Topo

A mais fina culinária retorna às raízes

26/01/2012 14h56

MADRI, 26 Jan 2012 (AFP) -Da natureza ao prato - as folhas de árvore, assim como as ervas silvestres, as raízes e até as aranhas estão cada vez mais presentes nas cozinhas dos grandes 'chefs' de todo o mundo que, reunidos durante três dias, em Madri, professam um retorno à tradição, tendo a "Terra como despensa".

"A nossa culinária é muito natural, com a maior parte dos ingredientes que utilizamos crescendo ou vivendo em nosso entorno", explica à AFP o 'chef' sueco Magnus Ek, atarefado entre os fogões da "Madrid Fusión", um dos grandes encontros anuais dos mestres-cucas dos quatro rincões do planeta.

"Tento tirar o máximo que posso da natureza", comenta Ek, que todas as manhãs percorre os campos da ilha sueca de Oaxen em busca de "ervas silvestres, folhas e madeira".

Seu restaurante se integra a uma revolução gastronômica escandinava, liderada pelo chefe dinamarquês René Redzepi do Noma - designado o "melhor do mundo" pela influente Restaurant Magazine - e que se especializou numa culinária baseada na tradição local.

"Temos os mesmos princípios, embora com diferenças", explica Ek, enquanto que a seu redor, 12 profissionais de forno e fogão, de camisa branca e avental preto, preparam os pratos da próxima apresentação.

"Não ficamos assustados um usar produtos químicos quando queremos um efeito especial, mas, para nós, a química nunca é primordial", assegura, ao mesmo tempo em que observa seus ajudantes a elaborarem um molho à base de líquens.

A biodiversidade de nossa Terra oferece à culinária possibilidades infinitas, afirma o 'chef' venezuelano Nelson Méndez, que encontrou na alimentação indígena da Amazônia sabores inéditos para "o homem branco".

Descendente da etnia Baré, Méndez afastou-se há dez anos da cozinha francesa dos hotéis de luxo de Caracas para instalar-se em Porto Ayacucho, no coração da Amazônia venezuelana.

Ali se abastece diretamente dos produtos coletados e cultivados por três comunidades indígenas: Baré, Yanomami e Piaroa.

Em sua culinária "entram os insetos da selva, vermes de palmeiras, tarântulas e até 'bachacos', que são formigas gigantes", explica.

Reconhecendo que, "para um ocidental, pode ser um choque cultural", Méndez busca conjugar estes "produtos atípicos" com receitas clássicas.

Assim, a tarântula gigante, "que o indígena come assada na brasa, rompendo a couraça", se transforma em um croquete com as patas do animal incrustadas, e que se come junto com um molho um pouco picante, à base de araçá, uma espécie de goiaba.

E os vermes são assados envoltos em massa folhada elaborada com farinha de iúca.

Na Amazônia "há uma variedade de frutas e espécies animais pouco conhecida", diz o 'chef' venezuelano, destacando a necessidade de desenvolver uma cozinha sustentável de baixo impacto ambiental.

"Não podemos saquear essa despensa que, eu diria, não tem apenas uma estrela Michelin mas dez", assegura.

Ek está convencido da volta com força da culinária regional. "As pessoas estão orgulhosas da comida que alimentou gerações", afirma. "Querem fazer algumas mudanças, mas também conservar suas raízes", acrescenta.

É o caso do 'chef' japonês Nishihara Masato, premiado com duas estrelas Michelin por seu restaurante Kajitsu de Nova York, onde põe seu toque pessoal à 'cozinha shojin' dos monges budistas.

"Depois de trabalhar durante dez anos com a alta culinária japonesa, tive vontade de aprender um pouco mais, pesquisando na cozinha de um mundo mais antigo, mais profundo", recorda.

"Uso exclusivamente vegetais, principalmente raízes como nabo, cenoura, uma variedade de batata asiática, o 'gobou', mesmo porque na 'cozinha shojin' não são permitidos os animais, assim como os ovos e o leite", tendo como própria essência o respeito à natureza.