Caso de enfermeira com ebola mostra série de erros do serviço de saúde espanhol
E. de Benito e E.G. Sevillano
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Andres Kudacki/ AP
8.out.2014 - Bombeiros e equipe médica aparecem em frente à entrada do prédio da enfermeira que contraiu ebola em Alcorcón, arredores de Madri
A investigação aponta que Teresa Romero se contagiou ao tirar o terceiro traje de proteção. Serviço de saúde admite que deveria tê-la internado antes
Uma série de erros levou à situação atual do ebola na Espanha, com a auxiliar de saúde Teresa Romero Ramos, 40 anos, contaminada, seu marido, Javier Limón Romero, em isolamento e mais de 50 pessoas em observação.
Destas, 22 são profissionais de saúde, amigos e parentes que, sem a proteção adequada, estiveram em contato com a técnica quando já estava doente. Os outros 30 são os profissionais que dividiram com Romero o tratamento de Manoel García Viejo, o missionário repatriado que morreu de ebola em 25 de setembro no hospital Carlos 3º, onde trabalha a afetada. Uma aplicação estrita dos protocolos e uma série de decisões e atrasos pouco claros se sucederam até agravar o que já era uma situação muito preocupante: o primeiro contágio entre humanos dessa doença fora da África.
O primeiro erro é o que causou a infecção em si. Tanto as autoridades como os profissionais envolvidos insistem que tudo foi feito de acordo com os estritos protocolos de segurança. Ainda não há conclusões definitivas sobre o que aconteceu, mas fontes da investigação apontam que a falha pode ter ocorrido quando Romero tirou o terceiro dos trajes sobrepostos que usava como proteção.
Essa falha, caso confirmada, passou despercebida à mulher, que em nenhum momento informou que tivesse problemas – nem luvas rasgadas nem espetadas de agulhas ou borrifos indesejáveis. Sua última tarefa foi limpar o quarto onde havia morrido García Viejo no complexo hospitalar La Paz-Carlos 3º. Depois saiu de férias. Só tinha uma instrução: vigiar sua temperatura duas vezes por dia e, se notasse algo anormal, contatar o Serviço de Riscos do Trabalho no hospital. É o acompanhamento que recebem todos os que estiveram em contato com doentes de ebola.
Mas poucos dias depois Romero começou a sentir-se mal. Isso não a impediu de se apresentar com mais 20 mil pessoas em 27 de setembro passado aos exames para consolidar seu cargo de auxiliar na Comunidade de Madri.
O primeiro dos pontos obscuros da história ocorreu pouco depois, em 30 de setembro, data que deu na segunda-feira o diretor-geral de atenção básica da Comunidade de Madri, Alberto Alemany, ou 29, segundo outras fontes. A mulher, com febrícula – temperatura inferior a 38 graus – e astenia (fraqueza), ligou para o hospital. Os sintomas ainda eram vagos, como explicou Alemany, e lhe indicaram que fosse ao seu centro de atenção básica em Alcorcón (Madri), onde mora. Fontes do ambulatório informaram que em nenhum momento ela se identificou como uma profissional que havia estado com doentes de ebola, e foi para casa com uma receita de paracetamol.
Esse primeiro contato para notificar um agravamento em sua saúde parece chave no processo. Tanto que ontem o coordenador do Centro de Alertas e Emergências Sanitárias do Ministério da Saúde, Fernando Simón, admitiu em declarações à SER que talvez não devessem ter seguido a regulamentação ao pé da letra. "Diante de uma pessoa em acompanhamento, talvez devessem ter aplicado um protocolo de isolamento", disse. Essa possibilidade foi descartada porque "a febre era baixa, o que fazia que o quadro não fosse óbvio". As instruções dos serviços de saúde são para esperar até que a febre supere os 38,6 graus para considerar que se trata de um possível caso de ebola. Com isso, tenta-se evitar a internação de todas as pessoas que têm um processo febril, já que se supõe que essa temperatura é um limite abaixo do qual o afetado não tem um vírus demasiado ativo e, portanto, não é contagioso.
As companheiras de Romero souberam de sua febre desde o início. No bate-papo que compartilham, ela avisou que tinha alguns décimos e perguntou a que temperatura devia chegar para avisar. Oficialmente são 38,6 graus. Seus colegas criticam que isso deveria ter sido aplicado para alguém que "passava por ali", e não para uma profissional que teve contato direto com os dois pacientes mortos – García Viejo e o também missionário repatriado Miguel Pajares. O mesmo opinam fontes sindicais do hospital: "Por que não a trataram antes?" A paciente está sendo tratada com anticorpos de sobreviventes do contágio.
O relato do ocorrido desde então varia conforme a fonte. Dias depois – pelo menos dois, e mais segundo uma porta-voz do CSIF –, Romero voltou a ligar para o hospital para informar sobre seu mal-estar. Esse dia é outro momento chave. Segundo fontes sindicais, já tinha mais de 38,6 graus, mas não se ativou nenhum protocolo nem se decidiu seu isolamento. Meios oficiais indicam que essa temperatura só foi atingida no dia 6.
Aí há outra das atuações incompreensíveis neste caso. Segundo fontes da Saúde, na última segunda-feira (6) a mulher telefonou ao Carlos 3º porque se encontrava "péssima", mas lhe indicaram que chamasse o Serviço de Urgências de Madri (SUMMA) e fosse a seu hospital de referência, o de Alcorcón. Ela fez isso e foi transferida por pessoal sem proteção especial que a levou a um centro não especializado, onde passou várias horas na emergência. Parte das 21 pessoas hoje em observação são as que tiveram contato com ela nesse período.
O processo no hospital também não foi muito diligente. Trabalhadores do hospital de Alcorcón afirmam que Romero chegou avisando: "Temo que esteja com ebola". Mas a descida da ambulância e o primeiro tratamento até que foi isolada em um quarto de emergência foi realizado sem proteção além de luvas e uma máscara. Ali esteve desde a primeira hora da manhã até depois da meia-noite, quando foi transferida para o Carlos 3º. Desse tempo, mais de seis horas se passaram desde que se confirmou o diagnóstico até que a ambulância a apanhou: não havia um transporte adequado.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves