PGR: Marielle era obstáculo para irmãos Brazão, e assassinato seria exemplo

A PGR (Procuradoria-Geral da República) apontou que os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão mandaram matar a vereadora Marielle Franco porque a chegada dela à Câmara do Rio, em 2016, mudou "radicalmente" a votação de propostas de flexibilização da regularização de terrenos em áreas de milícias na capital fluminense, tema de interesse dos irmãos. Ainda segundo a PGR, a morte dela serviria para inibir a atuação de outros opositores.

O que aconteceu

A PGR denunciou nesta terça-feira ao STF quatro pessoas pelo assassinato de Marielle e do motorista Anderson Gomes. São eles: o conselheiro do Tribunal de Contas do Rio, Domingos Brazão; o deputado federal Chiquinho Brazão; o ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro Rivaldo Barbosa; e o PM Ronald Paulo Alves Ferreira, conhecido como major Ronald e apontado como ex-chefe da milícia da Muzema, na zona Oeste do Rio. Os quatro são acusados de homicídio.

Além disso, a PGR também acusou os irmãos Brazão e o ex-assessor de Domingos Brazão, Robson Calixto da Fonseca, de organização criminosa. Robson e Ronald foram alvos de mandados de prisão nesta quinta-feira (9), autorizada pelo ministro do STF, Alexandre de Moraes, em resposta a um pedido da PGR.

Segundo a PGR, os irmãos operavam com facilidade na política do Rio de Janeiro. Ambos atuavam para formar alianças com diferentes grupos de milícias que no Rio de Janeiro, notadamente nas regiões de Oswaldo Cruz, Rio das Pedras e Jacarepaguá.

Tudo mudou com a chegada de Marielle. Segundo a PGR, antes os irmãos Brazão já tinham oposição do então deputado Marcelo Freixo e do PSOL, mas devido à projeção nacional do político, nenhuma reação "violenta" foi pensada. Até Marielle iniciar sua atuação na Câmara.

Foram nas divergências sobre as políticas urbanísticas e habitacionais que os irmãos Brazão perceberam a necessidade de executar a vereadora. Se antes João Francisco (nome de Chiquinho Brazão) aprovava sem dificuldades as suas pautas de interesse, a chegada de Marielle mudou radicalmente esse quadro"
denúncia da PGR, assinada pelo subprocurador-geral da República, Hindemburgo Chateaubriand Filho

Histórico com PSOL

Segundo a PGR, os irmãos Brazão já estavam incomodados com a oposição do PSOL e de Freixo. A PF cita o relatório final da CPI das Milícias, presidida por Freixo em 2008, em que os irmãos foram apontados como beneficiários do "curral eleitoral" formado pela milícia de Oswaldo Cruz; e também o fato de o PSOL questionar a eleição de Domingos Brazão para a presidência do TCE do Rio de Janeiro.

A PGR diz ainda que os irmãos Brazão chegaram a infiltrar um miliciano no PSOL em 2016. Laerte Silva de Lima tinha a missão de obter informações sobre a atuação dos integrantes do partido. Foi ele, inclusive, quem repassou parte da rotina de Marielle para os executores do crime, anos depois.

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Ainda segundo a denúncia, os irmãos até então não cogitavam nenhuma reação violenta. Isso porque as políticas de regularização fundiária não haviam sido afetadas, e porque Freixo tinha grande projeção política. "Eliminá-lo poderia gerar grande repercussão", diz a PGR.

A chegada de Marielle

Projeto aprovado, mas sem resultados. Em 2015, Chiquinho, que era vereador desde 2005, conseguiu aprovar duas Leis Complementares Municipais para flexibilizar os critérios de regularização e parcelamento irregular de terrenos em áreas comandadas por milícias. A iniciativa, porém, não teria provocado os efeitos práticos desejados pelo clã: 186 projetos de regularização foram apresentados, mas nenhum, deferido.

