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Leonardo Sakamoto

Com aprovação em alta, Bolsonaro vai tratar teto de gastos como morto-vivo

Presidente Jair Bolsonaro e ministro da Economia, Paulo Guedes, em frente ao Palácio da Alvorada -
Presidente Jair Bolsonaro e ministro da Economia, Paulo Guedes, em frente ao Palácio da Alvorada

Colunista do UOL

14/08/2020 04h55

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Jair Bolsonaro, que já havia decidido torturar a regra do teto de gastos públicos até que ela gritasse "reeleição!", teve na pesquisa Datafolha, divulgada nesta quinta (13), uma evidência de que emergencial foi o auxílio.

Sua taxa de bom e ótimo foi de 32% para 37% e a de ruim e péssimo despencou de 44% para 34% de junho para cá. O presidente vive xingando o instituto de pesquisas, mas o naco terrabolista de seus assessores diretos deve ter traduzido para ele o que esses números significam.

Estadistas em tempos de guerra costumam ver crescer sua popularidade. Como ele não é um estadista e, nesta pandemia, faz tudo pelo bem-estar do inimigo, dou mais crédito ao cálculo pragmático e racional de uma parcela das famílias pobres que foi beneficiada com R$ 600 ou R$ 1200 por mês.

Além disso, dizer que o aumento da aprovação é porque ele está mais sensato desde que o inquérito das fake news chegou a seus aliados próximos e desde que começou a pipocar depósito, chocolate, imóveis e Queiroz é, do meu ponto de vista, forçar um pouco a barra. O homem acabou de fazer um discurso ultrajante dizendo que se os mais de 100 mil óbitos por covid-19 tivessem tomado cloroquina estariam vivos.

Até uma morsa com problemas de cognição sabe que Jair Messias é uma das explicações para a montanha de mortes - e continua dando argumentos para isso.

De acordo com Mauro Paulino e Alessandro Janoni, diretores do Datafolha, dos cinco pontos de crescimento da taxa de avaliação positiva do presidente, pelo menos três vêm dos informais e dos desempregados com renda de até três salários mínimos - grupo alvo do auxílio emergencial.

Se ele conseguir manter parte disso, chegará a 2022 com boas chances de ir além. A questão, como venho dizendo nos últimos meses neste espaço, é saber qual o valor mínimo do benefício e a quantidade mínima de pessoas beneficiadas que garantirão a ele manutenção de parte dessa vantagem de aprovação. Hoje, o Bolsa Família envolve mais de 14 milhões de famílias com valor médio de pouco mais de R$ 190.

Como o governo não vai segurar o valor cheio do auxílio emergencial, a redução ou fim da ajuda terá impacto negativo em sua popularidade - diretamente, pela queda no consumo familiar, e indiretamente, pela perda de um viagra econômico.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, o Robin Hood às avessas, quer tirar dos pobres da CLT para dar aos muitos pobres da informalidade através do Renda Brasil - o bolsa do bolsonarismo. Ou seja, fazer com que o abono salarial, a grana paga aos pescadores em épocas de peixes-magros, o salário-família, entre outros benefícios, ajudem a custeá-lo. Mas essas merrecas a mais não vão ser suficientes para fazer a diferença que o chefe dele precisa.

Vai ter que taxar patrimônio e renda de super-rico. E flexibilizar o teto dos gastos públicos, o que será útil tanto para um projeto de renda mínima quanto para a própria geração de empregos através de obras. Vão chamar de populismo, que é como muita gente do mercado nomeia qualquer coisa que ajude pobre mesmo não sendo populismo. Quase um programa de esquerda.

O país vai quebrar? O país já está quebrado, boa parte do mundo está. Novos parâmetros globais de saúde financeira globais que ser definidos para este momento. Caso contrário, a realidade vai devorar políticos.

Qualquer marmota, amiga da morsa, também sabia, desde que a emenda do teto de gastos foi aprovada durante do governo Michel Temer (símbolo da "antiga política", novo BFF do presidente) que ela ia esgarçar mais cedo ou mais tarde. Foi mais cedo, pela pandemia.

Agora, Bolsonaro não vai ter pudor nenhum de rebolar o teto no mato na hora que lhe for conveniente. Até lá, vai jogando com as diferentes plataformas de comunicação que tem à disposição para enrolar os envolvidos. Na quarta (12), ele faz um teatrinho canastrão ao lado de Rodrigo Maia e David Alcolumbre, alimentando o mercado com um afaga-guedes e dizendo que respeita o teto.

Apenas quem acreditou nisso quem, em 2018, também garantiu que nossas instituições eram fortes o bastante para aguentar o seu governo. No dia seguinte, em sua live semanal, já tacou um "a ideia de furar o teto existe, o pessoal debate, qual o problema?"

Na verdade, o Datafolha mostrou que o teto é um morto-vivo. "Ah, mas o Congresso não vai deixar." Qual, aquele comprado por ele em 29 prestações mensais até 2022? Ahã, Claudia, senta lá. Na hora H, Bolsonaro vai botar "I Will Survive" na vitrola - e sobe som.

Como disse no último texto que tratei desse assunto, o presidente deveria acender uma vela para os deputados e senadores que ignoraram sua proposta original de auxílio de míseros R$ 200.

Por um lado, salvaram a vida de milhões - coisa que não era prioridade do governante. E, como efeito colateral, mostrou a ele o caminho da própria salvação.