impeachment. O sr., que lida tão proximamente a ela, mas é homem, o que acha disso?

Acho que tem um componente machista e misógino que se revela, inclusive, quando algumas pessoas criticam o fato de ela gostar de ser tratada por “presidenta” --sendo que este nome, inclusive, está previsto no dicionário. O preconceito teve desde que ela foi candidata, e de alguns setores –não de todos os que combatiam nosso retorno--, e muitas manifestações machistas no noticiário, por exemplo, em artigos a ironizando. Defendemos a igualdade de gênero e o reconhecimento de que as mulheres têm desvantagem, do ponto de vista da participação política, em função da história do país (passaram a votar só nos anos 40, por exemplo). A própria estrutura política é toda calcada em uma figura masculina --todos que reconhecemos isso temos que reconhecer que para mulher, nesse aspecto, ainda é mais difícil. E temos que reconhecer também que a Dilma é uma guerreira –e eu não diria que machismo e misoginia a abalem, ela passou por tanta coisa difícil na vida.

UOL - Como é hoje a relação entre Dilma e o PT, tendo em vista que, sobre a prestação de contas da campanha, ela já afirmou que o partido precisa reconhecer os próprios erros?

Berzoini - A relação é boa –assim como foi com todos os presidentes, governantes e prefeitos do PT tanto com Lula quanto com Dilma, bem como com os ministros. Em algum momento pode haver uma divergência pontual aqui e ali, mas não há um afastamento. A opinião partidária tem um viés, a opinião de governo tem outro.

Sobre os erros, eu e o PT concordamos em 99,9% com ela.

UOL - E esse 0,1%?

Berzoini - Porque não tenho a certeza de que todos, absolutamente, concordem. Mas na resolução do nosso terceiro congresso, em 2007, temos um capítulo todo dedicado a fazer uma avaliação da crise política que vivemos em 2005 e 2006, e é uma avaliação autocrítica, não ufanista, não. Agora, a situação é um pouco parecida: o PT, por precisar disputar, acabou muitas vezes se acomodando ao que existia, ao financiamento empresarial como a coisa mais importante; com marqueteiros que custam milhões, e isso cria, obviamente, fragilidades para o partido. Temos que reconhecer de maneira muito tranquila e serena que isso está custando para todos os partidos brasileiros. Quando vemos um cenário de denúncias e delações, são pessoas das mais variadas correntes sendo citadas, porque o tipo de campanha que se fazia, com o volume de recursos e a grandiosidade da parte de televisão, isso leva a custos altíssimos. Você que arcar durante ou depois para pagar a dívida. E nisso você tem situações mais alinhadas ou menos alinhadas com a legalidade. E aí você cria a crise política. Eu falo isso desde anos 90: à medida em que você tem financiamento de campanhas, e campanhas caras, você coloca todos os bem intencionados e os mal intencionados na mesma vala.

UOL - O PT foi vítima desse sistema?

Berzoini - Com ‘vítima’,a gente passa a ideia de ‘coitadinho’. Eu diria que o PT foi tragado por uma máquina política  que hoje nos custa caro, do ponto de vista de imagem.