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Crise elétrica foi causada por mudança climática, alerta estudo do governo
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Um documento interno do Ministério de Minas e Energia afirma que a atual crise hídrica que coloca em risco o atendimento à demanda nacional de energia elétrica não é algo temporário, mas faz parte de uma tendência que deve piorar nas próximas décadas devido às mudanças climáticas.
A informação não é novidade para ambientalistas, pesquisadores da área e cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas, mas o governo federal vem insistindo que a pior crise hídrica dos últimos 91 anos é algo pontual e não poderia ser prevista.
A atual crise pode levar o país ao racionamento de energia ou a apagões, como ocorreu no país entre 2001 e 2002, o que pode afetar a economia já combalida devido à pandêmica de covid-19. O governo anunciou um tarifaço para tentar reduzir o consumo, tática que já falhou anteriormente. E baixou uma Medida Provisória (1.055/2021) que concentra poderes no Poder Executivo e peca pela falta de transparência.
O responsável pela pasta, almirante Bento Albuquerque, culpou o fenômeno La Niña (que consiste na redução da temperatura das águas do Oceano Pacífico) pela seca no Sudeste e no Centro-Oeste, onde ficam as cabeceiras de grandes rios brasileiros, em entrevista à Folha de S.Paulo, em 2 de junho.
E o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou que a situação é fruto do imponderável. "Apesar dos problemas, está indo bem o Brasil. Tem gente incomodada com isso. Na energia, estamos com problema da maior crise hídrica da história do Brasil. Mais um azar. Apesar disso, está indo bem", afirmou a apoiadores em 3 de junho.
A coluna teve acesso ao documento que é datado do último 12 de março. A nota técnica no 8/2021 da Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia analisa o comportamento hídrico nacional baseado em séries históricas entre os anos de 1931 e 2019 e usa modelos estatísticos e hidrológicos para projetar tendências.
O UOL confirmou que o documento foi enviado oficialmente pelo Ministério de Minas e Energia a órgãos do setor elétrico, como o Operador Nacional do Sistema (ONS) e a Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE).
A informação é relevante e deveria ser disponibilizada ao público e aos interessados na privatização da Eletrobrás, pois diz respeito a uma possível redução na capacidade de geração de energia elétrica das usinas hidrelétricas que fazem parte da empresa.
Queda no Nordeste, aumento na região Sul
De acordo com o documento, enquanto no subsistema Sul, a Energia Natural Afluente (ENA), ou seja, a quantidade de água disponível para a geração de energia, conta com uma tendência de crescimento na energia produzida, no Nordeste houve uma tendência de aumento até a década de 1960, seguida de uma diminuição acentuada provocada pelas mudanças climáticas.
"A tendência atual de redução das afluências no Nordeste deve continuar nas próximas décadas, agravando o problema da baixa disponibilidade hídrica na região", afirma a nota técnica. Na região, a mais afetada pela redução, ficam grandes usinas com reservatórios no rio São Francisco, como Xingó e Paulo Afonso.
Quanto ao sistema Sudeste/Centro-Oeste, há uma pequena tendência de aumento de água à disposição para a geração de energia até a década de 1980, seguida de uma lenta diminuição por conta das mudanças climáticas. A análise dos dados presente no documento aponta que a tendência de queda também deve persistir nas próximas décadas devido à aceleração da alteração do clima.
Nesse subsistema, estão usinas do Rio Paraná, como Itaipu, Ilha Solteira, Jupiá e Porto Primavera e a planta de Furnas.
Por fim, no subsistema Norte, há uma relativa estacionariedade nos índices até década de 1970 e um tendência de queda a partir de então, que deve prosseguir nas próximas décadas. Na região, estão usinas como Belo Monte e Tucuruí.
No cômputo nacional, a resultante é uma tendência geral de redução na quantidade de gigawatts gerados.
Efeito das mudanças climáticas na geração de energia
Dois fatores principais exercem influência sobre a vazão da bacia hidrográfica no longo prazo e, portanto, na quantidade de água disponível para geração de energia elétrica, segundo a nota técnica. O desmatamento e as mudanças climáticas.
A nota técnica questiona as análises que apontam para uma situação de estacionariedade na quantidade de água para a geração de energia, apontando que a crise atual não é um desvio da curva que voltará ao normal, mas parte de uma tendência de queda.
De acordo com o documento, o foco das análises atuais não deveria ser a flutuação sazonal das vazões naturais, nem suas oscilações temporárias, mas os fatores capazes de influenciar as vazões na escala de décadas.
"Assim, é imperativo reconsiderar, o quanto antes, o pressuposto de estacionariedade das Energias Naturais Afluentes no planejamento tanto da operação quanto da expansão do Sistema Interligado Nacional [o sistema de produção de transmissão de energia elétrica do país]", segundo a nota.
Em outras palavras, o governo precisa considerar em seu planejamento que as mudanças climáticas já alteraram em definitivo a vazão de água. E que mais do que ações de prevenção, precisamos buscar formas de mitigar o impacto disso tanto para a geração de energia quanto na disponibilização de água para consumo humano, agropecuário e industrial.