Andreza Matais

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Reportagem

Ex-Meta vira principal assessor de Haddad para regulação de big techs

O assessor do Ministério da Fazenda que trata das big techs atuou como executivo da Meta, a empresa de Mark Zuckerberg, até dois meses antes de ser nomeado assessor especial do ministério de Fernando Haddad, em outubro passado.

Antes disso, o chileno Pablo Bello Arellano participou — entre agosto e dezembro de 2023 — de ao menos cinco reuniões na Fazenda nas quais defendeu os interesses da Meta, segundo registros na agenda pública da pasta.

Nesses encontros, Arellano estava acompanhado de outros executivos da Meta que atuam contra o projeto de fake news e a regulamentação e taxação das big techs.

Fazenda refuta conflito de interesse

A Fazenda diz que não consultou a Comissão de Ética Pública — instância consultiva do presidente da República e ministros sobre o tema — para a contratação de Arellano.

A pasta também afirma não ver problemas em ter um ex-Meta atuando em questões que interessam diretamente à empresa dona do WhatsApp, Facebook e Instagram para a qual trabalhava poucos meses antes de entrar no governo.

"A Lei 12.813 define o que é conflito de interesse e, à luz deste texto legal, não há conflito de interesse a ser considerado na questão em tela. Cabe destacar que a Comissão de Ética Pública deveria ser consultada apenas se houvesse saída de agentes públicos para a iniciativa privada", informou a Fazenda.

O ministro Fernando Haddad disse à coluna que não conhece Arellano e que dá liberdade aos seus secretários para contratarem suas equipes. Haddad afirma que esse tema da regulação das redes ele despacha com o secretário de Reformas Econômicas, Marcos Barbosa Pinto, seu amigo há 20 anos e seu principal assessor para o tema.

Não conheço o Pablo, nunca despachei com ele na vida. Não interfiro na equipe dos meus secretários. Quem fala desse tema de regulação no ministério é o Marcos Pinto

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Fernando Haddad

Arellano foi diretor de Políticas Públicas para a América Latina do WhatsApp entre 2019 e agosto de 2024, informa em seu LinkedIn. Dois meses depois, em 10 de outubro, foi nomeado como assessor especial da Fazenda, com remuneração bruta de R$ 10.394, segundo o Portal da Transparência.

Apesar de o tema ser tratado pela secretaria de Reformas Econômicas, Arellano está subordinado ao secretário-executivo Dario Durigan, que também foi da Meta (ler mais abaixo).

O colunista Lauro Jardim, de O Globo, noticiou no final de semana que chama atenção a presença de Arellano nas reuniões sobre regulação das big techs — informação confirmada pela coluna. A nota afirma que o Ministério da Justiça defende que o WhatsApp seja considerado uma rede social, o que implicaria ser regulamentado. A Fazenda é contra a interpretação.

Uma das primeiras agendas de Arellano como assessor especial de Haddad foi representar o governo no seminário "Concentração Econômica das Plataformas Digitais Regulação Econômica das Big Techs".

Uma busca na Agenda Transparente, ferramenta da ONG Fiquem Sabendo que reúne os compromissos das autoridades, mostra que Arellano participou como assessor de Haddad de dezenas de reuniões para tratar de inteligência artificial, regulação das big techs e com empresas como o Google.

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A Fazenda diz que Arellano não recebeu a Meta.

Meses antes, em 6 de dezembro de 2023, participou, ao lado de Wanderlei Mariz, chefe da área de Políticas Públicas para o Poder Executivo da Meta, de reunião no ministério para tratar dos interesses da empresa como executivo.

Em 8 de novembro de 2023, Arellano também esteve no ministério representando os interesses da Meta. Desta vez, ao lado de Will Cathcart, vice-presidente global do WhatsApp, e outros dois executivos da big tech. Entre eles, Murillo Laranjeira, diretor sênior de Políticas Públicas, principal articulador da Meta em Brasília contra o Projeto de Lei das Fake News.

Um dos pontos do projeto de lei é cobrar responsabilidade das plataformas por conteúdo postado pelos usuários — o que as big techs são terminantemente contra — e taxar as empresas de tecnologia.

A pauta desse encontro foi registrada como "Progressos e perspectivas dos desenvolvimentos do WhatsApp no Brasil".

Secretário-executivo da Fazenda também veio da Meta

O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, também trabalhou para a Meta de janeiro de 2020 até ingressar no governo, em junho de 2023.

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Em seu perfil no LinkedIn, registrou atuação como "head de Políticas Públicas - WhatsApp, Brasil", mas seu perfil não foi atualizado com novo cargo no governo.

Em 2 de maio de 2023, esteve na Fazenda como funcionário da Meta para defender os interesses da empresa. Pouco mais de um mês depois, em 19 de junho do mesmo ano, foi nomeado secretário-executivo de Haddad.

No total, Durigan esteve em seis compromissos como empregado da Meta ou do WhatsApp com autoridades do Executivo entre março e maio de 2023.

Já no governo, Durigan chegou a representar o ministério até mesmo na inauguração de uma sala onde funciona a Meta em Brasília, em 22 de fevereiro de 2024, e recebeu ex-colegas de trabalho em audiência. Também participa das reuniões do governo que visam taxar as plataformas, tema que interessa diretamente à Meta.

Procurada, a Fazenda disse que "Durigan participou de reunião convocada pelo presidente da República para discutir as alterações nas políticas da Meta".

Afirmou ainda que "o ministério tem iniciativas relacionadas à regulação econômica das plataformas, como o aprimoramento do sistema de proteção da concorrência no âmbito digital e a tributação das big techs, além de estar engajado nas discussões sobre IA [inteligência artificial] e política nacional de datacenters".

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Porta giratória

No início deste mês, a Fazenda iniciou uma série de reuniões para elaborar um projeto de regulamentação das plataformas. A pasta concentrou a articulação em torno desse anteprojeto.

Uma das propostas é envolver o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Paula Farani foi conselheira do Cade até 2022. Hoje, é diretora da Meta e representa a empresa em reuniões no Ministério da Fazenda.

Reportagem

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