O que explica a vitória da direita em capitais no Nordeste, reduto lulista?
Candidatos a prefeito do PL ou apoiados por Jair Bolsonaro se destacaram em cinco capitais do Nordeste, região que historicamente dá as maiores vitórias ao PT e ao presidente Lula. Salvador e Maceió já fecharam a disputa no dia 6, e Fortaleza, Aracaju e Natal levaram bolsonaristas ao segundo turno.
Analistas ouvidos pelo UOL atribuem os resultados mais a lideranças com relevância local do que à influência de nomes nacionais, como Jair Bolsonaro (PL). Para os cientistas políticos, as eleições municipais não tiveram debate nacionalizado e veem uma direita vitoriosa nas urnas, mas não necessariamente ligada ao ex-presidente, com um poder já consolidado nessas cidades.
"Não acho que esse endireitamento é totalmente bolsonarista", diz Luciana Santana, do Observatório das Eleições e professora de ciência política da Ufal (Universidade Federal de Alagoas).
Isso vale também, por exemplo, para a vitória da esquerda, de João Campos (PSB), no Recife, que foi apoiado por Lula, mas se fortaleceu graças ao sobrenome, que tem mantido uma hegemonia no poder pernambucano nos últimos anos.
Vitórias no primeiro de turno de candidatos apoiados por Bolsonaro nas capitais do Nordeste:
- Maceió - JHC (PL) reeleito
- Salvador - Bruno Reis (União Brasil) reeleito
- Fortaleza - André Fernandes (PL) - ainda haverá segundo turno
- Natal - Paulinho Freire (União Brasil) - ainda haverá segundo turno
- Aracaju - Emília Corrêa (PL) - ainda haverá segundo turno
PL brilha em Maceió
A mais marcante das vitórias do PL no Nordeste foi em Maceió, onde o prefeito João Henrique Caldas, o JHC, teve a segunda maior votação proporcional do país entre os eleitos em primeiro turno, com 83% dos votos. Além disso, na cidade, foram 11 vereadores do partido eleitos —o maior número do país.
JHC, porém, é um nome que se ligou ao bolsonarismo apenas no segundo turno de 2022 —até então estava PSB. Mesmo Maceió sendo a única capital do Nordeste em que Bolsonaro venceu, JHC não fez qualquer menção a ele na campanha e usou toda sua campanha para tratar de temas locais.
"Não há nenhuma evidência de que as vitórias do PL e de aliados de Bolsonaro em capitais do Nordeste ocorreram por causa do bolsonarismo. Isso fica muito claro quando a gente olha para Maceió, onde JHC ganharia independentemente do partido e não fez referências ao ex-presidente", diz Santana.
Em Aracaju, onde Emília Corrêa passou na ponta para o segundo turno, a situação é parecida: ela se filiou ao PL em março de 2024 e não usou a imagem de Bolsonaro na campanha. Além disso, tem um histórico político distante da extrema direita. "Ela foi para ter a candidatura avalizada por um grande partido e ter recursos do fundo eleitoral", afirma uma pessoa próxima à candidata.
Em Fortaleza, bolsonarista esconde rótulo
Em Fortaleza, a mais populosa cidade do Nordeste, André Fernandes chegou ao segundo turno após ter 40% de votos válidos e está numericamente à frente do petista Evandro Leitão.
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Quero receberAndré, sim, é um bolsonarista raiz, que surgiu na onda de 2018, mas agora no segundo turno tem tentado se descolar dessa imagem e trazer o debate para a esfera municipal —afastando assim a força de Lula e do ministro Camilo Santana no Ceará do outro lado. "Não existe Lula contra Bolsonaro, não é uma campanha PT contra PL; é uma campanha dos mesmos de sempre contra nós", disse.
Para a cientista política Monalisa Torres, da UECE (Universidade Estadual do Ceará) afirma que Fernandes teve como trunfo o apoio de líderes religiosos, mas, especialmente, capitalizou bem o sentimento de rejeição à gestão dos grupos políticos locais (PT e PDT) ao longo dos últimos anos. Para ela, o debate eleitoral foi pautado localmente.
Você acha que o eleitor da periferia está preocupado com o banheiro unissex, com linguagem neutra? A mãe está preocupada se o filho vai chegar em segurança em casa, porque tá com medo da facção, de o filho morrer no meio do caminho; se vai conseguir chegar ao posto de saúde e ter atendimento; se ao acessar um ônibus tem um serviço de qualidade.
Monalisa Torres, cientista política
O único nome que tem apostado todas as fichas no ex-presidente é o ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga (PL), que usa e abusa da associação a Bolsonaro e já gravou vídeo prometendo uma visita do "capitão" no segundo turno. Ele, porém, teve 20% dos votos válidos no primeiro turno e é visto como azarão na disputa agora contra o atual prefeito, Cícero Lucena (PP).
Ele fez campanha ressaltando ter sido ministro de Bolsonaro e, na reta final do primeiro turno, contou com a presença da ex-primeira-dama Michele Bolsonaro, que fez ato público pedindo voto (e oração) para o candidato.
Candidatos sem PL na chapa e sem aparecer
Em Salvador, Bruno Reis tinha o apoio discreto de Bolsonaro e ignorou por completo, na campanha, o nome do ex-presidente. Ao mesmo tempo que teve apoio do PL, teve uma vice do PDT (Ana Paula Matos), ou seja, formou uma frente ampla, sem nacionalizar o debate.
No caso de Paulinho Freire (União Brasil), que está no segundo turno em Natal, o apoio de Bolsonaro foi um pouco mais marcante: ele participou do lançamento da candidatura, em agosto.
Mesmo assim, o ex-presidente sumiu das propagandas, enquanto sua rival, Natália Bonavides, exaltou que é candidata de Lula.
Em Teresina e São Luís, Sílvio Mendes (União Brasil) e Eduardo Braide (PSD), respectivamente, venceram as disputas sem apoio de PL ou PT.
O que vemos são elementos da política local, lideranças da política local que têm um peso maior. Não é o Bolsonaro que define uma eleição nesses lugares, são outros aspectos. Não necessariamente um único.
Luciana Santana, cientista política
Eu acho que é bom não se enganar muito e achar que o eleitor do Nordeste é majoritariamente progressista. Eu acho que ele é lulista pela identificação com a pessoa do Lula, um nordestino que veio de uma família pobre e humilde, que trabalhou e chegou à Presidência pelas políticas que foram implementadas e atingiram diretamente a população.
Monalisa Torres, cientista política
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