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A 1.600 km de jihadistas, há muçulmanos empreendendo com camelos e táxis

Em Dubai

19/11/2015 00h01

Hoje vou falar sobre os atentados em Paris, mas antes quero compartilhar aqui duas reportagens que li na mídia, caso vocês não as tenham visto: o primeiro filhote de um camelo clonado nasceu em um centro de pesquisas em Dubai, e uma startup local de táxis está enfrentando a Uber no mundo árabe. Vocês podem pensar que essas empresas novatas nos Emirados Árabes --clonando camelos e táxis-- não têm nada a ver com Paris, mas têm. Acompanhem-me.

Um jornal daqui, "The National", citou Ali Richa Al Hashimi, diretor administrativo do Centro de Biotecnologia Reprodutiva em Dubai, anunciando que "Injaz, o primeiro camelo clonado do mundo, pariu um camelo fêmea saudável, pesando cerca de 38 quilos, em dois de novembro". Injaz, cujo nome, em árabe, significa "conquista", foi clonada em 2009 de células ovarianas de uma camela morta. Previamente, quando a gravidez foi revelada, o diretor científico do centro, Nisar Wani, disse: "Isto provará que os camelos clonados são férteis e podem se reproduzir da mesma maneira que camelos produzidos naturalmente."

Também na semana passada, uma startup árabe de compartilhamento de viagens, a "Careem.com", levantou mais de 60 milhões de dólares em capital de risco para enfrentar o aplicativo Uber no mundo árabe, usando tecnologia que permite agendamento prévio de veículos por meio de um app para celular --ideal para a Arábia Saudita, onde mulheres não podem dirigir e precisam de motoristas para levá-las e a seus filhos a todo lugar.

Portanto, a cerca de 1.600 km ao sul da "startup" EI (Estado Islâmico), no Iraque e na Síria --onde jihadistas usam tecnologia para espalhar destruição em escala maciça--, outro grupo de muçulmanos (e não muçulmanos), em outro país árabe, está convulsionando o mundo dos camelos e dos táxis.

A mensagem? O contexto em que árabes e muçulmanos vivem suas vidas realmente importa. E, em muitos lugares, eles só tiveram duas opções: o pulso de ferro de generais, como o presidente do Egito, Abdel Fatah al-Sisi, que tenta sufocar qualquer dissidência, ou a loucura do Estado Islâmico, que diz que a única maneira de avançar é fazer o mundo árabe-muçulmano retroceder.

Felizmente, há uma terceira via: as autocracias, monarquias e algumas democracias frágeis que investiram em sua população e criaram ilhas de decência --Tunísia, Jordânia, Líbano, Curdistão, Kuwait, Marrocos e Emirados Árabes Unidos--, onde jovens árabes e muçulmanos podem realizar todo o seu potencial e construir sua dignidade perturbando camelos e táxis, e não Paris e Beirute.

Para mim, a grande questão estratégica no Iraque e na Síria é: o que seria necessário para extirpar o EI e criar uma ilha sunita de decência em seu lugar? Para começar, isso exige uma avaliação honesta do tamanho do desafio.

Há 60 anos, ditadores asiáticos disseram a seu povo com efeito: "Vou tirar sua liberdade, mas lhes darei a melhor educação, economia voltada para exportações e infraestrutura que o dinheiro pode comprar - e em meio século vocês formarão uma classe média que gradualmente lhes devolverá sua liberdade". No mundo árabe, seis décadas atrás, ditadores disseram a seu povo, com efeito: "Vou tirar sua liberdade e lhes dar o conflito árabe-israelense, um objeto brilhante para distraí-los de minha corrupção e predação."

Essa diferença, 60 anos depois, produziu o milagre econômico asiático e alimentou a fusão/desordem civilizatória árabe no Iêmen, Líbia, Síria e Iraque.

Diante disso, acredito que a política externa dos EUA lá deveria seguir da seguinte maneira: onde há desordem, ajude a criar ordem, porque sem ordem nada de bom pode acontecer. Eu aceitarei o EI sobre a Irmandade Muçulmana. Mas onde há ordem precisamos pressionar para que ela se torne mais decente e progressista. É aí que o EI está falhando: sua visão é apenas ordem em nome da ordem, sem um viés positivo. Onde existe ordem decente, como nos Emirados Árabes Unidos, na Jordânia ou no Kuwait, incentive-a gradualmente a se tornar mais aberta e constitucional. E, onde há ordem constitucional, como na Tunísia, proteja-a como a uma flor rara.

Um amigo iraquiano que tem família em Mosul, cidade ainda controlada pelo EI, disse-me que os bombardeios intensificados e as operações especiais do presidente Barack Obama com os curdos estão prejudicando muito o Estado Islâmico. Foi em parte para disfarçar isto que o EI desferiu sua parada da morte em Paris. Mas esses caras do EI são inteligentes e ainda muito perigosos. Eu apoiaria mais bombardeios e operações especiais para enfraquecê-los e contê-los ainda mais.

Mas, antes de irmos além, precisamos enfrentar este fato: para derrotar de modo sustentável os maus sunitas do EI há necessidade de sunitas bons fora do EI para criar uma ilha de decência em seu lugar. E, neste momento, infelizmente, encontrar e reforçar os bons sunitas fora do EI é a segunda prioridade de todos os vizinhos.

A Turquia se importa mais em derrotar os curdos; a Arábia Saudita e seus aliados do Golfo se importam mais em derrotar o Irã e seus representantes no Iraque, Iêmen e Síria; o Catar se importa mais com promover a Irmandade Muçulmana na Síria e perturbar a Arábia Saudita; o Irã se importa mais com proteger os xiitas no Iraque e na Síria do que com criar um espaço para sunitas decentes prosperarem; e muitos dos ativistas sunitas fora do EI na Síria e no Iraque ainda são islamistas, e não vão desaparecer. Como se tece um tapete decente com esses fios?

Não sei. E até que eu saiba tomaria cuidado em ir muito além do que já estamos fazendo. Paris pode estar totalmente diferente hoje. O Oriente Médio não está.