Mel, hermetismo e ópio: a estrutura do Taleban
O que acontece com um grupo extremista depois da morte de seu líder? Depende.
No caso do Taleban, sabe-se pouco sobre como se deu o processo de sucessão interna após a morte do mulá Omar ter sido confirmada, em julho deste ano.
Há indícios de divisões internas e multiplicam-se incertezas sobre como se reorganizou a cúpula do grupo extremista -- que ganhou fama mundial em 2001 após o 11 de Setembro e ainda controla algumas áreas do país.
Mas, nesta semana, o Taleban anunciou seu novo líder: o mulá Akhtar Mansour.
E o anúncio foi acompanhado de uma vitória militar importante: a tomada da cidade de Kunduz, no norte do Afeganistão, na última segunda-feira.
Depois de meses de investigação e com a ajuda de vários especialistas, a BBC conseguiu descobrir como se estrutura atualmente o grupo extremista, revelando não só como ele se financia, mas também como se reorganizou após a morte de um de seus principais fundadores e líderes históricos.
Os detalhes trazido à tona são em parte surpreendentes.
Segundo um relatório produzido por Barnett Rubin, analista internacional e membro do Centre on International Cooperation, centro de estudos ligado à Universidade de Nova York, a venda de mel foi uma das formas que o Taleban encontrou para arrecadar recursos.
"A rede Haqqani [grupo ligado ao Taleban] tem negócios no Afeganistão, Paquistão e em outros países do Golfo Pérsico entre os quais está incluída a venda de mel de abelha", explicou Rubin.
A unidade do Taleban acabou?
Uma das principais características do Taleban é que durante os anos de atividade sob o comando do mulá Omar o grupo extremista nunca apresentou sinais de divisão interna.
Nesta semana, apontou que pretende seguir por esse caminho ao demonstrar apoio unificado à sua nova liderança, o mulá Mansour.
"O Taleban é um grupo altamente ideológico e essa é a razão pela qual (seus integrantes) permaneceram unidos até agora. Eles obedecem plenamente as ordens do emir", disse à BBC Waheed Mozhda, analista internacional do Ministério das Relações Exteriores afegão.
"Eles têm consciência de que são mais fracos que os rivais e de que, uma vez divididos, poderiam ser facilmente derrotados por seus inimigos", acrescentou.
Outro fator importante é que a unidade faz parte dos princípios ideológicos do grupo.
"O Taleban foi fundado para pôr fim a facções. Dessa forma, mesmo que haja diferença de opiniões, eles nunca se organizam em facções. Todo mundo obedece às determinações do mulá", explicou.
Os dissidentes, por sua vez, deixam o grupo ou são expulsos e logo perdem a influência sobre os outros membros, afirmou o especialista.
"Ninguém quer ter mais voz dentro do grupo. Eles só competem por status, dinheiro ou poder", acrescentou Mozhda.
Como o Taleban se financia?
Uma das revelações surgidas a partir da investigação da BBC é que o Taleban nunca se estabeleceu como uma organização de grandes pretensões materiais.
Sobrevivem com pouco: nunca tiveram um braço no Paquistão, mas estão a todo momento deslocando-se pelo país, operando sobretudo em escolas islâmicas e mesquitas.
"Uma filial da rede de Haqqani - que pertence à estrutura da organização - foi encontrada na remota região do Waziristão, no Paquistão, mas não se sabe se ela permanece ativa", explicou à BBC Haroon Rashid, editor do serviço urdu da BBC.
A maior parte do dinheiro com que o Taleban consegue financiar suas atividades provem de recursos como extorsão contra estabelecimentos comerciais e proteção pela venda de drogas.
Mas o grupo extremista não vive apenas dessas atividades. Entre suas outras fontes de receita, estão o comércio de mel e do ópio -- um dos principais produtos do Afeganistão -- e o narcotráfico.
"Além de exigir impostos dos camponeses que cultivam papoulas dormideiras (planta usada para produzir ópio), também cobram pedágio em rodovias, roubam produtos e armamentos, e extorquem empresas privadas estrangeiras que preferem pagar ao grupo extremista do que ao Exército do país por sua proteção", afirmou Mozhda.
"Mas no último ano, o Taleban encontrou uma nova fonte de receita: a mineração, controlada pelo comitê financeiro, que é o segundo em importância na hierarquia do grupo, após o militar", acrescentou o especialista.
Como é feita a comunicação do grupo?
Seu hermetismo, mas sobretudo a capacidade de desenvolver redes internas de comunicações seguras, evidenciou como o grupo extremista conseguiu preservar a informação sobre a morte de seu líder, o mulá Omar.
Mas a morte de seu fundador reforçou a necessidade de proteger informações sensíveis da organização.
"A melhor opção para eles tem sido a comunicação 'boca a boca', evitando a tecnologia. Mas também possuem um sistema complexo de envio de cartas. Vi algumas que foram encontradas na cidade de Miranshah. Essa é a forma de comunicação entre membros do grupo", disse Rashid, do serviço urdu da BBC.
Rubin, do Centre on International Cooperation, ressalva, por outro lado, que o grupo não ficou "preso" ao passado.
"Eles possuem agora uma rede avançada de internet e mantêm atividade constante nas redes sociais", destacou.
Quem são os aliados do Taleban?
Frente ao crescimento do grupo autodenominado "Estado Islâmico", no Iraque e na Síria, e do Boko Haram, na Nigéria, antigas organizações insurgentes islâmicas ficaram em segundo plano, apesar do poderio que alguns, como a Al Qaeda e o Taleban, tinham no passado.
A Al Qaeda foi uma das principais aliadas do Taleban nos últimos anos, ajudando a arrecadar fundos para a organização.
No entanto, "o Taleban não recebe nenhum apoio militar da Al Qaeda que, por sua vez, não apoia nenhuma atividade jihadista a nível global", disse Rubin.
Em meio a tantas dúvidas, o único consenso é de que com a expansão do "EI" surgiu um novo inimigo que pretende ter uma autoridade "islâmica" sobre o território do Afeganistão.
"O líder do Taleban é somente o emir dos afegãos, mas eles não vão tolerar que outra figura queiram impor sua autoridade islâmica".
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.