Surto de coronavírus lembra racismo e xenofobia contra orientais no Brasil
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Uma estudante de Direito denunciou ter sido vítima de racismo e xenofobia por uma passageira do metrô do Rio de Janeiro, neste sábado (1). "Essa mulher esperou eu me dirigir para a porta do vagão para gritar 'olha lá a chinesa saindo, sua chinesa porca', 'nojenta' e 'fica aí espalhando doença para todos nós' ", postou Marie Okabayashi no Twitter, com um vídeo da agressora.
"Dentre as atrocidades: 'quando eu vejo um chinês, eu atravesso a rua', 'não compraria uma coca fechada desse povo, porque eles contaminam tudo', 'os coreanos, tailandeses e esse resto também são um horror!', 'invadem nosso país, roubam os empregos do nosso povo, espalham doenças'." A mulher ainda teria dito que negros 'não são sujos porque foram escravizados (sic)' ", segundo a estudante.
O surto do novo coronavírus veio acompanhado de outro, de racismo aliado à xenofobia contra chineses, orientais e seus descendentes. Histórias de pessoas que, por terem os olhos puxados, sofreram preconceito em espaços públicos, mesmo estando sãs, avolumam-se em vários países. Na França, relatos podem ser lidos na hashtag #JeNeSuisPasUnVirus - "NãoSouUmVírus".
O preconceito e o ódio contra o estrangeiro se aliam à discriminação devido a características físicas, sociais e culturais de grupos étnicos. No Brasil, isso não é novo. Não raro passa despercebido por conta da integração dessas minorias à elite branca brasileira. Mas, inevitavelmente, elas são lembradas que nem toda diferença é tolerada.
A intensidade das violências simbólica e física contra orientais é incomparavelmente menor do que aquelas sofridas por negros e indígenas - vítimas de genocídios e assassinados por serem quem são, nas periferias das cidades e do campo. Ao mesmo tempo, descendentes de orientais podem desfrutar de privilégios que negros e indígenas não chegam nem perto por conta de sua cor de pele. Isso não significa, contudo, que indivíduos desses grupos não sejam alvos.
Às demonstrações de preconceito nas redes sociais por conta do coronavírus somou-se, recentemente, a ignorância orgulhosa presente nas ofensas ao jogador japonês Keisuke Honda, nova aquisição do Botafogo para temporada, e ao youtuber Pyong Lee, descendente de coreanos e participante do Big Brother Brasil.
Ou ainda as declarações do presidente da República, destilando xenofobia e racismo sobre a jornalista Thaís Oyama, autora de uma publicação sobre o primeiro ano de seu governo. "Esse é o livro dessa japonesa, que eu não sei o que faz no Brasil, que faz agora contra o governo." Detalhe: ela nasceu em Mogi das Cruzes (SP).
Aliás, Bolsonaro tem se mostrado sistematicamente preconceituoso contra orientais em suas declarações, mas muitos insistem em dizer que ele apenas fez "piada" ou "grosseria". O problema de passar pano para o ocupante do mais importante cargo político do país, quando ele comete um ato deplorável, é que o cidadão comum começa a acreditar que esse comportamento é aceitável.
O senso comum afirma que japoneses, por exemplo, devem ser bons trabalhadores e estudantes que aceitam de boca fechada a realidade à sua volta. É um estereótipo tosco. Primeiro, por ser usado para agredir outros grupos, como negros e índios, por comparação. Segundo, ao se encaixar todos os descendentes de uma nacionalidade a um padrão, quem sai dessa linha é tratado como um desvio e punido. "Japonês burro, por que você não pode fechar sua boca imunda e apenas trabalhar como os outros da sua raça? Não gosta do governo Bolsonaro, volta pro Japão", comentário que colhi, na semana passada, nas minhas redes sociais.
Negros e indígenas sofrem racismo estrutural no Brasil. As instituições públicas e a sociedade foram programadas, desde a fundação do país, a excluir sistematicamente esses grupos de direitos que outros possuem, o que se traduz em piores oportunidades de trabalho, no pouco acesso à educação de qualidade, na violência de gênero mais agressiva, no tratamento genocida por agentes de segurança pública. É diferente do racismo sofrido por outros povos.
Por isso, soa estranho falar de racismo e xenofobia a orientais. Mas é preciso, pois diz respeito a um país que não consegue efetivar a dignidade como um valor coletivo.
Com a expansão do poder e da influência da China, mais atritos devem ser gerados. Isso já seria um problema para uma sociedade acostumada à pluralidade e à diferença, que repudia o racismo e a xenofobia, e abraça todos da mesma forma. Mas o Brasil, que tolera a diferença apenas quando ela é rica ou dócil, terá mais uma tarefa no hercúleo esforço de repensar a si mesmo.