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Josias de Souza

Mosquitos de São Paulo injetam vida real no debate UOL/Folha

Colunista do UOL

11/11/2020 14h06

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A realidade chegou ao debate UOL/Folha entre os principais aspirantes à prefeitura paulistana no terceiro bloco.

Num instante em que diziam coisas definitivas sem definir muito bem as coisas, candidatos mecânicos foram submetidos a uma pergunta gravada por Daniela Cerri Seibel, presidente de uma associação comunitária: "Gostaria de saber como vocês irão conduzir a questão da infestação de pernilongos que assola a cidade de São Paulo e já virou um problema de saúde pública."

As respostas deram uma ideia do que ocorre na campanha. Candidato hemorrágico, Celso Russomanno (Republicanos) disse que buscaria dinheiro em Brasília para despoluir o Pinheiros e o Tietê. Estava fora de órbita.

Na dianteira das pesquisas, Bruno Covas (PSDB) cuidou de recordar ao ex-líder da corrida eleitoral que os rios são problemas estaduais. Realçou que a prefeitura já aplicou multas por falta de limpeza nas margens. Esqueceu por um instante que o estado é governado pelo correligionário tucano João Doria.

Candidato mais temido por Covas num eventual segundo turno, Márcio França (PSB) espicaçou o rival. Na campanha anterior, disse França, a chapa Doria - Covas prometera trazer para São Paulo as maiores empresas de franquias do mundo. "Essa realmente é uma franquia que chegou, a dos pernilongos..." Faltou dizer que coelho será retirado da cartola para deter o inseto.

Guilherme Boulos (PSOL), hoje favorito à conquista da vaga num ainda hipotético segundo turno, se absteve de expor planos antipernilongos. Acossado pelos rivais por sua "falta de experiência", o postulante foi, por assim dizer, perdulário no gasto do tempo. Precisou economizar segundos nos últimos blocos do debate UOL/Folha.

Numa campanha em que Russomanno afunda agarrado a Bolsonaro e Boulos esfrega Doria na cara de Covas tendo Lula na retaguarda, a participação de líderes comunitários lembrou aos políticos que os eleitores da maior e mais rica cidade do país convivem com problemas do século passado.

Além do pernilongo, foram incluídos na discussão os dramas das famílias que são despejadas de moradias precárias para ser abrigadas nas estatísticas do déficit habitacional; a encrenca de moradores da periferia excluídos das rotas dos transportes públicos; o flagelo dos ocupantes de imóveis que são obrigados a pagar IPTU mesmo quando são alcançados por alagamentos.

Ficou evidente que a campanha se desenvolve em dois mundos. O mundo dos candidatos, repleto de soluções fáceis, e o mundo de eleitores, sempre às voltas com o insolúvel. No mundo dos aspirantes a prefeito, prevalece a estratégia. Num debate em que os contendores tiveram liberdade para administrar o próprio tempo, a coreografia de interesses ficou nítida.

O líder Covas escolheu Boulos, esquerdista de mostruário, como adversário de estimação. Parece recear um eventual segundo round contra França, da esquerda light. Num esforço para dar aparência real aos seus planos distributivos, Boulos misturou sonhos e cifras. Na briga pela segunda vaga, França elogiou de Bolsonaro a Lula e encostou na inexperiência de Boulos, calcanhar de vidro do rival, a sua carreira política de quatro décadas.

Quanto a Russomanno, atravessou o debate como um franco-atirador. Atirou a esmo. Começou mirando em Covas. Disparou contra Boulos a "pegadinha" de duas logomarcas fantasmas supostamente contratadas para receber verbas eleitorais do fundo público de campanha. Ficou fácil entender as razões que levaram Russomanno, em queda livre, a reivindicar na Justiça a censura do Datafolha.