Andreza Matais

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Reportagem

Em pé de guerra, agência sob Silveira racha com acusações de corrupção

A Corregedoria da ANM (Agência Nacional de Mineração) mandou apreender há três semanas dois computadores usados para liberar ou barrar embarques de cargas de manganês para exportação da ordem de R$ 200 milhões por ano.

Começava ali a investigação de uma denúncia contra um diretor da agência apadrinhado pelo ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia), atualmente sob análise da Polícia Federal e da CGU (Controladoria Geral da União).

Segundo a acusação feita por servidores, Caio Mário Trivellato Seabra Filho vinha decidindo --com base apenas em sua opinião-- o que poderia ser embarcado pelo Porto de Vila do Conde (Barcarena-PA), de onde sai 70% da produção do mineral do país.

Por sua vez, ele se diz "vítima de retaliação" e levanta suspeitas de envolvimento do chefe da agência, Mauro Henrique Moreira Sousa, com esquema de corrupção.

Segundo Trivellato, o diretor-geral da ANM atuou para liberar no mesmo porto uma carga que seria ilegal de 27 mil toneladas de manganês, avaliada em R$ 13,5 milhões. Ele relatou ter encaminhado o caso à PF e à CGU.

"É muito estranho o que aconteceu. Muito suspeito. Eu não gostaria nem de ter suspeita", afirma Trivellato. Questionado se estava falando em propina, disse: "Por isso que a gente mandou para a CGU e PF para poder apurar." "É uma especulação dele. Ele está tentando reverter a situação", rebateu o diretor-geral.

As acusações provocaram um racha na ANM, responsável pela gestão da atividade de mineração e dos recursos minerais brasileiros, que gerou faturamento de R$ 248 bilhões e recolheu R$ 85 bilhões em impostos no ano passado.

Três diretores de um lado e dois de outro trocam acusações públicas de "interesses escusos" e "atitudes estranhas". Nas reuniões, todas gravadas, um não deixa o outro falar, e a maioria diz publicamente não reconhecer a autoridade do diretor-geral.

Respostas lacônicas

Sob o argumento de que era preciso coibir a lavra ilegal de manganês, quarto mineral mais usado no mundo, Trivellato determinou que as empresas pedissem à ANM autorização para despachar a carga a partir do porto no Pará.

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Com base na denúncia, o diretor-geral acusa Trivellato de responder a essas demandas apenas com "regular" ou "irregular" sem qualquer justificativa, análise, tratativa dos documentos apresentados ou identificação do funcionário público responsável pela decisão, o que fere todas as normas da administração pública.

Quando da identificação de carga irregular, não haveria, contudo, continuidade na fiscalização.

Segundo a denúncia, à qual o UOL teve acesso, Trivellato teria justificado o método para subordinados com o argumento de que "os mineradores no Pará são bandidos e vão retaliar o servidor que assinar documentos".

Não há, contudo, nenhum registro na ANM de que ameaça a seus subordinados ou de que se tenha pedido anonimato como proteção.

A legislação prevê que os atos de um processo público devem ser produzidos por escrito, com a data e o local de sua realização e a assinatura da autoridade responsável. A identificação impede o abuso de poder por parte do servidor público e permite a responsabilização por eventuais atos ilegais.

Salienta-se que os valores das notas fiscais que necessitam de certidão para serem autorizativas de embarque variam de valores de 2 a 10 milhões de reais, indicando a situação temerária não somente de cunho ético, mas a possibilidade até de corrupção em valores expressivos.
Denúncia contra o diretor da ANM Caio Mário Trivellato Seabra Filho

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O diretor-geral da ANM encaminhou o caso à PF e à CGU em 19 de abril.

No documento, ao qual o UOL teve acesso, o chefe da ANM afirma que "não cabe à agência certificar a legalidade de uma transação comercial ou analisar e liberar ordem de embarque. A função da agência é fiscalizar o aproveitamento dos recursos minerais do país".

Sousa questiona também por que o diretor resolveu fazer o procedimento apenas no porto de Barcarena (PA).