Chiquinho, então, articulou nova proposta e enfrentou dura oposição de Marielle. O vereador apresentou em 2016 um novo Projeto de Lei Complementar que flexibilizava ainda mais as exigências ambientais e urbanísticas para a regularização de terrenos. Esta proposta, por sua vez, contou com oposição de Marielle, que afirmava que a iniciativa visava a beneficiar a milícia na Zona Oeste.

Proposta foi aprovada em 2017 com apenas um voto além do necessário. Para a PGR, a tramitação da proposta, com quase um ano para aprovação e votação apertada, não deixa dúvida de que os irmãos ficam descontentes com Marielle. "Não há dúvida de que as dificuldades na tramitação do projeto e, sobretudo, o elevado risco de rejeição, somados ao histórico de conflitos com o PSOL e Marielle Francisco da Silva, recrudesceram o descontentamento dos irmãos Brazão".

A oposição de Marielle só aumentava. A denúncia da PGR cita a atuação da vereadora contra os projetos defendidos por Brazão, tanto dentro da Câmara quanto nas redes sociais.

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Marielle se tomou, portanto, a principal opositora e o mais ativo símbolo da resistência aos interesses econômicos dos irmãos. Matá-la significava eliminar de vez o obstáculo e, ao mesmo tempo, dissuadir outros políticos do grupo de oposição a imitar-lhe a postura.
trecho da denúncia da PGR

Crime foi planejado em 2017

Segundo a PGR, o crime começou a ser elaborado ainda em 2017. Os mandantes encomendaram o crime para o miliciano Edmilson Oliveira, o 'Macalé'. Em troca, prometeram recompensa em um loteamento no Tanque, no Rio de Janeiro.

Os mandantes então informaram o delegado Rivaldo Barbosa. Então diretor da Divisão de Homicídios da Polícia Civil do Rio, Barbosa teria o compromisso de dificultar as investigações.

A atuação de Barbosa, porém, foi além e envolveu dicas aos criminosos. Segundo a denúncia, o delegado orientou que o assassinato não ocorresse em nenhum trajeto que tivesse a Câmara Municipal como ponto de origem ou destino.

Para executar o crime, os irmãos Brazão orientaram que Macalé acionasse Ronnie Lessa. O ex-PM não tinha ficha criminal, mas estaria envolvido em uma série de homicídios, segundo a PGR.

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Com informações do infiltrado no PSOL, os mandantes passaram a reunir detalhes da rotina de Marielle. Quem também recebeu a incubência de vigiar a vereadora foi o miliciano "Major Ronald".

A arma do crime chegou a Ronnie Lessa em setembro de 2017. A submetralhadora alemã foi arranjada por Macalé. Já o veículo usado no crime, um Cobalt, foi providenciado por Maxwell Simões Correa, o "Suel", miliciano de quem Lessa recebia auxílio no monitoramento de seus potenciais alvos de homicídio, segundo a PGR.

No dia do crime, 14 de março de 2018, Lessa acionou Elcio Vieira de Queiroz. Ele ficou responsável por dirigir o carro que perseguiria a vereadora.

Os irmãos Brazão e a milícia

Na denúncia, a PGR traça o histórico da família Brazão com a milícia. Em 34 páginas, a PGR recupera vários episódios históricos, alguns inclusive levantados pela CPI das Milícias, e aponta que, desde os anos 2000 os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão vinham formando alianças com milícias da zona oeste do Rio.

Segundo a denúncia, os irmãos teriam se utilizado da grilagem de terrenos nas regiões comandadas pelas milícias e que eram seus redutos eleitorais para acumular vários imóveis. Domingos Brazão e sua esposa, por exemplo, chegaram a constituir uma empresa que é proprietária de 87 imóveis na Zona Oeste do Rio, segundo a PGR.

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Denunciados negam envolvimento com o assassinato. Presos desde 24 de março, os irmãos Brazão e o ex-chefe da Polícia Civil do Rio negam envolvimento no crime.

Errata:

o conteúdo foi alterado

  • Diferentemente do que informou a matéria, Domingos Brazão foi eleito para a presidência do TCE do Rio de Janeiro, e não do TCU. A informação foi corrigida.

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