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Jamil Chade

ONU: Bolsonaro viola tratados internacionais de combate à tortura

24.set.2019 - Bolsonaro na ONU - REUTERS/Lucas Jackson
24.set.2019 - Bolsonaro na ONU Imagem: REUTERS/Lucas Jackson

Colunista do UOL

02/07/2020 15h31

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Nesta quinta-feira, o Subcomitê das Nações Unidas para a Prevenção da Tortura emitiu um comunicado apontando para o risco de que sistemas de monitoramento sejam impedidos de funcionar. E, como exemplo de um problema sério, citou o Brasil. O grupo apontou que tem sido a ação do próprio governo brasileiro que tem impedido o trabalho de fiscalização.

O órgão da ONU se reuniu em junho para avaliar diferentes situações no mundo e retomou o debate sobre a situação no país. Em dezembro, o comitê havia emitido um parecer duro contra o Brasil, implicando o governo em violações de tratados internacionais. O governo brasileiro, antes das conclusões, chegou a enviar para Genebra representantes do Ministério dos Direitos Humanos para explicar a situação, entre eles o secretário Nacional de Proteção Global, Sergio Queiroz. Mas a versão contada por Brasília não convenceu os peritos.

O ponto central avaliado era o decreto 9.831 de 10 de junho, que foi denunciado por ativistas e ongs como tendo desmantelado os sistemas de controle de tortura e prevenção no Brasil. Para a entidade internacional, a existência do Mecanismo Nacional de Prevenção da Tortura não é uma opção. Mas uma obrigação do estado brasileiro.

A constatação do organismo da ONU não implica em sanções concretas. Mas aprofunda a crise de credibilidade do país em termos de cumprimento de acordos internacionais, principalmente no setor de direitos humanos.

"A adoção e entrada em vigor do Decreto Presidencial nº 9.831 enfraqueceu severamente a política de prevenção da tortura no Brasil", afirmou o subcomitê da ONU. Para a entidade, tal postura dificulta o cumprimento das regras estabelecidas pela entidade e é incompatível com os tratados.

"Em vista do exposto, o Subcomitê entende que o Decreto Presidencial no 9.831 deve ser revogado para melhor assegurar que o sistema brasileiro de prevenção da tortura funcione de forma eficiente e independente, com autonomia financeira e estrutural e recursos adequados, de acordo com as obrigações internacionais do Brasil", disse.

O organismo também pede que as "autoridades brasileiras se comprometam sobre a melhor forma de fortalecer a eficácia de seu sistema de prevenção da tortura, incluindo quaisquer propostas de reforma para reforçar seu Mecanismo Nacional de Prevenção da Tortura (MNP)".

"O Decreto parece indicar uma mudança na política do Estado Parte em relação à prevenção da tortura em geral, bem como, em particular, no modelo para cumprir suas obrigações internacionais nos termos do Protocolo", disseram.

Pelo decreto, os peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção contra Tortura deixariam de ser remunerados e exerceriam suas funções de forma voluntária. O Decreto de junho de 2019 também elimina a exigência de que seus membros sejam diversos em termos de gênero, raça e representação regional e, de formas ainda pouco claras, desmantela a estrutura de apoio administrativo.

"Estas mudanças na abordagem do Estado Parte em relação à prevenção da tortura e ao Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura são difíceis de entender, contrárias ao progresso feito anteriormente para a implementação de suas obrigações o e constituem um retrocesso para o sistema no Brasil", alertam.

Cartas e liminares

Em agosto de 2019, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos indicou que, no futuro, apoiará os membros do Mecanismo, inclusive com recursos financeiros.

Mas a constatação do organismo da ONU é de que os onze peritos do Mecanismo "não só perderam sua remuneração como também perderam seus níveis anteriores de apoio administrativo e pessoal dedicado".

"Atualmente, não está claro como o Ministério prestará esse apoio, que é essencial para o funcionamento eficaz do Mecanismo. No seu conjunto, isto representa uma grande mudança na forma como o Estado Parte decidiu organizar o funcionamento do MNP e, portanto, na sua política de prevenção da tortura", disse.

Em 12 de agosto de 2019, uma liminar do Tribunal Federal ordenou a suspensão dos efeitos do Decreto 9.831 e que o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos devolva os 11 membros suas funções preexistentes, de forma remunerada.

Em 13 de Agosto de 2019, o Governo contestou esta decisão, mas o Tribunal rejeitou os seus argumentos. Está pendente uma decisão final sobre o caso. Entretanto, a ordem que suspende os efeitos do Decreto e devolve os 11 membros/peritos à sua posição anterior permanece válida.

"Em carta datada de 29 de agosto de 2019 às Nações Unidas, o MNP indicou que o Governo não estava cumprindo a ordem judicial e, portanto, os membros/peritos do MNP permanecem sem remuneração e incapazes de desempenhar suas funções da maneira exigida pela ordem judicial", alertou.

Obrigações

O organismo da ONU insiste que existem obrigações do estado em "assegurar a independência estrutural e funcional dos Mecanismos Nacionais de Prevenção, bem como do seu pessoal (secretariado)", além de recursos necessários e medidas necessárias para assegurar que os "peritos do mecanismo tenham as capacidades e conhecimentos profissionais necessários".

Os tratados também estipulam que "os Estados Partes comprometem-se a disponibilizar os recursos necessários para o funcionamento dos mecanismos preventivos nacionais".

Segundo os peritos da ONU, a própria lei brasileira determina que " independência operacional do mecanismo deve ser garantida" e que recursos sejam "disponibilizados" para garantir "total autonomia financeira e operacional". ?

Por tais motivos, o Subcomitê de Prevenção de Tortura "considera que o Decreto nº 9.831, de 2019, significa que o MNP não pode ser considerado conforme por uma série de razões, incluindo as seguintes:

(a) Os membros/peritos do MNP foram indevidamente restringidos na sua capacidade de exercer as suas funções de forma suficientemente focalizada, independente e dedicada pela mudança do seu estatuto para titulares de cargos públicos não remunerados;

(b) Os membros/peritos do MNP deixarão de ser apoiados por pessoal especializado, especializado e independente, escolhido pelo MNP financiado pelo orçamento específico dos MN e que responde diretamente perante eles;

c) As mudanças propostas não são o resultado de um processo de consulta ou engajamento com o MNP destinado a aumentar a eficácia das políticas de prevenção da tortura do Estado Parte.

"Estas deficiências de fundo e de processo parecem comprometer a capacidade do mecanismo de funcionar de forma eficaz, da maneira prevista pelo Protocolo Facultativo", concluem.