Blogueiro ultramachista causa revolta com defesa de superioridade masculina
Um grupo "neomachista" com visões extremas sobre os direitos da mulher teve que cancelar uma série de encontros globais, mas conseguiu espalhar sua mensagem pelo mundo com a ajuda de petições, reportagens e declarações de autoridades que condenaram suas ações.
O episódio levantou a questão: não teria sido tudo uma estratégia para gerar publicidade às opiniões polêmicas do grupo? O blog teria, desta maneira, enganado políticos e a própria mídia?
Criador do blog Return of Kings (ROK, ou retorno dos reis, em português), o americano Daryush Valizadeh, 36 anos, conhecido como Roosh V, manifesta de forma aberta o desejo de causar indignação.
"Não há mais nada que a mídia possa fazer para me atingir. Até se me pintarem como um assassino de bebês, ganharei leitores por causa disso", afirmou após um documentário da BBC criticar suas ideias.
"Enquanto meu nome sair da boca de meus inimigos, vencerei e continuarei a vencer."
Por esse critério, Roosh V foi, de fato, um vencedor na semana passada.
A oposição à proposta do blogueiro de organizar, no sábado, uma "happy hour social" de homens em diferentes cidades pelo mundo começou com uma petição online na Austrália, que rapidamente teve milhares de adesões.
A reação de Valizadeh foi anunciar, pelo Twitter, que havia marcado viagem para a Austrália.
O ato motivou uma chuva de críticas na mídia, e até um pedido ao ministro da Imigração da Austrália, Peter Dutton, para negar visto de entrada ao blogueiro.
"Vou entrar no seu país, fazer minhas reuniões, rir e cair fora. Suas autoridades gays não irão me impedir", escreveu Valizadeh em resposta. Ele provocou jornalistas australianas com propostas sexuais e disse que entraria na Austrália até de barco.
Mas ele nunca chegou a pedir visto de entrada e a "passagem de avião" que publicou no Twitter era apenas uma consulta de preços feita pela internet.
'Fertilidade e beleza'
De fato, a posição antifeminista do blog é tão extrema que alguns comentaristas dizem acreditar que seja um grupo de "trolls" que exista apenas para incomodar as pessoas.
O chamado "trolling" é uma manifestação que se popularizou na internet, quando um grupo elege um alvo para ser bombardeado com insultos, provocações e ameaças.
O site ROK publica títulos como: "Como transformar uma feminista em sua escrava sexual" e "Como convencer uma moça a abortar".
Na seção sobre valores da comunidade do blog, há afirmações como "o valor da mulher depende significativamente de sua fertilidade e beleza", enquanto "o valor do homem depende de sues recursos, inteligência e caráter".
Os líderes do Return of Kings dizem que sua campanha é sincera, mas não escondem a prática de estimular reações furiosas de feministas, ativistas LGBT e outros públicos tidos como inimigos.
"Expressamos nossas ideias de modo a chamar atenção para nosso trabalho e para entreter nossa audiência, porque acreditamos que nossa perspectiva tem valor e deve ser difundida. Não confundam arte provocativa com trolling", escreveu um colaborador do site.
Tecnologia e 'trolls'
A especialista em crimes cibernéticos a ex-policial Susan McLean diz que as ações do grupo não configuram "trolling" no sentido clássico da expressão.
"Trolling costuma envolver grupos ou indivíduos que se concentram em uma pessoa e a agridem no ambiente virtual, o que é diferente de uma ameaça de briga em um bar", disse McLean.
"Mas certamente é um emprego errado da tecnologia, (usando) ameaças e assédio para incomodar as pessoas na Austrália."
Para McLean, o blogueiro escolheu a Austrália de forma intencional, devido à força do debate no país sobre abusos contra a mulher e liberdade de expressão.
Violência doméstica e direitos da mulher têm sido assuntos da vez na Austrália, em grande parte pela ação da ativista Rosie Batty, que ganhou o título de "Australiana do Ano", concedido por uma organização governamental.
"Ele está usando essa irritação causada por suas visões como um trampolim, e sabe muito bem que irá criar um frenesi na mídia e muito ódio", diz a especialista.
Liberdade de expressão
A Austrália nos últimos anos chegou a negar vistos de entrada a pessoas com valores considerados em desacordo com os padrões locais.
O rapper Tyler the Creator e o "treinador de sedução" Julien Blanc tiveram a entrada negada após serem acusados de misoginia em campanhas.
Simon Breheny, diretor do Instituto de Assuntos Públicos da Austrália, disse que esses episódios motivaram um forte debate no país sobre os limites da liberdade de expressão e se o governo foi longe demais nesses vetos.
"Esses casos deram destaque muito grande na mídia às pessoas em questão, então foram vistos também um pouco como tática para conseguir uma exposição espontânea", afirmou Breheny.
Condenação política
A onda de revolta se espalhou da Austrália ao Reino Unido, Estados Unidos, Canadá e outros países, mas Roosh e o ROK mantiveram a postura desafiadora, ameaçando transferir os encontros para ambientes fechados.
"Como esse encontro nunca teve a intenção de ser uma briga com mulheres feias, vou tentar manter o maior número possível de eventos até sábado", escreveu o blogueiro no meio da semana passada.
No Reino Unido, um deputado pediu que o governo vete a participação de Roosh em eventos na Escócia e na Inglaterra - embora não tenha havido manifestação oficial neste sentido.
O prefeito de Ottawa (Canadá), Jim Watson, entrou na discussão e afirmou, via Twitter, que as visões "pró-estupro, homofóbicas, e misóginas" do blogueiro "não são bem-vindas".
Outros políticos - como o governador do Texas (EUA), Greg Abbott, e os prefeitos de Melbourne (Austrália), Robert Doyle, e de Calgary (Canadá), Naheed Nenshi - manifestaram opiniões parecidas.
No último dia 4, quinta-feira, Valizadeh anunciou que estava cancelando os encontros porque não poderia "garantir a segurança e privacidade dos homens interessados em participar".
Foi uma espécie de vitória para os oponentes do ROK. Mas o nome de Roosh V já é bem mais conhecido do que no começo da semana. O site dobrou seu tráfego habitual de 82 mil visitantes únicos por dia.
No dia em que anunciou o cancelamento dos eventos, Valizadeh escreveu no Twitter: "Hoje sou mais popular que Jeb Bush (pré-candidato republicano à Presidência dos EUA) - lol (rindo bem alto)". Talvez ele tenha conseguido exatamente o que queria.
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