Derrotada há 37 anos por racha à esquerda, jornada de 40 horas pode voltar
A abolição da escala 6x1 (6 dias trabalhados por 1 folga) une a esquerda e até parte da direita hoje. A redução da jornada de trabalho virou a bandeira que PSOL, PT, PV, movimentos sociais e governo (entre outros) parecem estar de acordo em desfraldar juntos. Mas, na Assembleia Constituinte, em 1987, ocorreu o contrário. Foi motivo de divisão da esquerda nas votações.
O tema é um dos destaques do episódio desta semana do A Hora, podcast de notícias do UOL com os jornalistas Thais Bilenky e José Roberto de Toledo, disponível nas principais plataformas. Ouça aqui.
Surpreendentemente, o governo Lula custou a abraçar a boia lançada pela PEC (Proposta de Emenda Constitucional) de Erika Hilton (PSOL-SP). O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, disse que é uma questão para ser tratada entre sindicatos patronais e de trabalhadores em convenções coletivas de trabalho. Nada de lei.
Muito além da repercussão negativa da resposta dada pelo ministro, a popularidade da ideia ficou evidente na internet. A petição online a favor da PEC contra a 6x1 alcançou quase três milhões de assinaturas em poucos dias. É o dobro de outras petições de apoio a propostas que acabaram virando lei.
Além disso, o escracho nas redes sociais sobre os parlamentares fez diferença. Bolsonarista, Cleitinho (Republicanos-MG) defendeu a PEC na tribuna do Senado. Líder do União Brasil e sempre mais para o lado da direita do que da esquerda, Elmar Nascimento disse que seu partido também apoiaria. Por pressão, não por convicção.
Finalmente, o ministro responsável pela coordenação política do governo recebeu Hilton no Palácio do Planalto e declarou apoio. A proposta da deputada é de escala 4x3, o que implica 36 horas de jornada semanal. A Constituição prevê 44 horas - graças à divisão da esquerda na Assembleia Constituinte, 37 anos atrás.
No dia 9 de outubro de 1987, a Comissão de Sistematização (penúltima etapa para apreciação do novo texto constitucional antes de ele ser aprovado no plenário da Assembleia) aprovou a redução da jornada máxima de trabalho de 48 horas para 44 horas semanais. Foi uma lavada: 66 votos a 23. Os derrotados não eram da direita, mas dos partidos de esquerda, como PT e PDT.
A proposta dos petistas e brizolistas era reduzir de 48 horas para 40 horas. São justamente as quatro horas a mais da jornada que 44 horas que permitem a escala 6x1. Com 40 horas máximas, os trabalhadores poderiam completar a carga horária em escala de 5x2, podendo folgar no sábado e domingo. Isso porque o texto aprovado também previa jornada máxima de oito horas por dia.
O PMDB era o maior partido do país e comandava a Constituinte, com Ulysses Guimarães. Tinha 50 votos na Comissão de Sistematização. O PT tinha 2. O PDT, 3. Mas os peemedebistas eram divididos em duas bandas, uma de centro-esquerda e outra à direita do espectro político. PT e PDT contavam com os votos da centro-esquerda peemedebista para aprovar avanços sociais na Constituição. Não foi assim naquele dia.
Quem encaminhou a votação defendendo o voto contra a jornada de 40 horas foi o deputado José Serra. Seu argumento era muito parecido com o que Marinho usaria 37 anos depois: o movimento sindical se encarregaria de reduzir a jornada no futuro.
Serra e outros parlamentares do que viria a se transformar no PSDB não queriam fixar uma jornada de trabalho máxima na Constituição. Mas acabaram fechando um acordo com o Centrão para aprovar a jornada de 44 horas. Entre os que votaram contra as 40 horas estavam Fernando Henrique Cardoso, José Richa e Euclides Scalco, além de Serra. Votaram a favor: Lula e Aécio Neves.
Quando a matéria chegou ao plenário da Assembleia Constituinte, quase um ano depois, o Centrão estava fortalecido e tentou reverter a jornada para 48 horas semanais. Não conseguiu, porque a esquerda e a centro-esquerda voltaram a se entender.
Agora, para conseguir aprovar a abolição da escala 6x1 e a jornada de 40 horas, a esquerda e o governo precisarão, necessariamente, do apoio da direita. E podem conseguir. Como diria Geraldo Alckmin, "o mundo mudou".
Podcast A Hora, com José Roberto de Toledo e Thais Bilenky
A Hora é o novo podcast de notícias do UOL com os jornalistas Thais Bilenky e José Roberto de Toledo. O programa vai ao ar todas as sextas-feiras pela manhã nas plataformas de podcast e, à tarde, no YouTube. Na TV, é exibido às 16h (veja aqui onde assistir).
Escute a íntegra nos principais players de podcast, como o Spotify e o Apple Podcasts já na sexta-feira pela manhã. À tarde, a íntegra do programa também estará disponível no formato videocast no YouTube. O conteúdo dará origem também a uma newsletter, enviada aos sábados de manhã.
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