Leonardo Sakamoto

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Opinião

Desvio de grana de boxe no Rio prova que emenda parlamentar virou esculacho

Enquanto o governo é pressionado a reduzir programas sociais para o ajuste fiscal, denúncias de desvios de grana pública se avolumam envolvendo destinatários de emendas parlamentares. A última é uma organização não-governamental que comprou 400 sacos de pancadas sem ter boxe em suas atividades. É uma porrada na cara. No cidadão.

Investigacão de Ruben Berta, do UOL, publicada nesta terça (23), aponta que recursos de uma emenda do deputado Pedro Paulo (PSD), braço direito e correligionário do prefeito Eduardo Paes, do Rio de Janeiro, foram enviados para o Instituto Carioca de Atividades — que pagou R$279 mil por 400 kits de boxe à empresa Esporte Global Comércio de Artigos Esportivos. A organização, contudo, não foi capaz de atestar o uso dos produtos, nem a sua existência.

A reportagem faz parte de uma série publicada pelo UOL que expõe como organizações receberam quase meio bilhão de reais em emendas parlamentares, entre 2021 e 2023, a maioria delas no Rio de Janeiro. O caso dos sacos de areia é um de muitos relatados na matéria, um mais vergonhoso que outro.

O problema não é receber recursos que vão ser utilizados para melhoria da qualidade de vida da população mais pobre, mas a grana simplesmente desaparecer e ser destinada a outro fim, não raro, escuso. A investigação mostra ainda precariedade de organizações que, em tese, foram destinatárias dos recursos. Ou seja, o dinheiro virou o quê? Lagosta? Caixa 2?

Os "kits de boxe" do Rio são uma versão atualizada dos "kits de robótica" de Alagoas. Assessores, aliados e até doadores de campanha do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, foram investigados por desvios milionários de dinheiro público da educação em municípios pobres.

O escândalo foi revelado pela Folha de S.Paulo, em abril de 2022, levando a uma operação da Polícia Federal. Lira não era alvo, mas seu aliado, Edmundo Catunda, é dono da empresa Megalic, vencedora de licitação de kits com sobrepreço e alvo. Luciano Cavalcanti, ex-assessor de Lira, exonerado após o escândalo, foi flagrado coletando dinheiro do esquema e é alvo. Murilo Nogueira Júnior doou o uso de sua picape a Lira para que ele fizesse campanha eleitoral, e o veículo foi o mesmo usado na coleta de cascalho desviado, por isso se tornou alvo. E o jornal O Estado de S.Paulo divulgou que Lira é o autor da indicação de R$ 32,9 milhões do orçamento secreto para a compra dos tais kits de robótica nos municípios analisados em Alagoas.

Por essas coisas da vida, que só um Fórum de Lisboa poderia explicar, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, arquivou o inquérito dos kits de robótica em Alagoas em setembro de 2023.

É importante que parlamentares possam destinar recursos para as necessidades de suas bases eleitorais. A destinação de emendas é algo constitucional e democrático. O problema é que, desde o governo Dilma Rousseff, com a ação do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, passando pelas gestões Michel Temer, Jair Bolsonaro e Lula 3, elas se tornaram chave no sequestro do orçamento por parte do Congresso.

Além de reduzir recursos para a execução de projetos nacionais e regionais, tornando o orçamento municipalizado, elas se tornaram formas de perpetuar os grupos no poder. Ajudam prefeitos e vereadores que, depois, vão reeleger deputados senadores.

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Em um momento em que o Ministério da Fazenda é pressionado a cortar gastos públicos, colocando em risco até o mínimo constitucional da educação e da saúde, histórias de mau uso das parlamentares deveriam inspirar o Congresso Nacional e o governo a reduzirem o montante ao qual os parlamentares tem direito de indicar ao invés de reduzir o montante de dignidade da população mais pobre.

A questão é que, discutir isso em ano eleitoral municipal, é mais grave, na ótica dos nobres deputados e senadores, do que espancar a própria mãe. Com ou sem luva de boxe.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL