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Mel, hermetismo e ópio: a estrutura do Taleban

O novo líder do Taleban, mulá Akhtar Mansour (à direita) - BBC
O novo líder do Taleban, mulá Akhtar Mansour (à direita) Imagem: BBC

29/09/2015 14h40

O que acontece com um grupo extremista depois da morte de seu líder? Depende.

No caso do Taleban, sabe-se pouco sobre como se deu o processo de sucessão interna após a morte do mulá Omar ter sido confirmada, em julho deste ano.

Há indícios de divisões internas e multiplicam-se incertezas sobre como se reorganizou a cúpula do grupo extremista -- que ganhou fama mundial em 2001 após o 11 de Setembro e ainda controla algumas áreas do país.

Mas, nesta semana, o Taleban anunciou seu novo líder: o mulá Akhtar Mansour.

E o anúncio foi acompanhado de uma vitória militar importante: a tomada da cidade de Kunduz, no norte do Afeganistão, na última segunda-feira.

Depois de meses de investigação e com a ajuda de vários especialistas, a BBC conseguiu descobrir como se estrutura atualmente o grupo extremista, revelando não só como ele se financia, mas também como se reorganizou após a morte de um de seus principais fundadores e líderes históricos.

Os detalhes trazido à tona são em parte surpreendentes.

Segundo um relatório produzido por Barnett Rubin, analista internacional e membro do Centre on International Cooperation, centro de estudos ligado à Universidade de Nova York, a venda de mel foi uma das formas que o Taleban encontrou para arrecadar recursos.

"A rede Haqqani [grupo ligado ao Taleban] tem negócios no Afeganistão, Paquistão e em outros países do Golfo Pérsico entre os quais está incluída a venda de mel de abelha", explicou Rubin.

A unidade do Taleban acabou?

Uma das principais características do Taleban é que durante os anos de atividade sob o comando do mulá Omar o grupo extremista nunca apresentou sinais de divisão interna.

Nesta semana, apontou que pretende seguir por esse caminho ao demonstrar apoio unificado à sua nova liderança, o mulá Mansour.

"O Taleban é um grupo altamente ideológico e essa é a razão pela qual (seus integrantes) permaneceram unidos até agora. Eles obedecem plenamente as ordens do emir", disse à BBC Waheed Mozhda, analista internacional do Ministério das Relações Exteriores afegão.

"Eles têm consciência de que são mais fracos que os rivais e de que, uma vez divididos, poderiam ser facilmente derrotados por seus inimigos", acrescentou.

Outro fator importante é que a unidade faz parte dos princípios ideológicos do grupo.

"O Taleban foi fundado para pôr fim a facções. Dessa forma, mesmo que haja diferença de opiniões, eles nunca se organizam em facções. Todo mundo obedece às determinações do mulá", explicou.

Os dissidentes, por sua vez, deixam o grupo ou são expulsos e logo perdem a influência sobre os outros membros, afirmou o especialista.

"Ninguém quer ter mais voz dentro do grupo. Eles só competem por status, dinheiro ou poder", acrescentou Mozhda.

Como o Taleban se financia?

Uma das revelações surgidas a partir da investigação da BBC é que o Taleban nunca se estabeleceu como uma organização de grandes pretensões materiais.

Sobrevivem com pouco: nunca tiveram um braço no Paquistão, mas estão a todo momento deslocando-se pelo país, operando sobretudo em escolas islâmicas e mesquitas.

"Uma filial da rede de Haqqani - que pertence à estrutura da organização - foi encontrada na remota região do Waziristão, no Paquistão, mas não se sabe se ela permanece ativa", explicou à BBC Haroon Rashid, editor do serviço urdu da BBC.

A maior parte do dinheiro com que o Taleban consegue financiar suas atividades provem de recursos como extorsão contra estabelecimentos comerciais e proteção pela venda de drogas.

Mas o grupo extremista não vive apenas dessas atividades. Entre suas outras fontes de receita, estão o comércio de mel e do ópio -- um dos principais produtos do Afeganistão -- e o narcotráfico.

"Além de exigir impostos dos camponeses que cultivam papoulas dormideiras (planta usada para produzir ópio), também cobram pedágio em rodovias, roubam produtos e armamentos, e extorquem empresas privadas estrangeiras que preferem pagar ao grupo extremista do que ao Exército do país por sua proteção", afirmou Mozhda.

"Mas no último ano, o Taleban encontrou uma nova fonte de receita: a mineração, controlada pelo comitê financeiro, que é o segundo em importância na hierarquia do grupo, após o militar", acrescentou o especialista.

Como é feita a comunicação do grupo?

Seu hermetismo, mas sobretudo a capacidade de desenvolver redes internas de comunicações seguras, evidenciou como o grupo extremista conseguiu preservar a informação sobre a morte de seu líder, o mulá Omar.

Mas a morte de seu fundador reforçou a necessidade de proteger informações sensíveis da organização.

"A melhor opção para eles tem sido a comunicação 'boca a boca', evitando a tecnologia. Mas também possuem um sistema complexo de envio de cartas. Vi algumas que foram encontradas na cidade de Miranshah. Essa é a forma de comunicação entre membros do grupo", disse Rashid, do serviço urdu da BBC.

Rubin, do Centre on International Cooperation, ressalva, por outro lado, que o grupo não ficou "preso" ao passado.

"Eles possuem agora uma rede avançada de internet e mantêm atividade constante nas redes sociais", destacou.

Quem são os aliados do Taleban?

Frente ao crescimento do grupo autodenominado "Estado Islâmico", no Iraque e na Síria, e do Boko Haram, na Nigéria, antigas organizações insurgentes islâmicas ficaram em segundo plano, apesar do poderio que alguns, como a Al Qaeda e o Taleban, tinham no passado.

A Al Qaeda foi uma das principais aliadas do Taleban nos últimos anos, ajudando a arrecadar fundos para a organização.

No entanto, "o Taleban não recebe nenhum apoio militar da Al Qaeda que, por sua vez, não apoia nenhuma atividade jihadista a nível global", disse Rubin.

Em meio a tantas dúvidas, o único consenso é de que com a expansão do "EI" surgiu um novo inimigo que pretende ter uma autoridade "islâmica" sobre o território do Afeganistão.

"O líder do Taleban é somente o emir dos afegãos, mas eles não vão tolerar que outra figura queiram impor sua autoridade islâmica".