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Josias de Souza

Não há ingênuos no caso do chefe fujão do PCC

Colunista do UOL

13/10/2020 19h36

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O Brasil virou um mato do qual não sai coelho. Sai jacaré, político corrupto, cobra, membro de facção criminosa, hiena, magistrado garantista, toupeira, eleitor distraído. Este é o país onde há a maior possibilidade de se criar um mundo inteiramente novo e ético. Caos e desfaçatez não faltam. O caso do traficante André do Rap, convertido em fugitivo com aval do Supremo, é um efeito colateral da vacina que os congressistas injetaram no pacote anticrime de Sergio Moro para se imunizar contra a radioatividade da Lava Jato.

Num Congresso repleto de parlamentares que flertam com a forca, Câmara e Senado excluíram do pacote anticrime o pedaço que tinha a aparência de corda. Nada de prisão de corruptos condenados na segunda instância. Nem sinal de criminalização do caixa dois. Quem estava preso foi solto. Quem aguardava na fila relaxou. Para evitar a repetição das prisões longevas da Lava Jato, enfiou-se dentro do Código de Processo Penal o parágrafo único do artigo 316. Tem o formato de um pé de cabra. Prevê que a prisão preventiva se torna ilegal se não for revalidada a cada 90 dias pelo juiz que a decretou.

Dizia-se que essa espécie de recall trimestral para as prisões destinava-se a evitar que presos humildes fossem esquecidos nos fundões do sistema carcerário. Conversa mole. Três em cada dez presos no Brasil estão atrás das grades sem condenação. São pretos e pobres. Não há vestígio de alguém com esse perfil que tenha deixado a cadeia graças à nova regra pró-bandidagem incluída no pacote anticrime.

Na outra ponta, a novidade legislativa já levou o ministro Marco Aurélio Mello a abrir a cela não apenas de André do Rap, mas de pelo menos 79 presidiários com bolso para contratar bons advogados. A maioria estava na cadeia por tráfico de drogas e organização criminosa. Há também acusados de homicídio qualificado, tentativa de feminicídio e corrupção ativa.

Os responsáveis pelo flagelo se fingem de desentendidos. Mas convém recordar que o pé de cabra foi incluído por um deputado do centrão numa proposta do governo, aprovada pela maioria do Congresso, sancionada por Jair Bolsonaro e agora aplicada pelo Judiciário. Não há ingênuos nesse enredo. Fica comprovado que, no Brasil, quem vive de esperança tende a morrer muito magro.