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Josmar Jozino

REPORTAGEM

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Disfarces, arrastões e cofres arrombados: os métodos do assaltante Pateta

José Carlos Rabelo, o Pateta, foi um dos maiores assaltantes de São Paulo - Divulgação
José Carlos Rabelo, o Pateta, foi um dos maiores assaltantes de São Paulo Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

09/12/2021 04h00Atualizada em 09/12/2021 11h00

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Um ramalhete de flores levado por um falso entregador. Esse foi o disfarce usado pela quadrilha liderada por José Carlos Rabelo, 49, o Pateta, para invadir e realizar um roubo milionário na casa do então deputado estadual Alberto Calvo (PSB), na zona norte paulistana, em 24 de agosto de 2001.

Ações como essa eram rotina na vida criminosa de Pateta entre 1996 e 2001. Ele comandou dezenas de roubos cinematográficos. Os integrantes do bando sempre se passavam por entregadores de flores e jornais; carteiros e falsos policiais. E ficavam semanas investigando os hábitos das vítimas.

Condenado a 106 anos por roubos, sequestros e associação criminosa, o assaltante, de Pateta, só tem o apelido. Para a Polícia Civil de São Paulo, ele é um dos maiores ladrões de bancos, transportadoras de valores, penhores de joias, condomínios de luxo e casas de alto padrão do país.

Segundo o Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), Pateta começou a roubar em janeiro de 1996 e o alvo eram os bingos. Dois anos depois, ele migrou para os bancos e tinha como preferência o setor de penhores de joias depositadas em cofres de aluguel.

Joias penhoradas

Foi assim que em 17 de outubro de 1998, Pateta e seu bando atacaram a agência da Caixa Econômica Federal da rua Augusta, no bairro paulistano dos Jardins. O zelador e o porteiro do prédio onde funcionava o banco foram rendidos.

Era um sábado. Funcionários de uma obra trabalhavam no edifício. Eles também foram dominados e obrigados a arrombar com as próprias ferramentas dezenas de cofres. O Deic apurou que foram roubados R$ 6 milhões em joias de 5 mil clientes. Dois irmãos de Pateta agiram com ele.

Um ano depois, em 24 de outubro de 1999, um domingo, Pateta coordenou roubo idêntico, dessa vez no setor de penhor da Caixa Econômica Federal de Santo André, no ABC. Foram levados de 450 clientes um lote de seis mil joias, avaliado em R$ 5 milhões.

Para entrar no banco, os criminosos usaram uniforme igual aos utilizados por funcionários da empresa responsável pela segurança no local. Os ladrões alegaram que faziam uma ronda e queriam saber se estava tudo bem. Em seguida, renderam quatro vigiantes.

À época, a Polícia Civil disse que o bando de Pateta ficou oito horas na agência, arrombando os cofres com maçarico. Durante esse período, os assaltantes comeram lanches e beberam refrigerantes. O grupo deixou o banco por volta das 17h.

Dois meses depois desse roubo, Pateta e os comparsas participaram de outra ação ousada. Dessa vez, a quadrilha dele resolveu atacar um parque temático. O alvo escolhido foi o Hopi Hari, em Vinhedo (SP). Os assaltantes fugiram levando R$ 500 mil.

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José Carlos Rabelo, apresentado pela Polícia Civil de São Paulo, no ano de 2010
Imagem: Flávio Grieger/Folhapress

Arrastões em condomínios

Os condomínios de luxo também eram visados pelo criminoso. Um dos arrastões aconteceu em 4 de abril de 2000. A quadrilha de Pateta usou veículo com logotipo dos Correios e uniformes de carteiro para entrar em um edifício no Itaim Bibi, zona oeste paulistana.

Ao menos três dos 11 apartamentos do prédio foram invadidos. Uma das vítimas foi o morador Paulo Henrique Amorim. Os ladrões agrediram o jornalista. As vítimas tiveram de entregar joias, relógios, dólares, roupas de grife e objetos eletroeletrônicos.

Três semanas se passaram e Pateta já tinha outro plano para pôr em prática. O ataque aconteceu em 26 de abril de 2000 em outro condomínio luxuoso. Dessa vez, o disfarce escolhido por Pateta e seus parceiros foi de entregador de jornais e revistas.

