Vinho e charuto: a negociação de propina com o PCC em uma delegacia de SP
Um vinho italiano da Calábria e um charuto cubano selaram, na sala de uma delegacia de Polícia do Arujá (SP), as negociações de pagamento de propinas de agiotas do PCC (Primeiro Comando da Capital) para policiais civis, segundo o MP-SP (Ministério Público do Estado de São Paulo).
Em maio deste ano, sete agiotas foram presos na Operação Khalifa, deflagrada pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial e de Combate ao Crime Organizado), subordinado ao MP-SP, e pela Polícia Militar, na capital paulista e no Alto Tietê, na região metropolitana.
Os telefones celulares dos suspeitos foram apreendidos. A Justiça autorizou o Gaeco a ter acesso aos dados extraídos dos aparelhos. Em alguns deles havia mensagens relacionadas a pagamentos de propinas para policiais civis de Arujá e do município vizinho de Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo.
A Operação Khalifa foi batizada com esse nome em referência às viagens que os agiotas realizaram para Dubai, nos Emirados Árabes, onde fizeram várias ostentações, de acordo com o Gaeco. Todos tiveram a prisão preventiva decretada e tornaram-se réus.
Ao analisar o aparelho de Edson Carlos Nascimento, 44, o Kaká, um dos réus e apontado como o líder do esquema de agiotagem, o Gaeco encontrou, nos dados de 23 de outubro de 2023, fotos de "indivíduos" saboreando o vinho e fumando charuto em uma delegacia de Arujá "em plena luz do dia".
Em um relatório do MP-SP ao qual o UOL teve acesso, o Gaeco menciona que Kaká mora em Arujá e que o grupo criminoso liderado por ele "possui lações estreitos com diversos agentes públicos especialmente policiais, o que é um forte indicativo de pagamento de vantagem indevida".
Nos dados de 15 de abril deste ano, extraídos do telefone celular de Eduardo Nunes da Silva, 44, outro réu, aparece mensagens enviadas por uma mulher identificada como Andressa do Sítio de Suzano, dizendo que pagava propina para policiais de uma delegacia de Arujá.
A mulher informa que os agentes queriam R$ 5.000 para deixá-la trabalhar e que depois o valor foi reduzido para R$ 2.500. Ela comenta que conhece o chefe dos policiais e acrescenta que pagava R$ 1.000 por mês. Deixa claro ainda que mais do que esse valor não iria pagar.
Outro acerto de R$ 50 mil
No telefone celular do advogado Márcio Pereira dos Santos, 52, também réu no processo de agiotagem, consta, em 11 de dezembro de 2023, uma mensagem dele para uma mulher, na qual ele faz comentários sobre a apreensão de uma carga ilícita contendo 30 caixas de telefones celulares.
A mulher, não identificada, está em uma delegacia. O advogado a orienta e pergunta se ela pode ter uma conversa com eles no sentido de liberar os aparelhos. A interlocutora indaga se ele tem ideia do valor da propina.
Ele responde que ela deveria ver isso com os policiais "considerando que a carga teria o valor aproximado de R$ 50 mil, mas que essa informação não deveria ser repassada aos agentes públicos, para que conseguissem pagar um valor menor".
O documento do Gaeco não diz em qual distrito policial houve o "acerto" para a liberação da carga de telefones celulares. Nos relatórios também não constam os nomes dos policiais civis de Arujá suspeitos de negociar a propina. A Promotoria de Justiça apurou apenas o endereço da delegacia.
A reportagem não conseguiu contato com os advogados dos réus Edson, Eduardo e Márcio. O espaço continua aberto para manifestações. O texto será atualizado se houver posicionamento dos defensores dos suspeitos.
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