"A PF pode identificar se está em curso algum tipo de caracterização de caráter penal", sugeriu ao ser questionado se interesses escusos envolvem o procedimento.

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A regra foi criada na SOD (Superintendência de Ordenamento Mineral e Disponibilidade de Áreas) comandada por Trivellato antes de ele assumir uma diretoria na ANM. Mineiro como o ministro Alexandre Silveira, o advogado foi o primeiro nomeado para a recém-criada superintendência.

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Na conversa com o UOL, Trivellato admite ter respondido ele mesmo a "alguns dos emails" sem assinatura porque "a agência tem poucos funcionários".

Sobre a falta de justificativa nos emails, o diretor alegou necessidade de agilizar os processos. Também disse que iria expandir o método —atualmente sob investigação— para outros minérios, mas suas atribuições mudaram quando ele se tornou diretor.

Cabo de guerra

Trivellato alega que a denúncia contra ele é uma retaliação do diretor-geral após queda de braço envolvendo uma carga de manganês.

Motivados por denúncia anônima informando que o minério foi extraído de uma área não autorizada no dia 3 de abril, Trivellato e os dois diretores do seu grupo (Guilherme Santana Lopes Gomes e Roger Romão Cabral) atuaram para impedir o embarque.

O diretor-geral assinou ofícios desautorizando a ordem dos colegas sob a justificativa, mais uma vez, de que essa não é uma atribuição da ANM. Segundo Sousa, a agência recebe inúmeras denúncias anônimas e é a primeira vez que diretores se mobilizam para apurar uma delas pessoalmente.

O diretor-geral se refere a um episódio ocorrido em 12 de abril, quando a crise na ANM chegou ao ápice.

O diretor Gomes, do grupo de Trivellato, foi pessoalmente ao porto de Barcarena para tentar impedir o embarque da carga em questão. A ação inusual, por ser essa atribuição dos fiscais, foi toda gravada em vídeo por um dos advogados da empresa Unalog, do ramo de logística e transporte, André Santos Ribeiro.

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"Nós estamos aqui com seu Guilherme, que é fiscal da ANM", diz o advogado. "Diretor da ANM", corrige Guilherme fazendo joinha para o vídeo.

O advogado prossegue: "Muito empenhado, ele saiu de Brasília para vir em Barcarena para fazer uma fiscalização. A gente quer saber qual a motivação porque não é competência de um diretor fazer fiscalização".

"Sou servidor de carreira, especialista em gestão mineral", respondeu o diretor.

"Mas hoje o senhor atua como diretor", advertiu o advogado. Ele se queixa que o diretor já chegou preenchendo um auto de apreensão antes mesmo de fazer a fiscalização. "Eu sou diretor, estou diretor. Se eu não tenho [competência]...".

A carga continua apreendida diante da acusação do grupo dos três diretores de que a empresa apresentou uma nota fiscal falsa. O diretor-geral disse ao UOL que mantém sua posição de que não cabe à agência essa atribuição.

"Os outros servidores estavam receosos para poder confrontar um ato totalmente maluco do diretor-geral. Até informação de dentro da agência saiu que ele (Gomes) iria para lá. A gente viu a situação ilegal. Fomo lá para poder apreender o manganês", justificou Trivellato sobre a decisão do colega ir pessoalmente ao porto atuar como fiscal.

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O advogado da Unalog, Jean Cleber Garcia, afirmou que a carga tem nota fiscal e que irá pedir a prisão do diretor Gomes, caso ele repita a "informação falsa". Segundo Garcia, quase um mês depois da apreensão, a empresa não foi notificada.

Diante disso, a Unalog acusa o diretor de abuso de autoridade. Segundo o advogado, o prejuízo pela carga parada é de US$ 3 milhões (o equivalente a R$ 15,4 milhões), além da perda de valor e risco de dano ambiental.

"Ele pode pedir minha prisão à vontade. Pedir todo mundo pode pedir qualquer coisa. Quando eu era criança pedi uma bicicleta e não ganhei.", respondeu o diretor. Segundo Gomes, quem disse que a nota é falsa é a Secretaria de Fazenda do Pará.

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