Carlos Madeiro

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Reportagem

'Passarela do apartheid' liga área nobre a camarotes e vira embate na BA

A construção de uma passarela que liga o Morro do Ipiranga, área considerada nobre de Salvador, a camarotes privados no bairro da Ondina, onde passa o maior circuito do Carnaval de Salvador, está sendo alvo de críticas de moradores, entidades, artistas e políticos. A causa foi parar na Justiça.

A obra acabou ficou conhecida como "passarela do apartheid", em referência à política de segregação racial que vigorou por décadas na África do Sul.

Na noite da quarta-feira (26), o juiz substituto de 2º grau Adriano Augusto Gomes Borges, da Terceira Câmara Cível do TJBA (Tribunal de Justiça da Bahia) acolheu os argumentos do IAB-BA (Instituto de Arquitetos do Brasil - Departamento da Bahia), refez decisão de primeira instância e decidiu interditar a obra.

Na ação, o IAB-BA argumentou que a passarela foi construída sem autorização e licenciamento, além de haver uma omissão da fiscalização municipal e ausência de informações públicas sobre a obra. O juiz entendeu que havia uma falta de regularidade e de transparência da obra.

Notadamente no que concerne à segurança estrutural da edificação, revelam-se preocupantes os argumentos e documentos apresentados pelo agravante. Além da construção aparentar comprometer a circulação de pedestres e dificultar o acesso de serviços de emergência, como ambulâncias e o Corpo de Bombeiros em caso de necessidade, os registros fotográficos demonstram que parte significativa da passarela suspensa foi edificada sobre fundações rasas e aparentes, em solo de encosta íngreme, potencialmente sujeito a chuvas e deslizamentos.
Trecho de decisão do juiz Adriano Augusto Gomes Borges

Apesar da interdição, internautas postaram vídeos nas redes sociais que mostram pessoas passando pela passarela na noite desta quinta-feira (27), dia de abertura oficial do Carnaval soteropolitano.

A Prefeitura de Salvador, que é a única ré na ação, contestou a decisão, e no início da tarde desta sexta-feira (28) o mesmo juiz deu uma nova decisão alegando que, com nova documentação apresentada, "constata-se que a regularidade da estrutura findou por ser devidamente providenciada."

"O próprio Município de Salvador, por meio de seus órgãos técnicos, autorizou a utilização da passarela, sendo ele o ente competente para fiscalizar e disciplinar a ocupação do solo urbano, conforme previsão constitucional e legal", diz.

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O que se alega

Moradores da região afirmam que a construção dificultou a locomoção de pessoas na região e foi feita sem qualquer conversa com quem mora na área. Além disso, acreditam que ela pode dificultar o acesso de serviços de emergência.

Artistas como o cantor da Baiana System, Russo Passapusso, também postaram em suas redes o vídeo que denunciou a passarela, que já passou de 700 mil visualizações em três dias.

A construção da passarela foi alvo de críticas no meio político. A vereadora Eliete Paraguassu (PSOL), primeira quilombola eleita para o cargo em Salvador, classificou a passarela com um escândalo!

"Como é que a prefeitura de Salvador, essa cidade mais negra fora de África, permite essa situação vergonhosa? Não é possível que o Carnaval de Salvador se transforme nesse lugar de separação de corpos e classes. Carnaval é para toda a gente."

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A deputada federal Lídice da Mata (PSB) também classificou a passarela como absurdo.

Prefeito defende passarela

Em entrevista à imprensa, o prefeito Bruno Reis (União Brasil) defendeu a passarela e garantiu que a obra possui laudos do Ministério Público, Crea (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia) e Corpo de Bombeiros.

"Do ponto de vista técnico, eles preencheram todas as formalidades, e a Prefeitura liberou", disse nesta quinta-feira.

A empresa responsável pelos camarotes é a Salvador Produções Artísticas e Entretenimentos Ltda., que entrou no fim da noite desta quinta-feira com um pedido de tutela provisória de urgência para pedir a liberação do camarote. O UOL mandou mensagem para a empresa e aguarda retorno. Em suas redes socais, a empresa não comentou.

Reportagem

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58 comentários

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Marcos Mil Homens

Quanto mi-mi-mi por uma coisa provisória, como se esse fosse o maior problema de Salvador no Carnaval.....e a segurança, vai bem?

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Miguel da Silva Ribeiro

Pra tudo agora tem que haver um viés de identitarismo, disputa de raças. A empresa que fez o camarote tinha como objetivo dar mais comodidade ao público dela e ponto. Então, é ilegítimo levar a discussão por esse lado do identitarismo. Legítimo sim é questionar se a obra foi feita de for regular, se houve destruição de área verde. O aspecto deve ser da legislação urbanistica e ambiental. Se for querer aplicar essa narrativa do apartheid então tem que incluir nessa discussão existência dos blocos privados e dos camarotes. Lembre-se que Gilberto Gil tem camarote próprio no carnaval de Salvador. É muita hipocrisia!

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Luiz Claudio da Silva Costa

Tudo hoje em dia, vira embate político e ideológico.  O quesito segurança (que até é citado pela Justiça), mal é abordado nas entrevistas que compõem a matéria.  O mundo de hoje é da lacração. Tá muito chato.  

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