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Ouvidoria constata degradação e abusos em prisões do Brasil

14/05/2013 17h37

Relatórios da ouvidoria do Depen (Departamento Penitenciário Nacional) constataram indícios de irregularidades como degradação de instalações, abusos contra presos, superlotação, falhas no atendimento de saúde e falta de segurança em 56 inspeções realizadas em unidades prisionais brasileiras no ano de 2012.

Os problemas foram encontrados em presídios, penitenciárias, colônias agrícolas, hospitais de custódia, entre outras unidades, inspecionados nos Estados do Acre, Alagoas, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Piauí e Rio Grande do Sul. As unidades inspecionadas representam menos de 5% do total do país.

Em 70% delas (38), técnicos do governo federal e representantes do Judiciário constataram rachaduras e infiltrações em paredes, além de fiações aparentes, celas sem ventilação e problemais hidráulicos nos edifícios prisionais - muitos deles construídos há décadas.

Uma das irregularidades estruturais mais evidentes foi constatada pelos técnicos no Presídio Regional de Patos, na Paraíba, onde a urina produzida por presos de uma unidade masculina gotejava nas celas do pavimento inferior - onde dormiam detentas com crianças recém-nascidas.

Sobre outra unidade do mesmo Estado, o "complexo 'Serrotão'", na região do município de Campina Grande, os técnicos disseram que o local "fica ao lado de uma pedreira e, sempre que há explosões nela, as paredes das celas trincam, eis que são muito frágeis e velhas".

Em 15 das unidades, os problemas estruturais se somavam à ausência de um plano de combate a incêndios e à falta de extintores.

O problema da superlotação foi encontrado em mais da metade das instalações investigadas (30). O Depen estima que há hoje um déficit nacional de quase 240 mil vagas no sistema prisional.

Além da falta de espaço físico, os relatórios revelaram também que não há número suficiente de camas e colchões em bom estado em ao menos 33% (19) das prisões inspecionadas. Nelas, os técnicos encontraram colchões sujos e deteriorados a ponto de favorecer a proliferação de insetos e doenças.

Maus-tratos e tortura

Em cerca de 20% (11) das unidades prisionais inspecionadas foram encontrados indícios de maus-tratos ou da prática de tortura contra detentos por agentes prisionais.

Entre eles estavam hematomas nos corpos de presos, denúncias verbais feitas pelos detentos e marcas de tiros de borracha encontradas dentro das celas (munição não-letal não pode ser disparada a curta distância, e a maioria das celas não tem mais de quatro metros de comprimento).

Segundo uma denúncia coletada pela equipe, em Alagoas, uma equipe especial da Polícia Militar teria entrado em uma penitenciária do Estado e obrigado um grupo de presos a ficar nu no pátio da unidade. Lá, eles teriam sido agredidos por cerca de três horas com chutes, choque, gás de pimenta, cães, balas de borracha - além de violência psicológica.

Na mesma unidade, os técnicos encontraram detentos com diversas marcas pelo corpo. Autoridades locais negaram que os hematomas tivessem sido produzidos por seus agentes.

A ouvidora Valdirene Daufemback disse à BBC Brasil que denúncias de maus-tratos chegam ao órgão a partir de todas as regiões - não apenas das unidades inspecionadas em 2012.

"Há abuso de poder e muitos castigos desproporcionais. Já soubemos de presos que por terem levantado a cabeça - quando deveriam estar com ela abaixada - perderam o direito de receber visitas por 30 dias", disse.

Uma dessas denúncias foi recebida durante a visita à Penitenciária Doutor Romeu Gonçalves de Abrantes, na Paraíba. Dois dententos afirmaram ter sido punidos por cantarolar enquanto lavavam um banheiro - contrariando a proibição dada por um agente prisional.

Como castigo, teriam sido enviados para uma cela de isolamento, onde teriam permanecido cinco dias - saindo apenas ao iniciar uma greve de fome. "O local deste isolamento estava imundo, tantas larvas ali havia que eles podiam encher as mãos", diz um dos relatórios de visita.

Em uma unidade feminina do mesmo Estado, segundo denúncia da Pastoral Carcerária, uma detenta teria sido mantida por três dias algemada com as mãos para cima em um ambiente onde fazia forte calor. Menstruada durante esse período, ela não teria tido direito ao acesso a absorventes íntimos.

Segundo o juiz Luciano Losekann, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), atualmente a maior parte dos casos de maus-tratos e torturas são registrados dentro de estabelecimentos prisionais, mas eles são difíceis de se investigar.

"Muitas denúncias não vêm à tona, não chegam a juízes e promotores. Quando eles ficam sabendo já passou muito tempo e é difícil obter provas", disse.

Acesso à Justiça

Também foram encontradas nas visitas falhas de segurança ou deficit de agentes prisionais em 17 unidades.

Indícios de problemas no atendimento de saúde, como falta de médicos e instalações adequadas, foram encontrados em 25% (14) das unidades visitadas. Falta de higiene, presença de insetos e ratos ou acúmulo de lixo foram constatados em 23% (13) dos casos.

Queixas sobre lentidão da Justiça e falta de acesso a advogados ou defensores públicos - para revisão de processos ou obtenção de benefícios da progressão penitenciária - foram relatadas em 32% (18) das unidades.

Muitos detentos relataram estar presos por muitos anos sem ter direito à progressão penitenciária. No Pará, foi encontrado por exemplo o caso de um detento surdo, preso em um hospital de custódia desde 2009. Ele não foi submetido a um teste que avaliaria sua periculosidade por não haver nenhum intérprete disponível.

Os relatórios analisados pela BBC Brasil foram divulgados publicamente pelo Ministério da Justiça. Inspeções ocorridas em unidades prisionais de outros dois Estados em 2012 ainda não foram divulgados pelo governo federal.