Decisão do TST contra greve de petroleiros é equivocada em forma e conteúdo
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Por Eloísa Machado*, especial para o blog
Ao declarar a ilegalidade da greve dos petroleiros, o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Ives Gandra Martins Filho (famoso por defender o fim da Justiça do Trabalho se magistrados não concordassem com os termos da Reforma Trabalhista) fundamentou que "embora garantido pela Constituição", o direito de greve deve ser ponderado com outros direitos.
A afirmação que parece irrefutável esconde uma trapaça interpretativa. Pois ponderação virou sinônimo de desconsideração. Afinal, o direito à greve - "embora garantido pela Constituição" - foi solenemente violado pela decisão. O motivo está escondido nas entrelinhas: o ministro parece ser contra greves, embora seja um direito garantido pela Constituição e pela lei.
Para construir sua decisão, ele usa a "aparente ausência de motivação" para a greve, entrando em assunto que a lei expressamente proíbe. A lei (ora a lei, não é mesmo?) diz que são os trabalhadores e apenas eles que devem decidir a respeito dos interesses a serem defendidos numa greve e o momento de realiza-la.
Uma decisão monocrática e liminar declarou a greve de trabalhadores da Petrobrás ilegal. Em outras palavras, uma canetada individual pretende acabar com a maior greve de petroleiros em décadas.
A liminar foi concedida rapidamente para considerar a greve ilegal, impondo multas de meio milhão de reais por dia e determinando a manutenção de 90% dos trabalhadores "para garantir o abastecimento".
É evidente que uma decisão de tamanho impacto não deveria ser adotada por um ministro isoladamente. Por isso a lei exige deliberação do tribunal, ou seja, de um colegiado.
E o colegiado do Tribunal Superior do Trabalho julgou.
Provocado, o TST derrubou a decisão do ministro e pontuou que a ilegalidade ou abusividade da greve só pode ser analisada após consideração das provas e que a imposição precoce de multas poderia significar censura judicial ao movimentos dos trabalhadores.
Resumindo, o tribunal restaurou a lógica da lei: a greve é um direito e não cabe ao Judiciário censurar liminarmente, antes de analisar qualquer prova, o direito constitucional de trabalhadores.
E nem se argumente sobre desabastecimento. A lei - aquela que deve ser aplicada pelos juízes e ministros - traz as hipóteses em que a greve pode ser exercida mesmo por trabalhadores de serviços essenciais. Há condições para o exercício do direito, justamente para lidar com casos que podem afetar desproporcionalmente a população. Para ser mais clara: a lei garante o direito de greve em serviços essenciais.
Mas são tempos horríveis para o Judiciário brasileiro.
Uma suspensão de segurança - entulho autoritário processual que dá a presidentes de tribunais o poder de julgar politicamente - caiu nas mãos de Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal. E a greve foi novamente considerada ilegal na canetada, embora seja um direito, embora constitucional.
Dias Toffoli fundamenta sua decisão nos prejuízos que a greve pode trazer para a economia do país: "a paralisação ou a redução drástica em suas práticas em razão de movimento paredista podem desestabilizar a posição do país tanto no cenário econômico nacional quanto internacional".
Aos trabalhadores restará trabalhar em quaisquer condições, independentemente do lucro que gerem, pois uma greve pode prejudicar a economia do país.
Se o acordo coletivo estiver sendo descumprido, se as horas-extras não estiverem sendo pagas, se as demissões estiverem avançando: trabalhem e esqueçam seus direitos.
Como toda greve é a última alternativa na disputa entre trabalhadores e empresa e tem o claro objetivo de atrapalhar, a decisão parece desconsiderar a própria razão de ser da greve, embora seja um direito, embora constitucional. Em suma, embora seja uma decisão judicial, ela é ilegal e inconstitucional.
As últimas notícias anunciam um possível acordo mediado pelo Tribunal Regional do Trabalho, onde a Petrobras suspende as demissões e os trabalhadores suspendem a greve. Este acordo existiria sem o legítimo exercício do direito constitucional de greve?
(*) Eloísa Machado é professora da FGV Direito-SP e coordenadora do centro de pesquisa Supremo em Pauta.