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Preocupados com surto, alunos de medicina mudam rotina para estudar zika

Avener Prado/Folhapress
Imagem: Avener Prado/Folhapress

Maria Júlia Marques

Do UOL, Em São Paulo

23/02/2016 06h01

O aumento no número de casos de zika e de microcefalia tem deixado a população em estado em alerta. Enquanto médicos e pesquisadores tentam entender o vírus, estudantes de medicina de diferentes faculdades do país movimentam os cursos para que haja aulas com aprofundamento sobre a zika e malformações no sistema nervoso.

Aluno do quinto ano da Universidade Santo Amaro, Henrique Abrão diz que quer se sentir preparado para lidar com a doença quando encontrar um caso suspeito. “Peguei um caso da síndrome Guillain-Barré [durante o internato], que está sendo associada ao vírus da zika, e na hora pensei na possibilidade de vínculo. Já fui buscar artigos para ler”.

O Centro Acadêmico organiza palestras e há conversas sobre zika até em grupos da turma em redes sociais. Henrique Abrão, aluno de medicina

Na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica) e na Unicid (Universidade Cidade de São Paulo), os próprios alunos e residentes estão agendando aulas públicas para disseminar os conhecimentos sobre zika, dengue e chikungunya. 

Antes de o vírus da zika estar em evidência, as faculdades não abordavam o tema com frequência. Professores afirmam que a doença era mencionada em sala de aula por ser "prima" da dengue, mas o tema não recebia atenção.

“O vírus era estudado rapidamente, apenas citado em aula, mas agora essa tendência mudou radicalmente. Já dei três aulas sobre a zika esse ano e todas lotaram”, diz Marco Aurélio Palazzi Sáfadi, diretor de pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Sáfadi afirma que os docentes decidiram incluir a zika no currículo. “Agora todos os aspectos do vírus são estudados, da biologia às manifestações.” 

Felipe Valenzuela, do quarto ano de medicina na USP (Universidade de São Paulo), conta que os estudantes querem saber como prevenir, diagnosticar e acompanham os casos e análises divulgados para ver quais teorias são descartadas ou confirmadas. “Buscamos mais informações, questionamos mais e temos sorte que professores de todas as matérias estão comentando o assunto e tentando responder nossos questionamentos, aqueles que têm resposta pelo menos”, diz Felipe.

A aluna Flávia Damiani, também da USP, afirma que sente responsabilidade de se manter informada. Ela já atende pacientes durante seu internato. 

A verdade é que todos estão com muito medo do vírus da zika, existe uma angústia coletiva e as pessoas trazem para a gente essa demanda. Quero saber orientar e garantir um bom atendimento.

Flávia Damiani, aluna da USP que faz internato

Faculdades turbinam conteúdo

Nos cursos de medicina da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e na Faculdade de Medicina do ABC, não foi criada uma nova disciplina, mas cada departamento aborda o vírus em sua especialidade. Na ginecologia estudam o cuidado com as grávidas e na oftalmologia as lesões do feto com microcefalia, por exemplo.

"Os futuros médicos sabem que lidarão com a doença em um futuro próximo e querem apoio para ampliar o conhecimento", afirma Paulo Velho, coordenador do curso de medicina da Unicamp.

 

grávida - Ueslei Marcelino/ Reuters - Ueslei Marcelino/ Reuters
Imagem: Ueslei Marcelino/ Reuters

Despreparo

Apesar do otimismo de professores e alunos ouvidos, Bráulio Luna Filho, presidente do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), relembra que não é em todo curso que o discurso é o mesmo. 

O país tem 213 faculdades com curso de medicina. Em 2014, 16.110 alunos se formaram em uma desses cursos presenciais, segundo o Censo de Educação Superior 2014.

“Muitos recém-formados saem com uma formação inadequada, em todas as áreas. É preciso ter uma formação básica. Na área de pesquisas, por exemplo, só escolas que desenvolvem estudos deixam o aluno interagir. Na maioria, o médico não faz pesquisa. Existe um despreparo”, afirma Luna Filho. 

O resultado do exame aplicado Cremesp para analisar os conhecimentos de um total de 2.726 recém-formados em medicina em São Paulo sustenta a preocupação do presidente: 48,13% foram reprovados na avaliação. Segundo a entidade, o resultado mostra que quase metade desses novos profissionais não está apta a exercer uma medicina de qualidade.