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"Não sabemos o que a curou", dizem médicos sobre enfermeira que tinha ebola

A enfermeira Teresa Romero é beijada pelo marido Javier Límon após declarada sua alta - Pierre-Phillippe Marcou/AFP
A enfermeira Teresa Romero é beijada pelo marido Javier Límon após declarada sua alta Imagem: Pierre-Phillippe Marcou/AFP

Elena G. Sevillano

Do El País, em Madri

05/11/2014 15h56

Os médicos do hospital Carlos 3º de Madri que atenderam durante o último mês Teresa Romero, que deixa o hospital nesta quarta-feira (5) depois de superar a infecção pelo vírus ebola, destacaram "o grande profissionalismo" e o envolvimento das mais de cem pessoas que cuidaram da paciente e comemoraram sua alta hospitalar.

Em uma entrevista coletiva no centro de saúde, o diretor-gerente, Rafael Pérez Santamarina, salientou "a grande notícia" que representa a alta de Teresa Romero depois de "um mês complicado para todos".

José Ramón Arribas, responsável pela unidade de doenças infecciosas, destacou que a auxiliar de enfermagem de 44 anos recebe alta com a confiança de que não há "nenhum risco de contágio". "Pode levar uma vida completamente normal", salientou, antes de lembrar que a saída do hospital não implica que Romero esteja totalmente recuperada.

"É preciso lhe dar tempo para uma recuperação integral de um evento muito dramático" como é uma infecção pelo ebola.

O especialista explicou que cuidar da paciente trouxe aos médicos "ensinamentos muito importantes", sobretudo em relação ao suporte através de fluidos.

Arribas confirmou que Romero foi tratada com o antiviral Favipiravir e o soro de uma paciente curada. Entretanto, por carecer de um grupo de controle do uso do medicamento, ainda não há segurança sobre sua eficácia.

Nessa linha, a doutora Marta Arsuaga salientou que hoje é complicado determinar que tratamento funcionou no caso de Romero e apontou que seu sistema imunológico certamente teve "grande participação" na recuperação. "Não podemos dizer o que curou Teresa", acrescentou.

Os profissionais de saúde compareceram sem a auxiliar de enfermagem. Segundo explicou o gerente do Carlos 3º, Romero em princípio não queria participar da entrevista coletiva, mas posteriormente decidiu ler um comunicado por volta das 13h30 (10h30 no horário de Brasília).

Na apresentação à mídia, Arribas destacou que não ocorreu na Espanha nenhum contágio extra-hospitalar, o que indica que o principal risco de infecção "é para os que atendem os pacientes", em um momento em que a carga viral em seus organismos é muito alta, como foi o caso de Romero ao tratar os missionários repatriados da África e falecidos no hospital Carlos 3º.

A enfermeira Esther Bellón, que também participou da entrevista coletiva, ressaltou a "rejeição brutal" da população que sentiram os que trabalharam com os pacientes contaminados por ebola. Depois de manifestar sua tristeza pela morte dos religiosos Miguel Pajares e Manuel García Viejo, repatriados da África e mortos no centro, Bellón explicou que sentiu essa rejeição e medo por parte de vizinhos e amigos, a ponto de ter adiado uma viagem.

"A principal alegria é que finalmente se conseguiu salvar um caso de ebola e, o mais importante, uma companheira", comentou Bellón, que se apresentou como voluntária para atender a pacientes infectados pelo vírus - decisão que sua família aceitou e seu filho apoiou, segundo lembrou depois da entrevista. Essa enfermeira cuidou junto com Romero do missionário Manuel García Viejo e em uma ocasião entrou com ela no quarto.

Bellón confessou que ao tratar pacientes de ebola sente-se medo "o tempo todo", mas que se faz o possível para controlá-lo e não cometer erros.

O doutor Fernando de la Calle, por sua vez, afirmou que este mês foi duro "do ponto de vista científico" e que o foi sobretudo no final, com a "situação especial" de sua companheira. No entanto, destacou o muito que a equipe aprendeu e a importância que teve a coordenação entre os diversos profissionais que participaram. "Devemos estar todos contentes", salientou.

Os médicos foram indagados sobre a decisão de comunicar publicamente a possibilidade de que Teresa Romero tivesse se contaminado ao retirar uma luva depois de atender um dos missionários. A paciente comentou posteriormente que não lembra de nenhum incidente ao retirar o traje de proteção.

O gerente do Carlos 3º respondeu que informar a mídia sobre a suspeita de contágio contribuiu para aumentar a segurança dos equipamentos utilizados pelos profissionais de saúde e reduzir o medo do vírus entre a população.

Sobre a possibilidade de que Romero doe seu plasma para tratar outros pacientes contaminados, os especialistas explicaram que ainda é cedo e que cientificamente se desconhece o momento mais adequado para fazê-lo. Foi criada uma rede europeia de sobreviventes do ebola que estudará quando há mais anticorpos no sangue para realizar a doação, explicaram.

A entrevista, que durou pouco mais de meia hora, terminou com um grande aplauso para a equipe médica que trabalhou para a cura de Teresa Romero.

Visita à mãe na Galícia

No último sábado, por volta das 17h (14h no horário de Brasília), Romero deixou o quarto de isolamento no sexto andar em que se encontrava desde 6 de outubro passado, quando se confirmou o contágio por ebola.

Os últimos exames de PCR (reação em cadeia da polimerase, na sigla em inglês) mostraram resultados negativos dos fluidos corporais da paciente, que foi transferida para um quarto convencional para continuar sob observação de rotina.

A equipe médica que trata a auxiliar de enfermagem anunciou em 21 de outubro que a paciente havia superado a infecção, depois de se realizarem dois testes PCR em sangue com resultado negativo, com uma margem de 48 horas.

Quando sair do hospital, Teresa irá a seu povoado na Galícia e ficará com sua mãe até que sua casa seja desinfectada - essas tarefas começaram na semana passada e durarão cerca de 11 dias.

Entretanto, serão implementadas as ações legais que Romero e seu marido querem empreender para apurar responsabilidades. Uma delas será uma demanda contra o conselheiro de Saúde, Javier Rodríguez, por entender que foi infringido seu direito à honra por acusá-la publicamente de mentir por não informar a seu médico pessoal que havia estado em contato com os missionários mortos pelo vírus.

Os advogados também terminam uma reclamação diante do Conselho de Saúde pelo sacrifício do cachorro do casal, Excalibur.

Javier Limón, marido de Teresa, afirmou depois de deixar o hospital que Javier Rodríguez havia matado sua mascote, o que considerou "uma execução", e não um sacrifício.