Posse de Chávez gera apreensão e incerteza na Venezuela
A Venezuela entra em uma semana que ameaça colocar o país na inédita situação de ter que definir na Justiça sobre quem tem o direito de chefiar o governo.
Na origem dessa polêmica está a incerteza sobre a presença do presidente Hugo Chávez - convalescente em Cuba após sua quarta cirurgia para combater um câncer - na cerimônia de posse para o seu novo mandato, na quinta-feira, dia 10 de janeiro.
Governo e oposição têm interpretações diferentes sobre como proceder caso Chávez não seja juramentado para o mandato até 2019, para o qual foi eleito em outubro.
Nos próximos dias, a Assembleia Nacional - de maioria governista - deve enviar uma consulta ao Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) solicitando um parecer favorável ao adiamento da posse, sob a interpretação de que há uma continuidade do governo Chávez, razão pela qual o governo diz considerar mera "formalidade" a cerimônia de posse.
A oposição rejeita essa interpretação e diz que, se na quinta-feira Chávez não comparecer à posse, o Parlamento deverá declarar sua ausência temporária e solicitar à Corte Suprema que uma equipe médica avalie as condições de saúde do presidente para determinar se ele poderá, ou não, assumir o mandato.
"Não se trata de formalidade. Se não comparecer, ele (Chávez) passaria a ser presidente eleito em situação de ausência temporária", afirmou à BBC Brasil Gerardo Blyde, advogado e prefeito opositor do município de Baruta, Caracas.
Entenda a situação na Venezuela
O presidente da Venezuela Hugo Chávez, reeleito para seu terceiro mandato em outubro de 2012, deveria reassumir a Presidência em 10 de janeiro próximo, perante a Assembleia Nacional.
Segundo a Constituição, caso seja declarada a ausência absoluta de Chávez, Maduro deve assumir a presidência temporária até o fim do atual mandato - 10 de janeiro - e o país deverá realizar novas eleições em 30 dias.
Mas se esta ausência não for declarada e Chávez não puder assumir um novo mandato em 10 de janeiro, seria aberto um período de incerteza institucional no país.
Antes de partir a Havana para realizar mais uma cirurgia para combater o câncer, em dezembro de 2012, Chávez anunciou que o vice-presidente Nicolás Maduro assumiria a presidência em sua ausência.
Além disso, a vontade de Chávez é que Maduro seja o candidato governista nas novas eleições que devem ser convocadas caso ele seja declarado oficialmente incapacitado de tomar posse de seu novo mandato.
Se a junta médica determinasse que Chávez não está em condições de continuar na Presidência, seria decretada a "ausência permanente", e novas eleições deveriam ser convocadas em 30 dias consecutivos à decisão.
'Golpe constitucional'
Em ambos casos, a Presidência seria assumida interinamente por 90 dias pelo presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, que chefiaria o governo até a posse do próximo presidente eleito.
Caso contrário, na opinião do jurista Asdrubal Aguiar, ex-magistrado da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o governo cometeria um "golpe constitucional".
A coalizão de oposição Mesa de Unidade Democrática (MUD) convocou uma reunião de emergência nesta segunda-feira para avaliar a situação e decidir sobre que ações tomar.
Para o deputado governista Roy Daza, a MUD se nega a interpretar uma situação "inédita" e busca uma "justificativa" para fortalecer a tese de vazio de poder e preparar o caminho para um "golpe de Estado".
"Aqui não haverá vazio de poder", afirmou à BBC Brasil Daza, do governista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV). "Chávez continua sendo o presidente em exercício, e o que estamos discutindo é que se cumpra o mandato popular (resultado da eleição) de 7 de outubro."
Afetado por uma "severa" infecção pulmonar, é pouco provável que Chávez regresse à Caracas para ser juramentado. Se confirmada a ausência de Chávez, será a primeira vez na história democrática do país, desde 1959, que o presidente falta na posse.
"Chávez continuará sendo o presidente além de 10 de janeiro", afirmou o deputado Diosdado Cabello, o número dois na hierarquia chavista, pouco depois de sua reeleição como presidente da Assembleia Nacional, no sábado.
Sua manutenção na liderança do congresso é vista como uma demonstração de unidade e força entre os governistas, em meio a rumores de que haveria um racha entre Cabello e o vice-presidente, Nicolás Maduro.
A solução do impasse estará nas mãos do TSJ, que ainda não se pronunciou sobre o caso. Ao que tudo indica, deverá dar parecer favorável à interpretação do Executivo.
Antes de viajar a Havana, em dezembro, para ser operado, Chávez antecipou a crise, ao apontar Maduro como sucessor e candidato presidencial caso sua saúde o impeça de assumir o novo mandato.
Nas ruas, o clima de comoção entre os simpatizantes do governo permanece.
Alguns se arriscam a pensar sobre o futuro sem Chávez e afirmam que serão "leais" à decisão do presidente, caso novas eleições tenham de ser convocadas.
Outros, principalmente os mais idosos, apelam à fé e dizem acreditar na recuperação do líder venezuelano. "Ele é o homem das dificuldades, das grandes batalhas, ele vai se curar", disse a aposentada Nora Cáceres.
Constituição
O artigo 231 da Constituição, alvo da polêmica, determina que o presidente tome posse diante do Parlamento em 10 de janeiro, mas também afirma que, "por qualquer motivo inesperado", o presidente pode ser juramentado pelo TSJ, sem especificar a data ou local da cerimônia.
Amparado na ambiguidade da segunda parte do artigo, o governo pretende fortalecer a tese de "extensão" do mandato presidencial, flexibilizando assim a obrigatoriedade do dia da posse.
"O presidente reeleito continua no cargo e tem uma autorização da Assembleia Nacional para cuidar de sua saúde. Quando puder, tomará posse, já como presidente em funções", afirmou Maduro, no sábado, logo depois de acompanhar a eleição na casa.
A tese de continuidade do atual mandato garante que o gabinete se mantenha intacto, sem alterações que poderiam, na opinião de analistas, perturbar a unidade chavista neste momento de crise.
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