O que está por trás da onda de protestos nos países árabes?
Mais de três anos atrás, o presidente americano, Barack Obama, disse a uma plateia no Cairo que "nós nos encontramos em uma época de grande tensão entre os Estados Unidos e os muçulmanos ao redor do mundo". Seu discurso, entitulado Um Novo Começo, buscava transcender a animosidade da era Bush.
Esta semana, enquanto protestos se espalharam pelo norte da África e Oriente Médio, Obama pode ter-se perguntado: o que deu errado?
A verdade é que não há uma explicação única.
Uma resposta é que a onda de revoltas políticas do ano passado, conhecida como a Primavera Árabe, é responsável.
Afinal, os protestos começaram no Egito, que no ano passado tornou-se a democracia mais populosa do mundo árabe, e se espalhou para a Líbia, que tornou-se a maior em área geográfica.
A Primavera Árabe, de fato, deu força a uma série de movimentos islâmicos e enfraqueceu as capacidades de reforçar a lei destes países.
Neste ambiente político febril, os protestos podem ter tido mais facilidade para começarem, mais simplicidade de serem explorados por extremistas, e mais dificuldade de serem gerenciados por forças de segurança confusas.
O filme como estopim
Mesmo assim, só isso não explica por que alguns dos episódios de violência mais sérios desta semana ocorreram no Sudão, e outras manifestações em locais geralmente mais calmos, como o Catar.
Além disso, tal tipo de violência já ocorre muito antes da Primavera Árabe e frequentemente ocorria sob os olhos de ditadores, sendo os exemplos mais recentes as reações à publicação de charges do Profeta Maomé por um jornal da Dinamarca, em 2006.
O segundo argumento é que estamos testemunhando um profundo sentimento de antiamericanismo, silencioso por grande parte do ano passado, fundido ao extremismo religioso, tendo o controverso filme Innocence of Muslims (Inocência dos Muçulmanos, em tradução livre), apenas como estopim.
De acordo com uma pesquisa de opinião do instituto Pew, de junho deste ano, apenas 15% das pessoas em países muçulmanos têm uma opinião positiva dos Estados Unidos, uma redução em comparação aos 25% de 2009.
As pesquisas indicam que o sentimento de antiamericanismo se origina de uma série de queixas, entre elas a política externa de Washington com relação ao conflito entre israelenses e palestinos, as guerras dos EUA no Oriente Médio (Iraque e Afeganistão) e o apoio americano a ditadores da região.
A ironia é que, enquanto Barack Obama é muitas vezes ridicularizado por seus críticos no Ocidente por apoiar revoluções de forma ingênua, a maior parte dos árabes vê suas ações como demasiadamente tardias e insuficientes.
Na Tunísia, por exemplo, somente um terço da população acredita que a resposta americana à revolução teve um impacto positivo.
Nuances
É necessário, no entanto, diferenciar o sentimento de antiamericanismo do extremismo religioso.
Há várias nuances neste campo entre a população atual de alguns dos países envolvidos nos protestos mais violentos que ocorreram nesta semana.
Aqueles com menos de 35 anos, por exemplo, tendem a agir muito mais por motivação política do que religiosa. As pessoas dessa faixa etária, vistas como o verdadeiro motor por trás da Primavera Árabe, têm probabilidade muito menor de rezar diversas vezes ao dia, ir à mesquita regularmante ou ler o Alcorão diariamente.
Há números que também chamam a atenção. No Egito, 35% da população querem que as relações com os EUA permaneçam fortes, e 20% querem que a aliança se solidifique ainda mais. Na Tunísia, 60% dizem gostar dos ideais democráticos americanos e na Líbia 54% aprovam a liderança de Washington.
Os desafios para os EUA, no entanto, são cruciais. Legalmente, há muito pouco que Washington pode fazer para conter a divulgação do vídeo e a política externa não deve ser alterada para atender a queixas regionais.
As intervenções de Obama no conflito entre israelenses e palestinos, por exemplo, acabaram de forma humilhante anos atrás, após terem sido rejeitadas por Israel. Além disso, o programa nuclear do Irã ofuscou o processo de paz.
Egito e desafios
A maneira com que o governo egípcio vem lidando com os protestos abalou a confiança de dos EUA no novo presidente, Mohammed Mursi, que apesar da contínua dependência militar e financeira de Washnigton hesitou em condenar os protestos.
A declaração de Obama "Eu não acho que consideraríamos [o Egito] um aliado, mas não os consideramos um inimigo" mostra como as relações entre os dois países está mudando.
Veremos mais pressão para que os EUA deixem o Oriente Médio, passem a utilizar "embaixadas fortificadas" e acelerem o processo de focar mais atenção na Ásia.
A ironia é que justamente no momento em que os governos pós-revolucionários mais precisam de ajuda para construir suas instituições, pequenos grupos de suas populações estão tornando a tarefa muito mais difícil.
*Shashank Joshi é pesquisador do instituto Royal United Services, um grupo de pesquisa na área de defesa, e doutorando em relações internacionais na Universidade de Harvard, nos EUA.
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