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Em Bruzundanga, violações de Israel contra os palestinos não se discutem
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Por Paulo Sérgio Pinheiro
Em setembro do ano passado, às vésperas da abertura da Assembleia Geral da ONU, Lakhdar Brahimi, antigo enviado especial do secretário-geral da ONU e membro do grupo The Elders, criado por Nelson Mandela, apelava para que a Assembleia investigasse "o aprofundamento do regime de supremacia israelense sobre milhões de palestinos, que tem sido reconhecido por cada vez mais observadores como um regime de apartheid". Brahimi lembrava que, com a anexação e expansão de seu controle absoluto sobre toda a Palestina, Israel nega o direito inalienável do povo palestino à existência e soberania em sua própria terra. Consolidando, assim, um sistema de governo de discriminação, segregação e desigualdade institucionalizada, por meio de leis e políticas, em toda a Palestina histórica. Concluía dizendo que esse sistema atende à definição de apartheid da ONU.
Essa caracterização das práticas de Israel contra os palestinos como apartheid não são novas. Até líderes israelenses, como os antigos primeiro ministros Ehud Barak e Ehud Olmert, alertaram que o Estado judeu se arriscava a se tornar um Estado com apartheid, a menos que negociasse com os palestinos. Em 2006, o ex-presidente Jimmy Carter fez a mesma análise com o seu livro Palestine: Peace Not Apartheid. Bem recentemente, as respeitáveis ONGs israelenses Yesh Din e B´Tselem recorreram igualmente à definição de apartheid.
Em maio de 2021, um relatório da Human Rights Watch (HRW), baseado numa investigação de dois anos e em duas décadas de trabalho em Israel e nos territórios ocupados, chegou à mesma conclusão de que o crime contra a humanidade de apartheid é cometidos pelo governo de Israel. Ao usar o termo apartheid a HRW afirma simplesmente aplicar o direito internacional contido na convenção de 1973 sobre o apartheid e no estatuto de Roma, do Tribunal Penal Internacional. Três elementos concorrem para tal crime: a intenção de um grupo racial de dominar um outro, uma opressão sistemática e a perpetuação de certos atos desumanos.
Agora chegou a vez da Anistia Internacional (AI), tendo como nova secretária-geral Agnès Callamard, antiga relatora especial da ONU sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias. A AI acaba de publicar o relatório "O apartheid de Israel contra os palestinos: um sistema cruel de dominação e um crime contra a humanidade", baseado numa análise de cinco anos do direito civil israelense, que governa 2 milhões de palestinos com nacionalidade israelense, e o direito militar, que governa os restantes 4 milhões na Cisjordânia e Gaza. Callamard, nas suas próprias palavras, afirma que "o relatório revela a verdadeira extensão do regime de apartheid de Israel. Quer vivam em Gaza, em Jerusalém Oriental e no resto da Cisjordânia, ou em Israel, os palestinos são tratados como um grupo racial inferior e sistematicamente privados de seus direitos. Descobrimos que as políticas cruéis de segregação, expropriação e exclusão de Israel em todos os territórios sob seu controle claramente equivalem ao apartheid".
Como em todas as falas e relatórios mencionados aqui, o objetivo principal deste artigo é relembrar que a comunidade internacional tem a obrigação de agir, deixando de tolerar Israel como um estado membro da ONU acima das obrigações do direito internacional.
Diante do relatório, houve acusações imediatas de antissemitismo do governo israelense, afirmando que a "linguagem extremista" (sic) da Anistia derramará combustível no fogo do antissemitismo" e pode levar à violência contra os judeus em todo o mundo. "A Anistia não é uma organização de direitos humanos, mas apenas outra organização radical que ecoa propaganda sem verificar seriamente os fatos", afirmou Yair Lapid, ministro das Relações Exteriores. "Em vez de buscar a verdade, a Anistia ecoa as mesmas mentiras compartilhadas por organizações terroristas". Apesar dessa reação histérica, como caracterizou o jornal israelense Haaretz, o relatório da AI visa o atual governo de Israel e não a população israelense, nem contesta a existência do Estado de Israel.
E aqui, em Bruzundanga? Ao contrário dos grandes jornais impressos e cadeias de televisão no mundo, aqui a grande imprensa foi discretíssima sobre o relatório da AI, privilegiando opiniões favoráveis a Israel. O mesmo silêncio tumular se ouviu das universidades, das organizações de direitos humanos. A questão das violações dos direitos humanos dos palestinos simplesmente não existe em Bruzundanga.
Paulo Sérgio Pinheiro é relator especial da ONU para a Síria, foi relator especial da ONU para o Myanmar (2000-2008), integra a Comissão Arns, da qual foi o primeiro presidente.
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