De acordo com a Polícia Civil, o porteiro não desconfiou e acabou rendido. O bando não teve dificuldade para entrar no Edifício High Point, no Morumbi. Pateta comandou o arrastão. Também foram levados dinheiro, joias e outros objetos de valor das vítimas.

Os sucessivos roubos coordenados por Pateta tinham grande repercussão e causavam enorme preocupação. A Polícia Civil era cobrada e a prisão do assaltante era considerada questão de honra para as autoridades da segurança pública.

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Pateta tinha ligação com o Primeiro Comando da Capital
Imagem: Reprodução / MOV

Resgatado pelo PCC

Pateta estava na mira de investigadores da equipe do delegado Edison Santi, da 2ª Delegacia de Repressão a Crimes contra o Patrimônio, do Deic. Em 8 de maio de 2000, o perigoso criminoso foi preso pelos policiais civis em Pirituba, zona oeste. Ele portava pistola Glock, mas não reagiu.

O assaltante ficou apenas um ano atrás das grades. Em 24 de maio de 2001, foi resgatado pelo PCC (Primeiro Comando da Capital) com outros 11 presos na rodovia Castello Branco, quando era trazido da Penitenciária de Iaras (SP) para audiência judicial em um fórum na capital. Um PM da escolta morreu com tiro de fuzil na ação.

No período em que ficou solto, Pateta não parou de agir. Em 24 de agosto de 2001, ele liderou o roubo à casa do deputado Alberto Calvo. Um dos assaltantes se passou por entregador de flores. Segundo o Deic, foram roubados R$ 500 mil em joias e R$ 665 mil em dólares americanos.

No início de julho de 2001, Pateta havia coordenado outro mega-assalto. A quadrilha ficou uma semana investigando a rotina de gerentes e chefes de segurança da empresa de transportes de valores Preserve. O bando sequestrou funcionários e parentes deles.

Os reféns foram levados para uma chácara alugada em Jarinu (SP). Os ladrões amarram explosivos nas vítimas e tiraram fotos delas sob mira de fuzis. Temendo pela vida dos colegas, seguranças da empresa abriram os cofres para os ladrões. Foram roubados R$ 7,4 milhões.

Outra ação bem-sucedida comandada por Pateta aconteceu em 16 de outubro de 2001, mas longe de São Paulo. O alvo foi o BRB (Banco de Brasília), no Distrito Federal. Novamente os criminosos sequestraram funcionários da instituição e levaram R$ 3,6 milhões.

Banho de sol no Ibirapuera

Tudo parecia transcorrer bem para Pateta. Na visão dele, o crime compensava. O assaltante passou a ostentar, desfilando em carros de luxo e usando joias e relógios caros. E não tinha a preocupação de ficar escondido em lugares distantes dos grandes centros.

No dia 9 de novembro de 2001, Pateta foi tomar sol no Parque do Ibirapuera, um dos principais cartões postais de São Paulo. Ele estava sentado em um banco e aparentava tranquilidade e descontração. Usava no pulso esquerdo um relógio Ferrari - Girard Perregaux - e guardava no bolso US$ 100.

Investigadores da equipe do delegado Santi o surpreenderam outra vez. Pateta portava documento falso e tinha ido ao Parque do Ibirapuera a bordo de um carro importado. Ele está preso até hoje e, segundo a polícia, cumpre pena na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau (SP), reduto do PCC.

Para Edison Santi, responsável pelas prisões de Pateta e dos demais integrantes do bando dele, o criminoso foi um dos maiores ladrões de São Paulo e, além dos disfarces, foi um dos primeiros a usar carros clonados e controle remoto para ludibriar porteiros e fazer arrastões em condomínios de luxo.

José Carlos Rabelo está sem advogado e, nos últimos anos, vem sendo atendido pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo. A reportagem não conseguiu contato com os defensores. À coluna, investigadores disseram acreditar - sem dar detalhes - que o dinheiro roubado por Pateta tenha acabado durante essas duas décadas ininterruptas de prisão.

As disputas por poder e dinheiro dentro da principal organização criminosa do Brasil são narradas na segunda temporada do documentário do "PCC - Primeiro Cartel da Capital", produzido por MOV, a produtora de documentários do UOL, e o núcleo investigativo do UOL.