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Devassa inédita na diplomacia coloca Itamaraty em estado de alerta
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Resumo da notícia
- CPI já conta com mais de 2 mil páginas de documentos entregues pelo Itamaraty
- Sigilo de telegramas, porém, é alvo de debate; governo alega que abrir informação ameaça interesses estratégicos do país
- Documentos são vistos como raras provas materiais de comportamento do governo Bolsonaro
Uma das maiores devassas na diplomacia brasileira coloca em estado de alerta embaixadores e a cúpula do Itamaraty. Solicitado pela CPI da Pandemia, o Ministério das Relações Exteriores foi obrigado a entregar mais de 2 mil páginas de telegramas, emails, instruções e ofícios internos sobre a reação do governo diante da covid-19.
Mas os documentos foram classificados como sigilosos e agora são alvos de uma batalha sobre a retirada do caráter confidencial de suas informações. O Executivo teme revelações de dimensões importantes sobre o papel da rede de postos diplomáticos e até mesmo um impacto nas relações com parceiros pelo mundo.
No total, o Itamaraty submeteu 700 documentos, com mais de 2 mil páginas. São troca de informações e telegramas entre a sede da chancelaria em Brasília e os diferentes postos diplomáticos do país pelo mundo. Há ainda documentos internos e comunicações entre o chanceler e diferentes departamentos do Ministério das Relações Exteriores.
Para pessoas próximas à CPI, num governo onde grande parte das decisões é tomada sem registros oficiais e em esquemas extraoficiais, os documentos do Itamaraty são considerados como uma "mina de ouro" e uma rara prova material de decisões que foram tomadas desde o início da pandemia.
Técnicos, inclusive, acreditam que esse seja a maior abertura de documentos oficiais da diplomacia brasileira nas últimas décadas. "É a maior devassa", confirmou um assessor parlamentar, na condição de anonimato.
De acordo com fontes no Senado, os documentos do Itamaraty receberam uma classificação de "sigilosos" quando deixaram a chancelaria, mesmo em caso de telegramas que eram considerados como ostensivos ou que poderiam ter sido obtidos por meio da lei de acesso à informação.
Irritados, os senadores passaram a avaliar a possibilidade de retirar todo o sigilo. Mas o gesto levou o Itamaraty a fazer uma campanha nos bastidores para evitar tal medida.
O argumento do governo é de que cada um dos documentos teria de ser analisado antes de ser tornado público, já que poderia expor o Brasil diante de parceiros internacionais, afetar os interesses estratégicos e ainda eventualmente revelar informações de caráter privado de funcionários.
Pelas regras, algumas das classificações de confidencialidade poderiam significar a impossibilidade de acessar os documentos por cinco ou 15 anos. No caso da viagem do ex-ministro Ernesto Araújo para Israel, vários dos telegramas vivem essa situação e estão selados até o ano de 2035.
Mas fontes que estão avaliando a documentação consideram que o material tem um valor fundamental para o inquérito e que parte do argumento do Executivo é uma tentativa de se evitar que os dados sejam obtidos pela CPI. Vazamentos para a imprensa já revelaram a dimensão dos dados que podem surgir das mais de 2 mil páginas.
A coluna, por exemplo, revelou um dos telegramas que aponta que a Covax Facility ofereceu 86 milhões de doses ao Brasil e prevendo até devolver o dinheiro se o governo optasse por mudar de ideia. Mas, ainda assim, o país comprou apenas 43 milhões de doses.
Reportagem da Folha de S. Paulo também revelou como o Itamaraty foi acionado para buscar insumos para a produção de cloroquina, enquanto na OMS o ex-ministro Eduardo Pazuello tentou vender a ideia de tratamento precoce.
Pela análise preliminar que já começa a ser realizada, fica claro ainda para a CPI que Ernesto Araújo desempenhou um papel importante na estratégia do governo na pandemia.
O ex-chanceler encarnou a ideologia da extrema-direita na diplomacia e passou a ser acusado até mesmo internamente de usar uma das instituições mais tradicionais do Brasil para atender aos objetivos da ala mais radical do bolsonarismo.
Procurado pela coluna, o Itamaraty não respondeu aos pedidos de esclarecimento.
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