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Bairro que papa visitou em Assunção acaba o ano submerso após nova enchente

31/12/2015 14h43

Quase meio ano após receber a visita do papa Francisco, a capela San Juan, localizada em um humilde bairro nas margens do rio Paraguai, permanece submersa sob as águas das recentes inundações que alagaram as zonas ribeirinhas de Assunção.

Nada faz pensar agora que neste lugar esteve o púlpito de onde em 12 de julho o papa Francisco pronunciou um de seus discursos perante os fiéis de Los Bañados, como são denominados estes bairros pobres do litoral da capital paraguaia, e que hoje são os mais afetados pelas inundações que forçaram a evacuação de mais de 100 mil pessoas só em Assunção.

Sobre o palco do qual o pontífice abençoou uma multidão de crentes, foi erguida hoje a improvisada casa de Víctor Bóveda, que mora nesta área de Assunção há 60 anos e é capaz de enumerar as datas das últimas cheias que assolaram o bairro.

A última ocorreu há quase um mês, quando o rio Paraguai transbordou e invadiu sua casa. Bóveda teve que carregar cama, geladeira, ventilador e alguns outros móveis e utensílios em uma espécie de balsa construída com vasilhas vazias de combustível e paletas de obra.

Há apenas alguns meses, esse local, que hoje parece uma grande piscina na qual várias crianças brincam para aguentar o calor, já foi uma espécie de campo lotado de gente para ver o papa Francisco.

Bóveda ergueu uma casa feita com finas lâminas de madeira e pôs sua balsa-reboque flutuante a serviço de seus vizinhos para transportar mercadorias ou resgatar da água alguns objetos.

Apesar das recorrentes cheias do rio o obrigar, cada vez com mais frequência, a abandonar seu lar, Bóveda expressou seu desejo de permanecer no bairro, que está próximo às áreas centrais da capital onde trabalha como pedreiro.

"Se eu vou para longe e não pagam minha passagem, como vou trabalhar? Aqui se não tenho o que comer, meu vizinho me dá, mas isso não acontece em outros lugares. Por isso ninguém quer sair de Los Bañados, porque aqui está a felicidade dos pobres", afirmou.

Este espírito de solidariedade e de alegria, ainda em meio às piores previsões, encoraja Mabel Duré, 36, a resistir junto com seus três filhos adolescentes em uma casa rodeada pela água e escorada sobre o telhado que era de sua casa.

"Seria muito mais duro se fizesse frio, mas agora que estamos no verão temos a piscina na porta de casa", brincou Duré, enquanto um de seus filhos se aproximava nadando.

Duré explicou que não quer abandonar sua casa porque se sente mais segura ali do que em um refúgio no meio de uma rua, e advertiu que seria muito difícil se locomover para outro bairro da Grande Assunção, como tentam há anos as autoridades locais para atenuar a situação que a cada ano enfrentam os moradores de Los Bañados.

"Se vou para longe daqui, vão pedir que tenha um trabalho seguro, mas isso não há, porque eu trabalho reciclando e meu marido é pedreiro. Não vão nos aceitar com as galinhas, os porcos, os cachorros...", comentou.

Seus porcos se amontoam agora em uma pocilga flutuante junto à casa, como se tivessem se transformado em anfíbios, enquanto suas galinhas substituíram o curral pelos galhos de uma árvore para se resguardar.

Parte destes animais fez parte do menu de jantar da noite do dia 24 de dezembro, que a família de Duré e outras da região celebraram juntas, observando da água, segundo relatou, os fogos de artifício lançados na baía de Assunção, muito perto dos arranha-céus do centro da capital, já a salvo das águas.

As previsões apontam que lares de Los Bañados como o de Duré voltarão a ser habitáveis em um prazo médio de nove meses, quando o nível do rio cair e as águas voltarem a seu leito. Enquanto isso, muitos moradores resistem nestes bairros.