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Leonardo Sakamoto

Com menos dedo no olho e gritaria, Debate UOL/Folha inova e permite diálogo

11 nov. 2020 - Candidatos à prefeitura de São Paulo se cumprimentam após debate promovido pelo UOL e Folha de S. Paulo - Mariana Pekin/UOL
11 nov. 2020 - Candidatos à prefeitura de São Paulo se cumprimentam após debate promovido pelo UOL e Folha de S. Paulo Imagem: Mariana Pekin/UOL

Colunista do UOL

11/11/2020 15h46

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Bruno Covas (PSDB), Guilherme Boulos (PSOL), Celso Russomanno (Republicanos) e Márcio França (PSB) estrearam um novo formato de debate eleitoral, nesta quarta (11), em evento promovido pelo UOL e pela Folha de S.Paulo em São Paulo.

Nele, o protagonista é um "banco de minutos" — cada candidato teve 15 minutos para gastar quando e como quisesse, seja respondendo perguntas direcionadas a ele pelas jornalistas Luciana Coelho (Folha) e Thaís Oyama (UOL) ou pelos adversários, seja comentando resposta de outro candidato ou comentando o comentário e por aí vai.

A conversa fica mais fluída e dinâmica e, mais importante: a pessoa é capaz de completar o seu raciocínio sobre um tema que lhe é caro ou travar um debate mais profundo com um oponente.

Digo isso não por ser colunista do UOL e estar puxando a brasa para a nossa sardinha, mas porque — por dever de ofício — ser obrigado a assistir a todos os debates. E modelos engessados geram superficialidade nas respostas e empatam a fluidez. Servem, não raro, para aquela parcela da militância que quer assistir, com pipoca no sofá, seu candidato destruir o outro.

Para isso, precisa ficar esperto no relógio. Os 15 minutos valem para os três blocos. Tanto que Boulos chegou ao terceiro bloco com pouco mais de um minuto, e teve que se controlar nas últimas respostas. Márcio França, o candidato com mais tempo ao final, se gabou, comparando isso com o gerenciamento de uma cidade.

Acusação de Russomanno a Boulos subiu tom do debate

O resultado foi um debate muitas vezes duro, com acusações, mas com menos dedo no olho e gritaria. Exceção feita às acusações de Russomanno de que Boulos usaria produtoras de comunicação fantasmas na campanha. A denúncia foi baseada na publicação de um militante bolsonarista que já foi preso pela Polícia Federal e é investigado no inquérito que analisa os atos que pediram o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal e notícias falsas.

Claro que os quatro não estavam acostumados com o formato. Houve assim tropeços e dúvidas quanto às regras. Questão de treino. Em debates tradicionais, os candidatos, preparados por suas equipes de comunicação para lidar com bolas divididas e cascas de banana (no limite do possível, claro), torcem para emplacar uma frase lacradora e para não escorregarem feio.

Com perguntas, respostas, réplicas e tréplicas curtíssimas, esses debates funcionam mais para sabermos a capacidade dos candidatos de participarem de debates eleitorais do que estabelecer uma conversa profunda e elucidativa. Diante do pouco tempo que dispõem, mesmo se todos quisessem (e fossem capazes de) ser didáticos ao falar de economia, por exemplo, dificilmente conseguiriam.

O desafio de melhorar a qualidade dos debates e garantir representatividade política

O problema dos formatos tradicionais, na maioria das vezes, não é dos veículos de comunicação. O que as direções das TVs que promovem debates afirmam é que tentam mudar o modelo, mas as candidaturas não aceitam. Não raro, representantes de políticos tendem a barrar novidades porque fogem de um ambiente que podem controlar. Ou porque algo mais solto exporia o vazio de seus candidatos ou sua dificuldade de comunicação, da esquerda à direita.

Neste ano, contudo, a pandemia foi usada largamente por veículos de comunicação como justificativa para cancelarem debates. Alguns chegaram a serem acusados de privilegiar, dessa forma, candidatos apoiados pela cúpula da empresa ou da igreja proprietária do veículo.

Sites, jornais, rádios e TVs que realizaram os debates até aqui mostraram que é possível termos debates obedecendo as regras contra o coronavírus. A questão, portanto, é mais política do que sanitária.

Candidato do PT, mal nas pesquisas, reclamou por ter ficado fora

O debate UOL/Folha contou com os quatro primeiros colocados nas intenções de voto. Como os veículos não são rádio, nem TV, ficam de fora das obrigações da Lei Geral das Eleições. Afirma a lei 9.504/1997, em seu artigo 46: "é facultada a transmissão por emissora de rádio ou televisão de debates sobre as eleições majoritária ou proporcional, assegurada a participação de candidatos dos partidos com representação no Congresso Nacional, de, no mínimo, cinco parlamentares, e facultada a dos demais."

Isso gerou reclamações de candidatos que ficaram de fora.

Jilmar Tatto (PT), numericamente em quinto lugar nas pesquisas Datafolha e Ibope, reclamou, no Twitter, por ter sido excluído como um dos debatedores. "É uma afronta à democracia."

Arthur do Val (Patriota), numericamente em sexto, realizou uma live durante o evento e postou no Twitter: "Reagindo ao vivo ao debate da Folha".

Modelo emplacaria na TV?

A discussão é justa porque os debates são as únicas oportunidades reais para muitos candidatos que contam com segundos na TV e no rádio.

Ao mesmo tempo, o formato tradicional de debates não garante acesso a ideias e justificativas e precisava mudar.

Será interessante, no futuro, ver se o modelo do debate UOL/Folha é aplicável a um evento na TV com 12 competidores. Pessoalmente, acredito que não.

Brasil poderia transmitir debates temáticos através de grupos de veículos

Este ano foi atípico, como já dito, por conta da pandemia. Mas é comum que os sucessivos debates na TV tratem sistematicamente dos mesmos assuntos. Audiências diferentes, repetição necessária, vocês dirão.

Isso poderia ser resolvido, contudo, com debates temáticos transmitidos por pool de veículos de comunicação, como ocorre nos Estados Unidos.

Apenas engatinhamos em relação às possibilidades de agregar, para um mesmo debate, várias redes de TV, emissoras de rádio, sites, portais, páginas e contas em rede social.

Não raro, mediadores de debates tradicionais, jornalistas muito bem preparados, acabam se tornando bedéis de tempo e da insanidade alheia e entregadores de direitos de resposta, quando poderiam questionar os candidatos, não deixando que fugissem das questões ou até retrucando com ajuda de checadores de fatos.

Imagine um debate presidencial inteiro sobre geração de empregos e saúde pública? Outro sobre segurança pública, educação e violência contra as mulheres?

O modelo adotado pelo UOL/Folha é um dos muitos possíveis. Se novos formatos privilegiarem o aprofundamento de questões de interesse da população ao invés de permitir que os candidatos apenas batam cartão ou treinem frases que se tornarão memes, teremos uma população melhor alertada sobre o conteúdo (ou a falta dele) de cada um.

Por fim, todos os debates são fundamentais e essenciais para a formação do voto. Quem falta a um deles não apenas ofende a democracia. Mas mostra que o silêncio e o vácuo de respostas pode ser uma de suas estratégias de governo, caso eleito. Temos um exemplo disso que não nos deixa esquecer.