'Passarela do apartheid' liga área nobre a camarotes e vira embate na BA
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A construção de uma passarela que liga o Morro do Ipiranga, área considerada nobre de Salvador, a camarotes privados no bairro da Ondina, onde passa o maior circuito do Carnaval de Salvador, está sendo alvo de críticas de moradores, entidades, artistas e políticos. A causa foi parar na Justiça.
A obra acabou ficou conhecida como "passarela do apartheid", em referência à política de segregação racial que vigorou por décadas na África do Sul.
Na noite da quarta-feira (26), o juiz substituto de 2º grau Adriano Augusto Gomes Borges, da Terceira Câmara Cível do TJBA (Tribunal de Justiça da Bahia) acolheu os argumentos do IAB-BA (Instituto de Arquitetos do Brasil - Departamento da Bahia), refez decisão de primeira instância e decidiu interditar a obra.
Na ação, o IAB-BA argumentou que a passarela foi construída sem autorização e licenciamento, além de haver uma omissão da fiscalização municipal e ausência de informações públicas sobre a obra. O juiz entendeu que havia uma falta de regularidade e de transparência da obra.
Notadamente no que concerne à segurança estrutural da edificação, revelam-se preocupantes os argumentos e documentos apresentados pelo agravante. Além da construção aparentar comprometer a circulação de pedestres e dificultar o acesso de serviços de emergência, como ambulâncias e o Corpo de Bombeiros em caso de necessidade, os registros fotográficos demonstram que parte significativa da passarela suspensa foi edificada sobre fundações rasas e aparentes, em solo de encosta íngreme, potencialmente sujeito a chuvas e deslizamentos.
Trecho de decisão do juiz Adriano Augusto Gomes Borges
Apesar da interdição, internautas postaram vídeos nas redes sociais que mostram pessoas passando pela passarela na noite desta quinta-feira (27), dia de abertura oficial do Carnaval soteropolitano.
A Prefeitura de Salvador, que é a única ré na ação, contestou a decisão, e no início da tarde desta sexta-feira (28) o mesmo juiz deu uma nova decisão alegando que, com nova documentação apresentada, "constata-se que a regularidade da estrutura findou por ser devidamente providenciada."
"O próprio Município de Salvador, por meio de seus órgãos técnicos, autorizou a utilização da passarela, sendo ele o ente competente para fiscalizar e disciplinar a ocupação do solo urbano, conforme previsão constitucional e legal", diz.
O que se alega
Moradores da região afirmam que a construção dificultou a locomoção de pessoas na região e foi feita sem qualquer conversa com quem mora na área. Além disso, acreditam que ela pode dificultar o acesso de serviços de emergência.
Artistas como o cantor da Baiana System, Russo Passapusso, também postaram em suas redes o vídeo que denunciou a passarela, que já passou de 700 mil visualizações em três dias.
A construção da passarela foi alvo de críticas no meio político. A vereadora Eliete Paraguassu (PSOL), primeira quilombola eleita para o cargo em Salvador, classificou a passarela com um escândalo!
"Como é que a prefeitura de Salvador, essa cidade mais negra fora de África, permite essa situação vergonhosa? Não é possível que o Carnaval de Salvador se transforme nesse lugar de separação de corpos e classes. Carnaval é para toda a gente."
A deputada federal Lídice da Mata (PSB) também classificou a passarela como absurdo.
A deputada Lídice da Mata (PSB) criticou a passarela de um camarote no Carnaval de Salvador, chamando de "absurdo" e comparando ao apartheid. A Justiça determinou a interdição da estrutura, alegando risco à segurança e reforçando o debate sobre a elitização da festa. pic.twitter.com/OgpOd22L9F
-- Panorama da Bahia (@panoramadabahia) February 28, 2025
Prefeito defende passarela
Em entrevista à imprensa, o prefeito Bruno Reis (União Brasil) defendeu a passarela e garantiu que a obra possui laudos do Ministério Público, Crea (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia) e Corpo de Bombeiros.
"Do ponto de vista técnico, eles preencheram todas as formalidades, e a Prefeitura liberou", disse nesta quinta-feira.
A empresa responsável pelos camarotes é a Salvador Produções Artísticas e Entretenimentos Ltda., que entrou no fim da noite desta quinta-feira com um pedido de tutela provisória de urgência para pedir a liberação do camarote. O UOL mandou mensagem para a empresa e aguarda retorno. Em suas redes socais, a empresa não comentou.
58 comentários
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Marcos Mil Homens
Quanto mi-mi-mi por uma coisa provisória, como se esse fosse o maior problema de Salvador no Carnaval.....e a segurança, vai bem?
Miguel da Silva Ribeiro
Pra tudo agora tem que haver um viés de identitarismo, disputa de raças. A empresa que fez o camarote tinha como objetivo dar mais comodidade ao público dela e ponto. Então, é ilegítimo levar a discussão por esse lado do identitarismo. Legítimo sim é questionar se a obra foi feita de for regular, se houve destruição de área verde. O aspecto deve ser da legislação urbanistica e ambiental. Se for querer aplicar essa narrativa do apartheid então tem que incluir nessa discussão existência dos blocos privados e dos camarotes. Lembre-se que Gilberto Gil tem camarote próprio no carnaval de Salvador. É muita hipocrisia!
Luiz Claudio da Silva Costa
Tudo hoje em dia, vira embate político e ideológico. O quesito segurança (que até é citado pela Justiça), mal é abordado nas entrevistas que compõem a matéria. O mundo de hoje é da lacração. Tá muito chato.