Chile em festa: povo nas ruas enterra modelo de Pinochet e Paulo Guedes
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"Se meteram com as gerações que não têm mais nada a perder. Nem casa, nem trabalho, nem aposentadoria, não temos nada. Que medo pode haver?" (mensagem anônima que circula nas redes sociais nesta segunda-feira, 26 de outubro de 2020, após o plebiscito no Chile).
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Ontem foi no Chile, como este ano já aconteceu na Argentina e na Bolívia.
Não demora, a onda democrática que varre a América do Sul também chegará por aqui.
É só uma questão de tempo, e do povo voltar às ruas para exigir seus direitos, como já aconteceu nos nossos vizinhos.
No Brasil, sempre demora mais para a ficha cair.
O que pode apressar o processo é a onda chegar também aos Estados Unidos, com a anunciada derrocada da extrema-direita populista de Donald Trump, cada vez mais próxima, que deixará o Brasil de Bolsonaro isolado no mundo (ver na coluna do Jamil Chade aqui ao lado).
No histórico plebiscito de domingo no Chile, quase 80% da população votou para enterrar a Constituição fascista de Augusto Pinochet, o mais facinoroso e longevo (1973-1990) ditador do nosso continente.
Desde o dia 18 de outubro do ano passado, o povo estava nas ruas ao pé da Cordilheira dos Andes para protestar contra o colapso nos serviços públicos e dos direitos básicos da cidadania num país onde a Constituição não obrigava o Estado a fornecer saúde, educação e proteção social, exatamente o mesmo modelo que o ministro Paulo Guedes quer implantar aqui.
O "estalido social" (ou estouro social, em tradução literal) dos chilenos foi deflagrado com o aumento das tarifas do metrô, apenas um detalhe no conjunto da obra do estado de mal-estar social que vigorava naquele país, onde Guedes fez estágio nos tempos do general Pinochet.
A Constituição agora sepultada, que levou os aposentados à miséria e os jovens a não ter futuro, foi implantada a ferro e fogo em 1980 e carregou os seus efeitos traumáticos até os dias atuais, o exemplo sonhado pelo nosso falido "Posto Ipiranga", que quer "tirar dos pobres para dar aos paupérrimos" (nas palavras do presidente) e promete o paraíso para a semana que vem, sem mexer no imposto dos riquíssimos.
Assim dá para entender a comovente festa popular, com muita música, dança e fogos de artifício, uma polifonia de buzinas, batucadas e rojões, que tomou conta das ruas do Chile, assim que se consolidou a vitória da democracia no plebiscito para a formação da Assembleia Constituinte, que só deverá ser eleita em abril do ano que vem.
A primeira conquista já foi alcançada: 50% dos eleitos devem ser mulheres e a praça Itália, palco dos grandes confrontos entre os manifestantes e a polícia, que duraram meses seguidos, foi rebatizada de praça Dignidad.
Pois dignidade é exatamente o que está em falta no nosso mercado, a popular vergonha na cara, quando o povo não aceita mais ser tratado como gado (epa!).
Foi isso que levou às urnas muitos eleitores sobreviventes do pinochetismo, que chegaram em cadeiras de rodas e até numa cama de hospital, como aconteceu em Temuco com Corina Concha, 65, que não queria perder esse dia histórico.
"Quem pode andar, que não perca essa oportunidade, e quem não pode peça ajuda. É o dia de todos os chilenos".
Na fila de votação no estádio Nacional, que Pinochet transformou em prisão nos dias seguintes ao golpe, a enviada especial Silvia Colombo, da Folha, encontrou Carmen, 87, que chegou numa cadeira de rodas, empurrada pela filha Josefa, 67.
"Aqui neste estádio ficaram presos os perseguidos pela ditadura, muitos morreram, eu me lembro. Não podia perder a oportunidade de votar num dia histórico como hoje, que pode apagar de vez o último vestígio daquela época terrível para todos os chilenos", disse ela à repórter.
Só ontem o legado do general Augusto Pinochet foi definitivamente enterrado pelos chilenos, mas por aqui ainda temos no governo muitos saudosos da nossa ditadura (1964-1985) e de facínoras como o coronel Brilhante Ustra, o herói de Bolsonaro & Mourão.
Por uma dessas coincidências, nas voltas que a história dá, a alegria dos chilenos contrastou com a nossa tristeza, ao lembrarmos no mesmo dia dos 45 anos do assassinato de Vladimir Herzog, o nosso Vlado, jornalista torturado até a morte nas masmorras do DOI-CODI comandado por Ustra.
Mais dia, menos dia, aqui também teremos que eleger em algum momento uma nova Assembleia Nacional Constituinte, para reconstruir o país sobre os escombros deixados pelo atual governo, que quer agora decretar novas leis para coibir manifestações populares como as que aconteceram no Chile.
Vai demorar, mas um dia tudo vai passar. Só não dá para esperar sentado.
Viva o Chile!
Vida que segue.
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