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Guerra da Rússia-Ucrânia

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Guerra na Ucrânia: como sobrevivente de ataque a escola virou alvo de fake news

Olga Robinson e Orysia Khimiak

BBC Monitoring

02/05/2022 12h08

Depois que um ataque aéreo atingiu uma escola em Chernihiv, na Ucrânia, um vídeo de uma sobrevivente ensanguentada viralizou nas redes sociais ucranianas.

Mas logo sua história foi capturada por contas pró-Kremlin, incluindo uma conta promovida pelo Ministério das Relações Exteriores da Rússia, que a acusava falsamente de ser fake. Entenda o caso:

"Não houve barulho de bombardeio", diz Tania. "De repente, o prédio em que estava foi atingido e tudo ficou escuro. Em seguida, desabou."

Tania se viu em meio a um ataque aéreo no início de março. Ela estava ajudando a separar roupas para uma campanha de ajuda humanitária na escola número 21 em Chernihiv, ao norte da capital Kiev, quando um míssil atingiu o local.

Embora as autoridades não tenham divulgado o nome da escola, a BBC conseguiu confirmar o edifício específico por meio de imagens postadas no aplicativo de mídia social Telegram.

As autoridades locais relataram, na época, que aeronaves russas atingiram duas escolas naquele dia, deixando nove pessoas mortas e quatro feridas.

Tania desmaiou com a explosão. Ela diz que, quando recuperou a consciência, percebeu que estava viva e podia andar. Ela se levantou, olhou em volta e viu pessoas em estado de pânico. Ela também notou corpos caídos no chão, incluindo o de uma mulher que estava ao lado dela minutos antes do ataque.

Assustada, ela fugiu para sua casa. Lá, ela postou um vídeo no Instagram —ainda coberta de sangue e com ferimentos visíveis no rosto— no qual explicava o que havia acontecido.

"Estava na escola número 21 quando a explosão aconteceu", diz ela no clipe. "Sobrevivi. Boa sorte a todos. Espero que vocês tenham mais sorte do que eu".

"Por que estou gravando esta história? É só que havia muitas crianças naquela escola. Não sei se elas sobreviveram. Basta enviar este vídeo para todos os seus amigos russos."

Em questão de horas, seu vídeo viralizou na Ucrânia. O clipe recebeu dezenas de milhares de visualizações no Instagram e foi republicado por vários sites de notícias ucranianos.

Tania disse à BBC que passou a ter milhares de novos seguidores e recebeu dezenas de mensagens no Instagram —algumas de apoio, outras de ameaça.

Russos estavam entre aqueles que escreveram para ela. Alguns deles pediram desculpas pelas ações das autoridades de seu país. Mas outros não acreditaram em sua história e a chamaram de "fake".

Fake news?

Logo os amigos de Tania começaram a enviar-lhe capturas de tela de meios de comunicação russos e bielorrussos, nos quais seu vídeo foi descrito como uma invenção.

Reportagens desses países a descreviam como uma "aluna", alegavam que a ferida em seu rosto não era real, que o sangue em seu rosto não parecia natural e que ela estava se comportando muito "normalmente" para uma pessoa que acabara de sobreviver a um bombardeio.

As alegações eram falsas. Tania não é "aluna" —ela tem 29 anos e trabalhava como garçonete antes da invasão começar.

Fotos que ela tirou de si mesma no segundo dia após o ataque —compartilhadas com a BBC— mostram claramente lesões faciais consistentes com as imagens que ela postou no Instagram.

Quanto à sua aparência relativamente "calma", Tania disse à BBC que estava em "choque profundo" quando gravou o vídeo.

"Estava calma e não estava com medo. Apenas chocada", diz ela. "Algumas horas depois, estava histérica. Nos dois dias seguintes, não consegui comer nem dormir, apenas chorei. Foi um pesadelo."

Algumas reportagens russas também alegaram que escolas em toda a Ucrânia pararam de funcionar no início da invasão e, por isso, não poderia haver muitas crianças naquele local no momento do ataque.

Mas a instituição estava sendo usada como ponto de coleta de ajuda humanitária e considerada um local seguro pelos moradores locais, diz Tania, alguns dos quais trouxeram seus filhos para lá.

Autoridades locais confirmaram o relato de Tania. Vyacheslav Chaus, chefe da administração estadual regional de Chernihiv, disse à BBC que o porão da escola estava aberto para que os civis locais pudessem se esconder em caso de bombardeio.

Checagem

Tania é um dos vários civis ucranianos que foram falsamente acusados pelos meios de comunicação russos —e até mesmo pelo governo daquele país— de fake news.

Entre as principais fontes que espalharam falsas alegações sobre Tania estava uma conta chamada War on Fakes, em que o suposto "desmascaramento" de seu vídeo já foi visto mais de 400 mil vezes no Telegram.

Promovido pelo Ministério das Relações Exteriores da Rússia e pelas embaixadas nas redes sociais, diz ser um projeto multilíngue de "checagem de fatos" que afirma fornecer "informações imparciais sobre o que está acontecendo na Ucrânia".

Embora algumas de suas checagens de fatos sejam genuínas, também inclui informações falsas, como as alegações contra Tania. E seu conteúdo repete os argumentos de Moscou sobre a guerra: o de que a Ucrânia é o agressor, que os ucranianos estão cometendo crimes de guerra generalizados e que qualquer evidência de irregularidades russas é fabricada.

Histórias atribuídas ao War on Fakes ou ecoando seus argumentos apareceram em comunidades pró-Kremlin na rede social russa VK, em vários meios de comunicação regionais russos e em pelo menos uma agência de notícias e TV estatal bielorrussa.

Tristeza e flashbacks

Tania diz que não sentiu raiva, mas tristeza quando viu as falsas alegações sobre si mesma circulando online.

"Fiquei triste e com pena dessas pessoas que acreditam em todas essas mentiras. Eles estão com tanto medo de admitir que esta guerra é real e todas essas coisas estão acontecendo, então é mais fácil para eles encontrar desculpas ou razões para não acreditar nela ou chamar minha história de mentirosa. É mais fácil para eles acreditarem que a Ucrânia é um teatro e os ucranianos são atores."

Tania deixou a Ucrânia rumo à Polônia. Ela agora tem uma cicatriz no rosto. Sua visão foi danificada pelo bombardeio e ela diz que está sofrendo de estresse pós-traumático.

"Tenho flashbacks do ataque mesmo quando estou na Polônia", diz ela. "Francamente, não acho que estou pronta para voltar para casa."