Pé no peito dos opressores

Com críticas diretas e destaque aos oprimidos, política dá o tom da 1ª noite de desfiles em São Paulo e no Rio

Renata Nogueira* Do UOL, em São Paulo William Volcov /Brazil Photo Press

O Carnaval não deu trégua aos políticos e veio carregado de mensagens diretas e indiretas na primeira noite de desfiles das escolas em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Na capital paulista, algumas escolas do grupo especial levaram ao Sambódromo do Anhembi temas que ganharam ainda mais força durante as eleições, há pouco menos de cinco meses. Oprimidos, negros e mulheres brilharam no primeiro dia de samba.

Já as escolas da Série A do Rio não deixaram barato a declarada antipatia pela folia de Marcelo Crivella (PRB) e distribuíram alfinetadas e recados para o atual prefeito.

Assim como o BaianaSystem fez no primeiro dia de folia em Salvador, a vereadora do PSOL assassinada Marielle Franco também não foi esquecida, com uma faixa exibida no desfile da Acadêmicos de Santa Cruz, que homenageou a atriz Ruth de Souza.

Simon Plestenjak/UOL Simon Plestenjak/UOL

Tortura na avenida

Forte concorrente ao título em São Paulo, a Mancha Verde resgatou a luta pelos direitos dos negros e das mulheres no samba-enredo "Oxalá, Salve a Princesa! A Saga de uma Guerreira Negra".

Mesmo com Vivi Araújo à frente da bateria, a escola impressionou com uma encenação de tortura na avenida, relembrando a relação entre capataz e escravo.

Um dos carros alegóricos da Mancha lembrou a herança escravocrata brasileira e fez uma dramatização com um integrante negro acorrentado e sendo chicoteado.

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Poder emana do povo

Ainda em São Paulo, a Acadêmicos do Tucuruvi fez um desfile bastante politizado. Defendendo o samba-enredo "Liberdade - O Canto Retumbante de um Povo Heroico", a escola da zona norte não poupou críticas, sobrando para políticos corruptos, violência contra a mulher e até o próprio povo "engolindo sapo".

Assim como a Mancha Verde, a escola também lembrou o período de escravidão, além de trazer à tona temas mais atuais, como a diversidade sexual. A Acadêmicos do Tucuruvi ainda levou ao sambódromo cartazes criticando a violência contra a mulher e a homofobia.

Em outro momento, a agremiação lembrou que o "poder emana do povo" e representou em uma ala a compra de votos feita por políticos. O último carro trouxe uma grande balança representando a corrupção e questionando se a Justiça é realmente "cega" no Brasil.

Simon Plestenjak/UOL

Pelos que precisam de nós

A Acadêmicos do Tatuapé busca o tricampeonato também defendendo os oprimidos.

Com o enredo "Bravos Guerreiros: por Deus, pela honra, pela justiça e pelos que precisam de nós", a escola exaltou figuras invisíveis da sociedade como moradores de rua e carroceiros, com claros recados como a faixa "morador de rua não é lixo".

O samba da escola da zona leste ainda destaca a força do povo: "Sou brasileiro Vou defender minha nação Oh Pátria amada, idolatrada/ Não chores em vão/ Sou brasileiro/ Sou sambista sim senhor ôôôô/ De tantos carnavais/ Bambas imortais/ Respeite por favor".

Clever Felix/Agência O Dia/Estadão Conteúdo Clever Felix/Agência O Dia/Estadão Conteúdo
Márcio Mercante/Agência O Dia/Estadão Conteúdo

Respeito com o Carnaval

A Acadêmicos do Sossego desistiu de levar uma alegoria que se parecia com o prefeito Marcelo Crivella transformado em diabo para o Sambódromo no Rio, mas veio com uma faixa com um recado direcionado e pedindo respeito ao evangélico.

A mensagem fazia todo sentido, já que a escola que tenta subir para o Grupo Especial desfilou com o enredo "Não se Meta em Minha Fé, Acredito em Quem Quiser!".

No lugar da alegoria do diabo retirada da avenida, um anjo com feições parecidas com a do ex-prefeito do Rio, Eduardo Paes. 

"Eu substitui o carro do diabo por um anjo. Agora estão dizendo que parece com o Eduardo Paes. Você acha que ele parece o Paes? Lembra o Eduardo Paes, é, lembra um pouco, é parecido. Mas assim, se fosse o Eduardo Paes, seria uma maravilha. Foi um cara que valorizou bastante o samba ", disse o presidente da escola, Wallace Palhares.

Gabriel Sabóia/UOL

Defuntíssimo prefeito

Apesar do recado direto da Acadêmicos do Sossego, a mensagem mais forte para Marcelo Crivella (PRB) veio da Unidos da Padre Miguel. Com o enredo "Qualquer Semelhança Não Terá Sido Mera Coincidência", a escola homenageou o dramaturgo Dias Gomes.

Uma ala fazia menção ao icônico personagem da novela "O Bem Amado", Odorico Paraguaçu, prefeito da fictícia cidade de Sucupira que se elegeu com a promessa de construir um cemitério. Para a história da TV, ele ficou conhecido pelos discursos demagógicos e pelas promessas não cumpridas.

A escola ainda fez uma citação que foi interpretada por muitos como alfinetada direta ao atual prefeito do Rio. Os integrantes de uma das alas coreografada tinham escrito na fantasia uma faixa os dizeres "defuntíssimo prefeito".

A voz do povo

  • Bárbara Mello

    "Se o Carnaval não serve para isso, serve para quê? A gente já sofre o ano inteiro, deixa a gente extravasar nos políticos nessa época do ano"

  • Carolina Helena

    "Eu vim para cantar a revolta de quem está vendo a cultura ser diminuída. Carnaval é gasto desde quando? É investimento em qualquer país consciente"

  • Lidiane Vitória

    "Eu acho que agora está mais forte do que nunca, é sempre pedindo melhoria pro país. A gente paga imposto e quer que as coisas melhorem. E não que o prefeito se meta no desfile, por exemplo"

  • Silvânia Cardoso

    "O objetivo tem que ser o mesmo: protestar por melhorias em diversos aspectos da sociedade. Acho que o Carnaval é uma maquina poderosa pra isso"

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