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Josias de Souza

Bolsonaro em versão Luís 14: 'A Constituição sou eu'

Colunista do UOL

20/04/2020 21h53

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Tornaram-se frequentes os episódios em que Jair Bolsonaro tem recaídas de sobriedade depois de personificar ataques de insensatez. Se isso tivesse ocorrido uma vez, poderia ser entendido como mero acontecimento. Se tivesse ocorrido duas vezes, poderia ser interpretado como mera coincidência. Quando a coisa se repete incontáveis vezes, vira uma inquestionável estratégia. Na crise do coronavírus, o que era apenas incômodo vai se tornando insuportável.

No seu vaivém estratégico, Bolsonaro já levou o rosto cinco vezes à vitrine da rede nacional de rádio e TV. Ele desdisse num pronunciamento o que dissera na fala anterior. Em março, Bolsonaro desconvocou uma manifestação anti-Congresso e anti-Supremo que ele havia estimulado em mensagens de WhatsApp. Depois, foi ao encontro dos manifestantes em frente ao Planalto, violando as recomendações de isolamento social do Ministério da Saúde.

Neste domingo, Bolsonaro discursou para uma multidão que clamava, no gogó e em inúmeras faixas, por intervenção militar, fechamento do Congresso e do Supremo e um novo AI-5, que pressupõe, entre outras barbaridades, a censura à imprensa. Tudo isso na frente do Quartel General do Exército. Nesta segunda-feira, o presidente disse que respeita o Judiciário e o Legislativo. E proclamou: "Eu sou a Constituição".

A frase lembra Luiz 14. Com uma diferença: o monarca francês, a quem se atribui a frase "O Estado sou Eu", viveu no século 17 e permaneceu no poder por 72 anos. Bolsonaro vive no século 21, num país democrático, em que os presidentes, mesmo os que se imaginam reis, têm prazo de validade. Com seu comportamento, Bolsonaro está conspirando contra renovação do prazo do seu mandato, porque um número cada vez maior de pessoas não consegue enxergar a utilidade da sua Presidência.

No momento, o mundo se esforça para combater o coronavírus. No Brasil, o presidente se associa ao vírus para drenar as energias de um país em que as UTIs começam a entrar em colapso em diferentes localidades. Bolsonaro fez da sua Presidência uma máquina de moer que trabalha incessantemente. Se não há o que moer, o presidente tritura a si mesmo.

Um presidente assim deve ser tratado com paciência, nos limites da Constituição que ele não consegue personificar. Fez bem a Procuradoria da República ao requisitar investigação sobre a organização do ato antidemocrático que o presidente da República decidiu estrelar.