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JBS pagou R$ 30 mi apenas para ter Cunha à disposição na chefia da Câmara, diz delator

Guilherme Artigas/Fotoarena/Folhapress
Imagem: Guilherme Artigas/Fotoarena/Folhapress

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

19/05/2017 17h38

O grupo JBS, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, pagou R$ 30 milhões de propina ao ex-deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) por serviços prestados na Câmara, segundo delação premiada homologada pelo STF (Supremo Tribunal Federal). O dinheiro teria sido destinado ao parlamentar --preso desde outubro do ano passado-- para que ele, enquanto presidente do Legislativo, ficasse à disposição dos interesses da empresa.

As informações constam no acordo de colaboração de Joesley, homologado pelo ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato no STF (Supremo Tribunal Federal). O documento foi tornado público nesta sexta-feira (19).

No despacho, Fachin relata que, segundo depoimento de Joesley, o repasse ocorreu para "sustentar o apoio do ex-parlamentar, na qualidade de presidente da Câmara dos Deputados, nas demandas da empresa". Cunha presidiu o Legislativo entre fevereiro de 2015 e julho de 2016.

O ex-deputado faturou outros R$ 20 milhões, dos quais R$ 5 milhões teriam sido pagos após a sua prisão, em troca da aprovação da legislação que renovava a desoneração de impostos no setor de frango, segundo narra a delação.

Cunha tinha um "sistema de conta corrente" gerenciado pelo doleiro Lúcio Bolonha Funaro, que foi preso na Operação Sépsis, um dos desdobramentos da Lava Jato, em julho passado.

Nessa conta, a dupla também cobrava propina para atuar em favor da JBS em negociações com a Caixa Econômica Federal, bem como questões referentes ao FI-FGTS. Em um dos casos relatados por Joesley, o empresário acertou com Funaro o pagamento de 3,5% de um empréstimo de R$ 940 milhões junto ao FI-FGTS, o equivalente a cerca de R$ 33 milhões.

Por intermédio de parentes de Funaro e do operador Altair Alves Pinto, aliado de Cunha, o ex-deputado também recebia mesada de R$ 400 mil. O dinheiro, pago pela JBS, era uma espécie de "cala-boca", isto é, destinava-se a garantir o silêncio dos envolvidos.

De acordo com o delator, os repasses feitos após a prisão de Cunha ocorreram com a anuência de Michel Temer. O STF abriu inquérito para investigar a acusação. O presidente nega ter sido conivente com tais pagamentos. Em 7 de março, Joesley teve uma reunião com o presidente da República, no Palácio do Planalto, quando disse ter confidenciado ao interlocutor que estava "bem" com Cunha. O presidente responde: "Tem que manter isso, viu?".

O diálogo foi gravado pelo dono da JBS, e o material faz parte dos autos do inquérito aberto contra Temer no STF.

Joesley também registrou, em março, conversas com o deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), um dos homens de confiança de Temer. Em um dos diálogos, o empresário revela ao interlocutor ter dito ao presidente sobre os pagamentos feitos a Cunha e a Funaro.

"Eu disse pra Michel, desde quando Eduardo foi preso e ele [Funaro], quem está segurando as pontas sou eu. Eu tô...". Loures diz apenas "cuidando deles lá", e Joesley complementa: "Dos dois, tanto da família de um, quanto da família do outro. Isso aparentemente está...". "Estabilizou", comenta o deputado paranaense.

"(...) Agora o que eu até comentei com Michel que o problema é o seguinte, ô Rodrigo, a gente tem que pensar que essa situação não dá para ficar o resto da vida. Um mês vai, dois mês [sic], três meses, seis meses, mas vai chegando uma hora, que assim você vai indo, você vai indo", desabafa o empresário.

Em relatório enviado ao Supremo, a Polícia Federal afirma: "Em breve síntese, tais registros de áudio indicam que Joesley Batista vem prestando apoio financeiro a Lúcio Bolonha Funaro e a Eduardo Consentino Cunha (e às respectivas famílias) desde que ambos foram presos."

Irmã de Funaro retirou propina na sede da JBS

A Polícia Federal colheu imagens de câmeras do circuito interno da JBS e outros elementos que indicam que, em 20 de abril, a irmã de Funaro, Roberta Funaro Yoshimoto, foi à sede do grupo para receber uma das parcelas da mesada de R$ 400 mil. Toda a movimentação foi acompanhada pela PF, que, para tal, contou com a colaboração do delator Ricardo Saud, executivo da JBS.

A PF destaca, no entanto, que a retirada da propina na sede da empresa não era um fato comum. Os intermediários preferiam "apanhar os valores em locais aleatórios e mais remotos, como o estacionamento da escola Germinare, que se situa no interior do complexo empresarial" da J&F Investimentos, holding que controla a JBS.

Em 20 de abril, narra o relatório da Polícia Federal, Saud combinou com Roberta que deixaria o dinheiro dentro de um carro estacionado nos fundos da escola. A irmã de Funaro chegou ao local acompanhada da filha, uma criança de dois ou três anos, de acordo com os investigadores.

Previamente, os agentes da PF instalaram no interior do carro um sistema de captação ambiental, o que "permitiu registrar o exato momento em que Roberta nele ingressou, retirou a bolsa preta que estava sobre o banco da frente e a colocou no assoalho do carro".

"Em seguida, Roberta acomodou-se com a criança no banco da frente, e Ricardo [Saud] passou a conduzir o veículo até o estacionamento principal da empresa".

O relatório da Polícia Federal contém uma série de fotos e imagens reproduzidas de câmeras de segurança que indicam o passo-a-passo da retirada da propina. Além disso, foi gravado um diálogo entre Saud e Roberta. Em dado momento, o empresário pergunta: "(...) eu queria só que você... quatrocentos, né?".

Concordando, a irmã de Funaro responde: "huhum [sic]".

Outro lado

A reportagem está tentando contato, por telefone, com os advogados de Cunha --recentemente, o ex-deputado contratou novos defensores--, porém, eles ainda não atenderam.

Segundo o advogado do doleiro Lúcio Bolonha Funaro, Bruno Espiñeira, ele e o cliente só vão se posicionar após analisar cuidadosamente o material da denúncia. “Estamos encarando da mesma forma como qualquer delação, que muitas vezes acontece com o delator apenas querendo se livrar de problemas e distorcendo fatos.”
 
Espiñeira, que também representa Roberta Funaro, afirmou que está analisando delações de clientes e ainda não viu as imagens em questão. Ele e sua cliente devem se posicionar até este sábado (20).