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Opinião: Trump despreza aliados e prejudica a retomada da democracia na Venezuela

27.mar.2019 - Presidente dos EUA, Donald Trump, recebe Fabiana Rosales, esposa de Juan Guaidó, no Salão Oval da Casa Branca - Saul Loeb/AFP
27.mar.2019 - Presidente dos EUA, Donald Trump, recebe Fabiana Rosales, esposa de Juan Guaidó, no Salão Oval da Casa Branca Imagem: Saul Loeb/AFP

Javier Corrales*

Em Amherst, Massachusetts (EUA)

22/05/2019 17h57

O pedido do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, por uma mudança de regime na Venezuela está provocando críticas dos dois lados do espectro político. A extrema-esquerda denuncia o imperialismo; a extrema-direita se queixa de hesitação.

Esse debate despreza o que talvez seja um problema mais sério na nova abordagem dos Estados Unidos à Venezuela: está dividindo os próprios aliados, enquanto reforça os adversários internacionais. Em outras palavras, má gestão da coalizão.

O grupo Tirem as Mãos da Venezuela! afirma que os Estados Unidos estão agindo por interesse próprio e que uma intervenção agravaria as condições no país. Em contraste, conservadores afirmam que a política dos Estados Unidos é fraca. Na opinião desse grupo, ao não intervir de maneira forçosa, os Estados Unidos estão deixando as forças democráticas na Venezuela desarmadas e vulneráveis à repressão.

Os dois lados exageram em suas teses. Foram necessárias graves violações aos direitos humanos, juntamente com um lobby persistente da oposição e de aliados internacionais, para alterar a política americana em relação à Venezuela, de ambivalência para um firme compromisso com a democracia. O governo Trump não está apenas baseando a política em fatos; ele passou a compreender que quando um Estado de narcotraficantes semifalido é deixado sem restrição, como querem os isolacionistas, os cidadãos e os vizinhos pagam o preço.

Do mesmo modo, os conservadores podem estar minimizando o poder da nova abordagem dos Estados Unidos. O governo Trump adotou sanções que cortaram o regime de Nicolás Maduro de uma fonte crítica de financiamento, e ofereceu alívio das sanções a oficiais militares que traírem o ditador. Enquanto as deserções em massa ainda não se materializaram, pela primeira vez desde que ele assumiu o poder alguns oficiais o estão abandonando em favor do líder da oposição, Juan Guaidó. As deserções são o primeiro passo na direção de uma transição democrática, e embora elas tenham sido muito menos frequentes do que Trump desejaria foram mais significativas do que os conservadores admitiram.

Perde-se na discussão esquerda-direita o fato de que Trump está falhando ao administrar os atores internacionais envolvidos no impasse venezuelano. A mudança de regime exige uma gestão efetiva desses atores. Isso inclui o grupo de mais de 50 países que apoiam Guaidó, que se autoproclamou presidente da Venezuela. Os Estados Unidos, é verdade, tiveram um papel construtivo ao ajudar a oposição venezuelana a forjar sua coalizão de aliados. Mas agora os Estados Unidos estão adotando políticas que enfraquecem a coalizão.

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Em março, Trump criticou o presidente da Colômbia, Iván Duque, um aliado chave, dizendo que "ele não fez nada" para conter um recente aumento nas exportações de coca. Essa humilhação pública obrigou Duque a ceder à pressão e adotar posições conservadoras impopulares, como descumprir alguns aspectos dos acordos de paz de 2016 com as guerrilhas e pedir que os tribunais revertam a proibição judicial da aspersão aérea de glifosfato, um herbicida ligado ao câncer, para eliminar as plantações de coca. Quanto mais ele se move à direita, mais seus números caem nas pesquisas. Os Estados Unidos estão efetivamente enfraquecendo um dos mais importantes atores pró-democracia na região.

A recente posição linha-dura de Trump em relação a Cuba também alienará provavelmente dois outros parceiros chaves: a Espanha e o Canadá. Em meados de abril, o governo Trump anunciou que permitiria que cidadãos americanos processem qualquer corporação que "trafique" em propriedades confiscadas pelo governo cubano. Como dois dos principais parceiros comerciais de Cuba, a Espanha e o Canadá pagarão o preço dessa política. Esse não é o modo de recompensar membros da coalizão pró-democracia.

Os Estados Unidos deveriam tentar envolver o México, que adotou uma posição neutra na questão da Venezuela. Em vez disso, as relações bilaterais entre os países foram tensionadas pelas constantes políticas de Trump contra a imigração. As tensões escalaram em março, quando Trump ameaçou fechar a fronteira. Essa intransigência sobre a migração só ajuda a reforçar a popularidade do presidente de esquerda do México, eliminando qualquer vantagem que a oposição mexicana poderia usar para pressionar o presidente a mudar sua política para a Venezuela e alinhar-se com a de Trump.

Pior ainda foi o tratamento dado pelo governo Trump à Rússia e à China, os mais importantes adversários da coalizão pró-democracia. A estratégia certa seria usar uma lição do manual da Guerra Fria de Henry Kissinger: jogar a China contra a Rússia. Na Venezuela, isso não teria sido inimaginável.

A China era o ator mais importante até que os russos chegaram para saqueá-la. A devastação econômica da Venezuela deixou em seu rastro bens subutilizados, subinvestidos e subvalorizados. Os russos começaram a adquirir muitos desses ativos em 2017, tornando-se o novo patrão do país nesse processo. O maior perdedor foi a China. Os Estados Unidos tiveram uma oportunidade de convencer a China de que depor Maduro seria o primeiro passo não apenas para devolver o valor dos investimentos chineses, mas também empoderar a China diante da Rússia na Venezuela.

Em 3 de maio, Trump discutiu a Venezuela com o presidente Vladimir Putin, da Rússia, durante uma ligação de uma hora. Mais tarde ele chocou a todos, incluindo seu secretário de Estado, declarando que os russos "não esperam de modo algum se envolver na Venezuela", mais parecendo o embaixador da Rússia na ONU do que o presidente dos Estados Unidos.

Pior, dois dias depois ele intensificou a guerra comercial com a China, impondo tarifas de 25% a produtos chineses no valor de US$ 250 bilhões. Não é de surpreender que a China tenha retaliado. Enquanto isso, os Estados Unidos não manifestaram repúdio às importações de petróleo da Rússia, que aumentaram desde o colapso do petróleo na Venezuela, em mais um exemplo de como a Rússia lucra com a situação na Venezuela.

Em outras palavras, Trump tem jogado macio com a Rússia enquanto antagoniza a China. Os chineses agora têm mais motivos para estar irritados com Trump do que Putin.

O problema da política americana em relação à Venezuela não é que seja imperialista ou cautelosa demais, mas sim que o trumpismo está atrapalhando os objetivos declarados. O desprezo visceral de Trump pelos latino-americanos, sua inexplicável submissão a Putin e seu desdém irracional pelo comércio com a China estão sabotando as chances de usar a pressão internacional efetiva para promover a democracia na Venezuela. Trump não está nem perseguindo nem ignorando os interesses dos Estados Unidos. Está prejudicando-os.

*Javier Corrales é professor de ciência política no Amherst College (EUA) e autor, mais recentemente, de "Fixing Democracy: Why Constitutional Change Often Fails to Enhance Democracy in Latin America".